Por Leo Lince para o Correrio da Cidadania
José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal e figura central do bem documentado mensalão do DEM, soltou o verbo sobre sua experiência vivencial nos labirintos do financiamento privado de campanha eleitoral. Diante da pergunta “O senhor é corrupto?”, Arruda forneceu a seguinte e espantosa resposta: “Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas idéias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso”.
A entrevista explosiva na “Veja Online”, estranhamente, não apareceu na edição em papel da revista*. Os grandes jornais tocaram no assunto em páginas secundárias e notas pequenas. Entre os acusados de participação direta no esquema estão os presidentes anterior e atual do DEM, o presidente e o secretário geral do PSDB, além de cabeças coroadas destes e de outros partidos. Ninguém, nos partidos da ordem dominante, protestou indignado. É a lei do silêncio que decorre da “naturalização” da maracutaia.
Delúbio Soares, ex-tesoureiro e figura central do mensalão do PT, outro especialista na arrecadação de “recursos não contabilizados”, também apareceu no noticiário desta quaresma tão farta de desastres. A julgar pelas declarações de altos dirigentes do PT e até de ministros do novo governo, ele se prepara para voltar ao ninho antigo. Será a volta do filho pródigo, portador de habilidades especiais no “jogo que se joga na política brasileira”.
Gilberto Kassab, originário do malufismo, secretário do Pitta e posto onde está pelo bico tucano, foi outro freqüentador assíduo no noticiário da quaresma. Apesar de colega do Arruda no abastecimento dos mensalistas do DEM, ele não foi filmado e ainda não foi preso. Carisma zero, sempre montado em máquinas de governo, ele agora é fundador de partido. Não fosse ele o prefeito de São Paulo, titular do terceiro orçamento da nossa rala República, não teria cacife para tal empreitada. Como a sigla PDB, partido da burla, explicitava por demais o conteúdo, mudaram o rótulo da manobra. O PSD, partido dos saídos do DEM, é um escárnio, mais um cambalacho explícito no jogo pequena política.
Três figuras emblemáticas do momento atual, marcado pelo eclipse da grande política e pela conseqüente apoteose da politicalha. A grande política é aquela que trata das estruturas sociais e emana da livre manifestação de seus conflitos. As grandes questões sistêmicas, o embate entre projetos políticos que buscam espaços de legitimação, a emergência de movimentos e líderes que galvanizam o ativismo cidadão. A pequena política, pelo contrário, não cuida de nada disso, ela opera nos limites da conjuntura e gerencia o ocaso e as rotinas do continuísmo.
É duro, mas inevitável constatar. Estamos vivendo, no Brasil de hoje, um interregno trevoso, marcado pela hegemonia absoluta da pequena política. Uma tristeza. Áreas de sombra se avolumam sobre as instituições. O Executivo barganha cargos de “petequeiros”; o Parlamento chafurda na política de negócios; e o vértice supremo do Judiciário toma partido dos “fichas sujas”. Os grandes financiadores de campanha, sempre protegidos, são os grandes beneficiários do modelo dominante. A malha de cumplicidades que articula os partidos da ordem com os pontos fortes da economia é o que sustenta o reino da pequena política.
Nota da Redação: A entrevista da Veja com Jose Roberto de Arruda foi realizada em setembro de 2010, semanas antes da eleição presidencial e quando o político se encontrava encarcerado, sendo inexplicavelmente publicada somente no dia 17 de março deste ano.
Léo Lince é sociólogo.