Por Paulo Bufalo
O aprofundamento da “crise econômica” coloca em evidência muitas lutas sociais pela disputa de rumos da sociedade. Além dos conflitos diretos entre o capital e o trabalho, comuns no cotidiano da luta de classes, tornam-se mais aparentes aquelas que ocorrem pelo fortalecimento de valores de solidariedade, humanidade, ternura e liberdade.
A “crise econômica” é também uma crise societária, uma vez que, para garantir a continuidade dos padrões de acumulação de dinheiro para um grupo seleto de poderosos, o sistema capitalista passa da exploração à superexploração e desta, a mais profunda espoliação do ser humano e da natureza.
Isso se manifesta na vida da classe que vive do trabalho das formas mais cruéis. No campo, um trabalhador canavieiro, caso não corte 15 toneladas de cana por dia, para alimentar as usinas dos “heróis nacionais” será considerado improdutivo e, por isso, doa-se até cair morto, extenuado pelo trabalho. Nas cidades as comunidades submetidas à pobreza, ficam cotidianamente sujeitas ao extermínio de seus jovens, principalmente os negros, como vítimas das ações do próprio Estado, por falta de opções e políticas, mas, essencialmente, pela ausência total da possibilidade de serem incluídos neste sistema como consumidores ou produtores de mercadorias.
Pesquisa divulgada no ano passado realizada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sobre as ações das polícias no estado de São Paulo, no que se denominou “maio sangrento”, supostamente, como reação aos ataques do PCC de maio de 2006, revelou que 80% das 493 pessoas mortas tinham menos de 36 anos e apenas 6% tinham antecedentes criminais.
Romper com valores difundidos por esta sociedade da espoliação, como o individualismo, a ganância, a indiferença, a resignação e o preconceito requerem esforços permanentes e lutas radicais, no sentido de atacar às raízes dos problemas sociais instalados. Sem esta radicalidade os projetos e políticas são apenas paliativos e instrumentos de contenção da sociedade.
O dia 18 de maio é marcado por duas destas lutas sociais.
A luta antimanicomial, articulada no Brasil a partir do Congresso de Trabalhadores da Saúde Mental ocorrido em Bauru (1987), foi o início da superação do tratamento de pessoas acometidas por sofrimento psiquiátrico e ou desvio psicosocial através de privação do convívio com a sociedade.
O antigo sistema manicomial envolvia e ainda envolve “tratamentos” agressivos através de procedimentos químicos (drogas legais) e físicos (eletrochoque, camisas de força, prisão em solitárias), usados com o intuito de devolver o paciente à normalidade psíquica moralmente aceita.
Foi da ousadia da desinternação, da abertura das grades, do rompimento das correntes e da eliminação da tortura, que nasceu a possibilidade se trilhar por caminhos até então negados a uma parcela da sociedade e, assim, iniciar a construção de uma outra história com o protagonismo das próprias pessoas acometidas.
A outra luta que marca o dia 18 de maio é o enfrentamento à violência e à exploração sexual contra crianças e adolescentes. Com aprovação da Lei 8069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, a luta por uma nova concepção da infância e da adolescência no Brasil ganhou um alento importante. É neste cenário que se insere o combate a todas as formas de violência contra crianças e adolescentes até então consideradas pessoas “menores” também em seus direitos.
O abuso e a exploração sexual constituem formas das mais brutais de violência, fruto das desigualdades sociais, da discriminação de gênero, raça e etnia, do machismo e de relações de poder fortemente enraizados em nossa sociedade. Elas se manifestam de muitas formas, inclusive, dentro da própria família e para fins comerciais na prostituição, na pornografia, na pedofilia e no tráfico.
Por suas características, seu enfrentamento necessita ações articuladas e de caráter continuado que assegurem a proteção integral à criança e ao adolescente e rompam com a “cultura” da exploração e da impunidade de agressores.
O dia 18 de maio foi instituído como “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil”, em referência a um crime ocorrido nos anos 70, em que a menina Araceli Cabrera, então com oito anos, foi brutalmente assassinada, após ser estuprada e torturada por membros de uma tradicional família em Vitória – ES, que até hoje não responderam pelo crime.
Em tempos de aprofundamento das crises do capitalismo, as mobilizações sociais em torno destes temas pretendem reafirmar o desafio de transformar valores e relações de poder nas quais prevalecem os interesses do capital e as lutas por um outro mundo. Lutas que, num sentido mais amplo também visam ao rompimento das amarras e à emancipação da estrutura dominante e, por isso também, luta de classes.
Paulo Bufalo – Professor, Presidente do PSOL Campinas e Secretário de Direitos Humanos do PSOL São Paulo
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