Nota pública
Mandato Popular e Socialista Deputado Federal Ivan Valente – PSOL/SP
Nesta semana, mais de um milhão de egípcios – homens, mulheres, idosos, jovens – ocuparam as ruas de todo o país exigindo a saída do presidente Mubarak, há 30 anos no poder e acusado de corrupção, violação das liberdades civis e políticas, desemprego e pobreza da população. Foi a maior mobilização desde o dia 25 de janeiro passado, quando eclodiu o levante nacional. Na Praça Tahrir, local simbólico das manifestações, o povo cantava e dançava pedindo liberdade. Negaram a nova proposta de Mubarak de deixar o poder após as eleições de setembro. Se sentem ofendidos com este tipo de “oferta”. “É muito pouco e muito tarde pra isso”, dizem, afirmando que não abandonarão as ruas até verem a saída do presidente ditador, responsável por um regime extremamente autoritário, que exerce o controle absoluto dos meios de comunicação de massa e historicamente reprime com brutal violência todos aqueles que a ele se opõem.
Não é de hoje que o povo egípcio arrisca a própria vida para transformar esta realidade. Mas é assustadora a onda de violência que assistimos nos últimos dias, com guerras de pedras, linchamentos e açoites, resultado da ação da polícia à paisana e de provocadores partidários de Mubarak, diante de um exército impassível que ali deveria estar para proteger a liberdade de expressão e manifestação do povo. Centenas de pessoas já morreram nos protestos. Milhares foram feridos e detidos. A imprensa internacional foi atacada e expulsa do país.
Mas, apesar de tudo, da violenta repressão, da internet bloqueada, da censura aos veículos locais e dos problemas na rede de telefonia móvel, as marchas no Egito são cada vez maiores e não podem ser ignoradas. A história está acontecendo, com o povo tomando o poder em suas mãos. Prestamos assim nossa homenagem e manifestamos todo o nosso apoio à revolução no Egito e às lutas do povo árabe.
Os acontecimentos de janeiro na Tunísia, que derrubaram o ditador Ben-Ali, sem dúvida inspiraram o que agora acontece no Egito. Mas as condições objetivas para a revolta popular já existem há muitos anos no país. Das greves de trabalhadores ao apoio aos palestinos contra Israel e à invasão do Iraque pelos Estados Unidos, o estopim foi o desemprego e a alta dos alimentos, que desde 2008 tem aprofundado a pobreza na região. Dois terços da população do Egito são jovens, tem menos de 30 anos, e sua absoluta maioria está desempregada. Cerca de 40% da população vive com menos de dois dólares por dia.
Diante da inércia de seu governante, que expulsou do país e inviabilizou a construção de qualquer oposição política real, usando inclusive a desculpa do combate ao terrorismo nos anos 90, o sentimento de injustiça levou o povo às ruas para quebrar este ciclo de opressão. Querem decidir seu próprio destino, algo que lhes vem sendo negado há décadas, com o apoio de países hegemonistas, como os Estados Unidos, que apostam e apóiam ditaduras amigas com o receio do crescimento do “islamismo radical”. O que as revoluções na Tunísia, no Egito e as mobilizações que agora começam no Iêmen e na Jordânia mostram é que são esses governos o principal entrave à democracia na região.
E o que dizem os “líderes do Ocidente” neste momento? Que o Egito “precisa de reformas urgentes”. Algo que os egípcios já cansaram de ouvir. Defendem publicamente a democracia – o poder que emana do povo – mas quando o povo se rebela contra ditaduras amigas pedem uma “transição estável”. Hipocritamente não é assim que agem contra o Irã, ou que agiram no caso do Iraque. Não à toa. O governo de Mubarak é notável por sua colaboração com a política externa dos Estados Unidos na região. Garante o cerco a Gaza, fechando a única passagem para Rafah, e o fluxo de petróleo para os americanos. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel no Oriente Médio. Em compensação, o Egito é o segundo maior beneficiário da ajuda externa dos EUA.
Depois da Tunísia, uma mudança de regime político no Egito pode significar transformações reais no mundo árabe. Parece cedo para fazer previsões, mas a causa Palestina, por exemplo, pode ser impulsionada. Um governo no Egito menos comprometido, que não seja títere dos Estados Unidos e Israel, fortalece a luta dos palestinos. Contra o povo organizado em massa, os governos não são assim tão invencíveis como parecem. Da mesma forma, mudanças políticas no norte da África podem favorecer os governos árabes a não permanecerem tão calados diante dos ataques de Israel ao povo palestino.
O que o povo egípcio quer é a garantia de sua soberania para definir seu próprio destino. E o que a comunidade internacional deveria fazer, incluindo o Brasil, é apoiar este processo. Uma mudança na região é possível e bem vinda se os líderes ocidentais supostamente defensores da democracia, cúmplices dos problemas econômicos, sociais e políticos desses países, a permitirem.
Por isso, nosso mandato apóia, se faz e se fará presente nesta e nas próximas mobilizações em solidariedade à autonomia, soberania e liberdade do povo árabe, no Egito e em qualquer lugar onde as vozes se levantarem por mudanças. Que a voz do povo egípcio não seja mais silenciada nem ignorada.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP