Escrito por Rodolfo Salm
Publicado originalmente no Correio da Cidadania – 17-Ago-2010
Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL à presidência da República, foi o grande destaque do primeiro debate entre os principais candidatos ao cargo, transmitido pela TV Bandeirantes em 5 de agosto. Além da tranqüilidade ao se expressar e do refinado senso de humor, era o único que tinha algo de realmente diferente a dizer, como ele bem destacou. Qual é a real diferença entre as propostas de Serra e Dilma? E entre eles e Marina? Definitivamente não é fácil de responder. Como Plínio disse, os três candidatos pareciam Polianas, “o bem deve ser feito e o mal deve ser evitado” e, por mais que discordem dos detalhes, acreditam no rumo das políticas atuais que deveriam ser, no máximo, aprimoradas. Enquanto Plínio estava ali para apresentar uma outra proposta: “uma alternativa a um modelo de desigualdade”, a ser implementado com base em “posturas radicais”.
Mas o que isto significa, exatamente, na prática? A resposta não é simples. Na verdade existem inúmeras respostas. Eu gostaria de destacar uma, que concretamente considero a mais urgente e importante, com tremendas repercussões para o futuro deste país: a oposição ao sinistro projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. Felizmente, o assunto foi abordado no debate, apesar de que de passagem, através da pergunta do jornalista José Paulo de Andrade ao Plínio, com comentário de Marina Silva (ver o vídeo do Bloco 4). A pergunta foi a seguinte: “No programa do PSOL, além do calote da dívida, encontramos apoio à ocupação no campo e na cidade. Manifesta-se o partido em posição contrária à transposição das águas do rio São Francisco, e à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Por quê?“.
Plínio respondeu, antes mesmo de destacar que a questão do pagamento da dívida não se trata de “calote”, mas da avaliação do que é realmente devido, que a ocupação de terras é um direito da massa trabalhadora e que a transposição do São Francisco serviria principalmente ao agronegócio: “Nós somos contra Belo Monte porque ele é um absurdo econômico. Ele [o local da barragem projetada] está a milhares de quilômetros de distância do mercado“. Na verdade, os motivos pelos quais nos opomos a esta obra nefasta são os mais variados (ver os dez principais motivos abaixo), mas o candidato demonstrou conhecimento da questão ao citar o problema fundamental, que convenceria qualquer capitalista preocupado com o investimento do seu dinheiro. Por isso que a iniciativa privada fugiu de financiar Belo Monte, e o seu fardo, se nada for feito para evitá-lo, cairá nas costas do Estado.
É irônico que, dos três postulantes ao cargo máximo do Executivo, apenas aquele que defende uma alternativa ao capitalismo atentou para um princípio tão caro ao sistema: Belo Monte é um mau negócio. Um delírio desenvolvimentista da ditadura que conseguimos vencer no período de redemocratização do país (em 1989), quando, após o primeiro encontro dos povos indígenas de Altamira, o Banco Mundial desistira de financiar a obra. Mas que foi ressuscitado por Dilma Rouseff quando ministra da Casa Civil, para agradar o grupo político de José Sarney e as empreiteiras que ganhariam propinas e contratos generosos de baixo risco às custas do dinheiro do contribuinte.
Em seu espaço para comentários sobre Belo Monte, Marina Silva disse: “Eu defendi que se suspendesse o leilão até que se resolvessem os problemas, porque, se não se resolver o problema dos índios, da viabilidade econômica, e social, o programa não tem como ser viável“. Errado. Não há como se resolver o problema da viabilidade econômica. Não há como interromper o curso do último grande rio livre sem que isso seja desastroso para os indígenas. No início do programa, protestando contra a polarização do debate entre Dilma e Serra, Plínio disse: “Se vocês dois fizerem blocão, eu vou fazer bloquinho com a Marina“. E, de fato, as diferenças entre Plínio e Marina mostraram-se as mais interessantes, principalmente para quem tem no meio ambiente sua preocupação principal.
Joelmir Betting levantou uma bola perfeita para Marina ao fazer-lhe a pergunta mais estúpida que pôde imaginar: “Qual deve ser a prioridade verdadeira do Brasil, o aquecimento global de todos lá no futuro, ou o déficit de saneamento básico do Brasil do presente? Porque até agora, entre nós, árvores derrubadas causam mais indignação que crianças contaminadas“. Uma bobagem, mesmo porque as árvores estão sendo derrubadas aos milhões sem que se veja qualquer “indignação” nacional relevante. Marina respondeu corretamente que não há oposição entre a proteção das árvores e o saneamento básico. Mas vacilou ao dizer “eu não posso concordar que nós tenhamos que fazer e viver sempre essa oposição meio ambiente e desenvolvimento“.
O comentário era de Plínio de Arruda Sampaio, que conhece a ideologia subjacente ao raciocínio de Marina, e explicitou-a dizendo que há, sim, oposição entre desenvolvimento e meio ambiente, rotulando corretamente sua oponente como uma “eco-capitalista“, que “defende a ecologia até a hora do lucro“: “Se você quer de fato defender o meio ambiente tem que mexer no lucro! Tem que segurar a margem de lucro do capitalista. Sem isso não tem defesa real da natureza“.
Como o termo “desenvolvimento” é ambíguo e pode significar qualquer coisa, desde a melhoria das condições de saúde e educação até a apropriação e degradação do meio natural pelo espaço capitalista, não dá para dizer ao certo se Marina estava certa ou errada com a afirmação. Mas Marina confirmou a interpretação do candidato do PSOL ao iniciar sua tréplica dizendo: “Eu não tenho a mesma visão que o Plínio“. E completando com as seguintes bobagens: “O capitalista precisa de água potável, terra fértil e ar puro” e “se a temperatura da Terra continuar se elevando, nós vamos inviabilizar toda a vida no planeta“.
Digo que são bobagens porque ela sabe muito bem que o capitalista na Amazônia é migratório e, depois de acabar com a mata, a água potável, a terra fértil e o ar puro de um dado local, parte para outras regiões, deixando um rastro de destruição. Além do mais, apesar de ser verdade que a degradação ambiental pode acabar com toda a vida humana na terra e, com isso, também com o capitalismo, não é isso que está em questão, porque o capital não enxerga tão lá na frente. É da natureza intrínseca do capitalismo o pensamento de curto prazo, imediatista. O que está em questão é como que será a nossa qualidade de vida antes que a nossa extinção aconteça.
É por isso que no dia 3 de outubro votarei no Plínio para presidente. E num eventual segundo turno, votarei naquele que puder derrotar Dilma Rousseff e seu projeto sinistro de barramento e destruição do rio Xingu. Cabe lembrar, sinteticamente, os 10 motivos pelos quais somos contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte:
- Hidrelétricas não são energia limpa: elas emitem grande quantidade de metano, um gás de efeito estufa com impacto 23 vezes maior sobre o aquecimento global do que o gás carbônico. Assim, Belo Monte poluiria tanto ou mais do que termelétricas de potência equivalente.
- Belo Monte seria uma obra faraônica que geraria pouca energia. O projeto geraria apenas 39% dos 11.181 MW de potência divulgados, devido à grande variação da vazão do rio.
- A Bacia do Rio Xingu é única no planeta: mais da metade de seu território é formada por áreas protegidas e a barragem inevitavelmente causaria impactos irreversíveis na biodiversidade da região. São 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abrigando 30 Terras Indígenas e 12 Unidades de Conservação. Os impactos foram destacados pelos 40 especialistas das principais universidades brasileiras que analisaram o Estudo de Impacto Ambiental, assim como pela equipe de analistas ambientais do IBAMA que, apenas dois dias antes da emissão da licença prévia, afirmaram “não haver elementos que atestem a viabilidade ambiental de Belo Monte”.
- A barragem ameaça a sobrevivência dos 24 grupos indígenas, além de ribeirinhos e pescadores de peixes ornamentais. Canteiros de obras e novas estradas seriam construídos junto às Terras Indígenas dos Juruna da Boa Vista, Arara da Volta Grande e Juruna do Paquiçamba, com impactos irreversíveis para esses povos. E vários outros impactos indiretos igualmente graves sobre outros povos. Haveria mortandade em massa de peixes e a extinção de várias espécies. Inclusive de peixes ornamentais, que representam uma das mais importantes atividades econômicas da região e que morreriam sem oxigênio imediatamente após a formação do lago.
- O Governo Federal, o Ministério de Minas e Energia e o IBAMA violaram a Constituição Federal Brasileira e a Convenção 169 da OIT. A Constituição foi violada em diversos pontos. Foi violada a Convenção 169 da OIT, que garante aos indígenas o direito de serem informados sobre os impactos da obra e de terem sua opinião ouvida e respeitada.
- Haveria uma enorme imigração de trabalhadores atraídos pela obra. Mas, dos 18 mil empregos no pico da obra, só permaneceriam 700 postos de trabalho no final. A enorme migração, subestimada pelas empresas como sendo em torno de 100 mil pessoas, aumentaria a pressão sobre as terras indígenas e áreas protegidas e haveria desmatamento e a ocupação desordenada do território. O rápido crescimento populacional na região acarretaria o aumento da violência, da prostituição, dos acidentes, dos conflitos sociais e fundiários, das invasões. Por outro lado, nos 11 municípios que compõem a região da Transamazônica e do Xingu, somente 8 mil trabalhadores teriam condições de ocupar um emprego durante a construção da usina. O que acontecerá com essa grande massa de trabalhadores – mais de 100 mil – que estão chegando na região para ocupar estas concorridas vagas?
- O empreendimento obriga o re-assentamento de cerca de 30 mil famílias. Ninguém sabe se serão reassentadas ou indenizadas. Quem quiser ser reassentado irá para onde?
- A Licença Prévia foi emitida pela presidência do IBAMA apesar do parecer contrário dos técnicos do órgão; e as medidas condicionantes não compensam os danos irreversíveis e não representam garantia legal de responsabilidade do empreendedor. Alguns técnicos do IBAMA pediram demissão, outros se afastaram do licenciamento e outros ainda assinaram um parecer contrário à liberação das licenças para a construção da usina. Estão colocando senadores “ficha suja” para acompanhar a obra. Você confia?
- O processo de licenciamento está sendo antidemocrático e está ferindo a legislação ambiental: as audiências públicas não tiveram condições para participação popular, especialmente das populações tradicionais e indígenas, as mais afetadas. As audiências são exigência legal, mais um aspecto da legislação atropelado pelos proponentes da obra.
- Os impactos de Belo Monte são muito maiores do que aqueles estimados e, em muitos aspectos, irreversíveis e não passíveis de serem compensados pelos programas e medidas condicionantes propostas. O preço de Belo Monte sobe a cada dia. NINGUÉM SABE O CUSTO REAL DA USINA!!
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará), e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.