Em discurso proferido no Plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (13/04), o deputado federal Ivan Valente denunciou o acordo recém assinado pelo Brasil e Estados Unidos na área da defesa.
Ao contrário do que noticia a imprensa, o acordo vai além das questões comerciais e prevê a construção de uma base bilateral em território nacional. Segundo o texto, será criado um centro de inteligência no Rio de Janeiro, com o pretexto de combater o terrorismo e o tráfico de drogas.
Para o deputado Ivan Valente, o acordo é mais uma manifestação da ingerência dos EUA na América Latina e representa uma ameaça para a soberania nacional.
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento feito por Ivan Valente sobre o tema.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
É com perplexidade que recebemos a notícia do acordo militar assinado entre o Brasil e os Estados Unidos ontem, 12 de abril, em Washington, pelo Ministro da Defesa, Nelson Jobim e pelo Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates. Para se ter uma idéia da envergadura de suas implicações, este será o primeiro acordo estratégico entre os dois países na área de defesa desde 1977 – quando o Brasil cancelou unilateralmente um acordo militar com os EUA que datava de 1952.
A despeito das tentativas de justificá-lo como uma ação de caráter comercial, que supostamente favoreceria os interesses da Embraer no mercado estadunidense, o que deve chamar a atenção da nação brasileira são os interesses estratégicos que estão por trás deste acordo.
O Ministro brasileiro se apressa em minimizar as possíveis controvérsias e reduzir o acordo a questões de cooperação na área de segurança. No entanto, o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, em declaração ao jornal Valor Econômico, deixa claro o objetivo de se montar uma “Base Binacional” com o pretexto de combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. Segundo apurou o jornal, os EUA forneceriam informações e apoios para que a Polícia federal monte, no Rio, um “centro de inteligência” coordenando todos os órgãos envolvidos nessas operações, a exemplo da que os americanos têm em Key West, na Flórida. Esse centro terá ações coordenadas com agências dos EUA e de outros países.
O acordo contém ainda, entre outras coisas, expressamente “a participação em treinamento e instrução militar combinados, exercícios militares conjuntos e o intercâmbio de informações relacionado a esses temas.
Senhor Presidente, queremos alertar para o histórico de ingerência dos EUA nos assuntos da América Latina e do mundo. A prática permanente de interferência direta em questões nacionais. O Brasil viveu amargamente essa experiência no período do golpe militar e nos tristes anos que o seguiram. No treinamento de militares brasileiros para as práticas de tortura e combate aos que lutaram e resistiram à ditadura militar.
Mais recentemente, assistimos à experiência do Plano Colômbia, que a pretexto de combate ao narcotráfico, significa uma ameaça estadunidense a partir de um país estratégico da América Latina, pronto a ser cabeça de ponte para atacar outros territórios e interferir na soberania de outros países.
Por último, vimos a reativação, há dois anos, da famigerada IV Frota, uma imensa base móvel armada até os dentes como uma espécie de patrulha do Oceano Atlântico. Isto tudo sem falar do papel dos EUA no Haiti, que na pratica ocuparam aquele país com mais de 10.000 soldados, tendo como argumento a ajuda humanitária após o gravíssimo terremoto que atingiu aquele país no início deste ano.
Na prática os argumentos se repetem, no caso brasileiro, chama a atenção que além do “bem intencionado” combate às drogas, há ainda o combate ao terrorismo, sendo que no país não há casos de nenhuma ação terrorista, nada que justifique uma qualificação permanente para este fim.
O acordo possibilita que os EUA qualifiquem sobremaneira seu papel junto as Forças Armadas brasileiras. Ocupem um papel de destaque e monitoramento, tenham acesso a informações estratégicas do país e exerçam um tipo de ação que devido ao seu caráter imperialista não costumam abrir mão, o posto de comando em tudo que diga a respeito ao que deveriam ser atividades de cooperação.
Não podemos negar as evidências, uma base de inteligência pode ser facilmente utilizada contra interesses estratégicos e soberanos do Brasil, pode facilitar o controle militar regional por parte dos EUA, facilitar suas ações de espionagem, seja política, militar ou tecnológica.
Não podemos minimizar as implicações que essas prerrogativas possibilitam. Desde os fortes interesses econômicos e ambientais, da disputa de nossas reservas estratégicas como o Pré-Sal e de nossa biodiversidade, às tentativas de controle de conflitos sociais e de desestabilização dos governos progressistas da região, como o evidente apoio às forças conservadoras que sirvam de suporte aos interesses estadunidense no continente.
Não nos deixa de causar estranhamento também esse tipo de acordo ter sido assinado no governo Lula. Pese toda a política econômica de favorecimento ao capital financeiro e de subserviência a interesses espúrios à nação, era de se esperar que em relação aos EUA predominasse uma postura mais altiva. Historicamente, mesmo nos tempos mais duros da Ditadura Militar, quando havia a franca ingerência e treinamento de nossos militares pelo exército norte-americano, ao menos do ponto de vista formal houve o rompimento por parte do Presidente Militar Ernesto Geisel, em 1977, do Tratado Militar que tínhamos com Washington.
Chama a atenção o acordo ter sido assinado sem nenhum debate público, com absoluta falta de transparência e sem nenhuma consulta ao povo brasileiro e a este parlamento. Não podemos aceitar que este acordo seja ratificado. Cabe ao povo brasileiro o debate sobre a questão. Cabe cobrar explicações imediatas do governo Lula, que venha a público dizer de forma clara, sem subterfúgios, as implicações deste acordo. Cabe a mobilização da nação brasileira para que não se sujeite a um acordo que fere nossa soberania e os interesses estratégicos do país. Da nossa parte, estaremos acompanhando pari passu este debate. Queremos que este parlamento se posicione, consideramos imprescindível que o debate venha a público, que o povo brasileiro saiba exatamente os interesses estratégicos que estão em jogo.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP