Brasil de fato – Eduardo Sales de Lima |
A realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 promete causar uma guinada em relação ao transporte público das cidades-sede. Promete também potencializar a participação de empreiteiras e empresas com o nome sujo na Justiça, como a fabricante de trens francesa Alstom. Ela é investigada na Inglaterra, Suíça, França e Brasil por suspeita de pagamento de propinas para vencer licitações, entre outras acusações.
A última novidade ocorreu em 25 de março, quando policiais ingleses indiciaram três executivos de seu país que integram o Conselho de administração da empresa, sob acusação de pagar propinas a políticos para obter obras nas áreas de transporte e energia na Ásia e na África. Os executivos são acusados de pagamento de comissões ilegais, lavagem de dinheiro e de fraude na contabilidade da companhia.
No Brasil, a principal novidade nas investigações é que, em meados de 2009, a Suíça bloqueou contas atribuídas a Jorge Fagali Neto, irmão do presidente do Metrô paulista, e Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. A partir de então a investigação corre em segredo de justiça.
No Estado de São Paulo, até 2002, a Alstom venceu todas as licitações públicas. Palco da maior parte das denúncias contra a empresa no Brasil, a gestão de José Serra (PSDB) aumentou os negócios com a transnacional francesa. Como informou a edição 273 do Brasil de Fato, o Metrô firmou cinco contratos com a Alstom, somando mais de R$ 5,7 bilhões, entre 1992 e 2005, mais as prorrogações de contrato realizadas em 2007.
Por coincidência, ou não, entre 1998 e 2006, um total de 6,8 milhões de dólares teriam sido pagos por funcionário da Alstom para que ela vencesse contratos que, somados, equivaleriam a 45 milhões de dólares para a expansão do metrô de São Paulo.
Além de todas essas suspeitas, as autoridades suíças encontraram indícios de pagamento de subornos da Alstom na América do Sul e na Ásia, entre 1995 e 2006, que poderiam somar até 200 milhões de dólares. Empresas como o Metrô paulista, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), a Eletropaulo e a Eletronorte estariam envolvidas com corrupção. As investigações foram arquivadas.
Pressa oportuna
O secretário-geral da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Jerome Valcke, criticou, no dia 2 de maio, o atraso brasileiro na preparação para 2014. Pública e oportunamente, a transnacional tenta se aproveitar da pressão oficial da entidade junto às cidades-sede para convencer governadores e prefeitos a investir num meio de transporte que vem se expandindo por vários países do mundo, mas que ainda é praticamente inexistente no Brasil: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Trata-se de um trem de superfície com capacidade para transportar de 300 a 400 passageiros, com velocidade máxima de 80 km/h.
“ O Brasil tem que se dar conta de que 2014 já chegou. As obras só estarão prontas se forem licitadas agora”, disse o presidente da transnacional francesa no Brasil, Philippe Mellier em entrevista à revista Isto É Dinheiro. O trem-bala não foi esquecido por Mellier: “ queremos participar”, afirmou.
Mellier pressiona para que o exemplo de Brasília seja seguido por outras cidades-sede do Mundial de 2014. Isso porque o primeiro contrato firmado para a compra de “trens leves” junto à Alstom foi celebrado em Brasília, ainda na época em que o ex-governador José Roberto Arruda, ex-DEM, administrava o Distrito Federal (DF). O contrato com a transnacional francesa gira em torno de R$ 390 milhões.
“Promíscuos”
Para o deputado estadual Raul Marcelo (Psol/SP), o fato de uma empresa como a Alstom, repleta de denúncias de corrupção, vir à público e apressar as administrações para realizar licitações representa “uma promiscuidade entre o público e privado que, no Brasil, está comendo solta”. “Se nós tivéssemos um parlamento sério em São Paulo, isso mereceria uma investigação específica”, aponta.
Para ele, apesar das prisões de executivos da transnacional na Inglaterra e das fortes suspeitas de pagamento de propinas para vencer contratos do metrô paulista, existe uma operação abafa dos meios de comunicação.
“Como que uma empresa, que está sob suspeita de corrupção, pode apresentar propostas ao governo?”, questiona, também com indignação, a economista Ceci Juruá. Para ela, a empresa deveria ser proibida de concorrer até que prove sua inocência em relação aos fortes indícios de corrupção. As administrações das cidades-sede cometeriam, segundo ela, “enormes erros” em aceitar a presença de uma empresa como essa nas disputas de licitações enquanto estiver no foco de várias investigações pelo mundo todo, inclusive no Brasil.
De acordo com ela, o fato de a corporação possuir sócios nacionais poderosos, como as empreiteiras Queiroz Galvão e a Odebrecht, garante uma margem de manobra dentro do país. “O interessante é que eu não me lembro de casos em que empresas internacionais foram condenadas no Brasil, isso historicamente”, lembra. Para ela, falta ao país um sistema de proteção dos atos ilícitos por parte de empresas como esta. “O Brasil é um país que se protege muito pouco contra isso, porque ele não dispõe de um sistema penal capaz de, rapidamente, dar a resposta que a sociedade anseia”, afirma a economista.
Questionado sobre a participação da Alstom em licitações para o setor de transporte, a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades afirmou que o assunto não se inscrevia em seus domínios e ponderou que “a questão da Alstom é com a Justiça”.