Léo Lince
A sabedoria popular dos grandes sertões, recolhida por Guimarães Rosa e posta na boca do jagunço Riobaldo, ensina que “passarinho que se debruça, o vôo já está pronto”. Sendo assim, o governo da presidenta Dilma começa carregado de maus prenúncios para quem trabalha e vive de salários.
Não é o caso de levantar escândalo de começo, pois “só aos poucos é que o escuro é claro”. Mas é caso para botar as barbas de molho. As primeiras medidas do novo governo, apesar do slogan publicitário, evidenciam uma clara opção preferencial pelos ricos. Basta ver o aplauso entusiástico do coral dos contentes.
O aumento na taxa básica de juros, o corte bilionário no orçamento e, principalmente, o arrocho do salário mínimo, todas são medidas articuladas de um ritual quase religioso. É o batismo de fogo do novo governo e de sua equipe. Nele, como se vê, se reafirmam os votos de vassalagem aos dogmas da ortodoxia dominante, e aos magnatas supremos do capital financeiro.
Dia sim e outro também, os grandes jornais associados aos pontos fortes da economia abrem editoriais para “orientar” o governo. Os daqui e os lá de fora. Guido Mantega, que nos tempos do Meirelles fingia contraponto, agora é chamado pelo “Financial Times” de “falcão fiscal convertido”. Acabou a “esquizofrenia”, agora a Fazenda e o BC apontam para a mesma direção. Todos gostaram muito da embocadura inicial do governo Dilma e querem mais, muito mais. Apesar do estrago provocado pelos quatro cantos do mundo, os ideólogos da supremacia financeira estão em plena ofensiva em nosso país. E o Brasil é a bola da vez.
A batalha do salário mínimo produziu um espetáculo revelador. A presidenta e seus ministros, além dos deputados e senadores da base de apoio do governo, que acabaram de receber aumento real entre 62% e 142% em seus contracheques, organizaram uma verdadeira operação de guerra contra o aumento do salário mínimo. Impressionante a desfaçatez. Não pode, desequilibra as contas públicas, implode a economia, é contra o Brasil. Foi espantoso ouvir a velha falácia conservadora na boca de ex-lideres do sindicalismo que já foi combativo. Cômico e trágico.
O corte dos gastos, que vai sacrificar políticas públicas essenciais; o aumento dos juros, que vai desacelerar o crescimento da produção; e o arrocho salarial, que vai intensificar a exploração do trabalho, todas elas são medidas voltadas para a formação de superávit primário. Ou seja, grana reservada para pagar em dia os juros da dívida! Em 2011 o Brasil deverá gastar cerca de 230 bilhões com os juros. A grande meta de toda economia do setor público é juntar dinheiro para garantir o ganho do especulador.
O gráfico em forma de torta que fornece uma visão geral do que foi o orçamento brasileiro em 2010, sem dúvida, é de cortar os pulsos. Qualquer um que o contemple ficará pálido de espanto. A dívida come mais de metade da torta: 53,85%. O resto, a banda menor da torta, é o que sobra para cobrir todas as demais despesas e investimentos da máquina pública brasileira. Um absurdo. No entanto, apesar dos sacrifícios crescentes, o tema é sempre mantido fora do debate. Auditoria da dívida? Nem pensar. Trata-se de assunto proibido, tamanha é a hegemonia do pacto conservador que nos governa.
Essa é a dura realidade que já cravou sua marca nas feições da nova administração. No governo da presidenta Dilma, assim como nos anteriores, a economia política do capital continua ganhando de goleada da economia política do mundo do trabalho. Salário mínimo, lucro máximo.
Rio, fevereiro de 2011.
Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política