O velho Samuel Wainer aconselhava: cada artigo refere-se a uma só idéia. Duas idéias: dois artigos. Mas no momento há três temas que não podem passar batidos. Por isso, o leitor considere que está lendo três artigos.
O escândalo Erenice provocou uma alteração na correlação de forças políticas. O que parecia um passeio ganha ares de disputa acirrada nestes dias finais de uma disputa eleitoral murcha, montada para impedir o debate dos problemas do povo brasileiro. Explica-se o aumento da tensão entre os candidatos no último debate eleitoral. O clima de vale tudo, com cada lado procurando “demonizar” o outro, camufla a profunda convergência no projeto político dos três candidatos que representam o status quo.
Nesse contexto, o desafio de desnudar o caráter profundamente injusto da sociedade brasileira fica ainda mais difícil, sobretudo, porque exatamente na reta final, quando a população menos favorecida é convocada para a política, os debates de grande audiência encurtam o tempo de fala dos candidatos e transcorrem em clima conturbado e passional. O debate público não pode se transformar numa gincana sujeita às determinações dos grandes meios de comunicação. A política do espetáculo corrompe o debate público e desinforma a população.
É lastimável o desfecho da cassação de registro do candidato Joaquim Roriz, que pleiteia o governo do Distrito Federal. O primeiro dever do juiz é decidir a questão que lhe for apresentada. Procrastinar a sentença tem todas as marcas de manobra destinada a burlar o espírito da lei. Revela ainda um Tribunal fraco, formado, salvo honrosas exceções, por juízes sem coragem de enfrentar os poderosos. A ambigüidade do Judiciário para separar as condenações por crimes anti-sociais de condenações provocadas pela luta social ameaça “criminalizar” a esfera política. A impotência dos vestais do Supremo para fazer valer o espírito da Ficha Limpa explicitou que a corrupção política é parte orgânica de um sistema econômico e de um regime social que corrompe todas as instituições e todas as regras do jogo para impedir que o povo emerja como sujeito histórico capaz de mudar o seu destino.
Apesar das dificuldades postas pela conjuntura política, a candidatura à Presidência do PSOL cumpriu o papel de fazer o contraponto. Pautamos as necessidades emergenciais do Brasil sem as quais não é possível combater a histórica desigualdade social: reforma agrária radical com limitação da propriedade rural; reforma urbana baseada no enfrentamento à especulação financeira para que todos tenham direito à moradia digna; garantir o investimento de 10% do PIB na educação e mais 10% na saúde públicas para assegurar a universalização sem abastardamento destes dois direitos; a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução salarial e a elevação do salário mínimo em quatro anos para R$ 2 mil, como preconiza o DIEESE. Não aceitamos o fim da história. O fogo da brasa que não se apaga é o mesmo fogo da chama que incendeia.
Plínio Arruda Sampaio
Plínio Arruda Sampaio é formado em Direito pela USP, foi promotor público, deputado federal constituinte e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.
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