Pronunciamento do deputado Ivan Valente
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Estamos na iminência de um dos maiores ataques ao meio-ambiente em nosso país. Os debates realizados na Comissão Especial do Código Florestal, criada para discutir a reforma na legislação ambiental brasileira e ocupada por membros da bancada ruralista, apontam para um verdadeiro desmantelamento da política de proteção da natureza e da nossa biodiversidade. Se aprovado, o PL 1876 de 1999, o chamado Código Ambiental Rural, alterará significativamente – a ponto de descaracterizar diversos desses instrumentos – a Lei de Crimes Ambientais, o zoneamento ecológico e urbano, o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Sistema Nacional e Unidades de Conservação (SISNUC). Mexerá ainda no coração do Código Florestal de 1965, ao alterar a reserva legal por biomas e as áreas de preservação permanente (APPs).
Pela proposta de novo código, a reserva legal no bioma Amazônia, por exemplo, será reduzida de 80% para 50% da área da propriedade em questão. No Cerrado, de 50 para 35%. E no restante dos biomas, somente 20% restarão de pé. O princípio da reserva legal também será descaracterizado, ao permitir corredores para espécies transitarem entre parques, reservas extrativas e unidades de conservação. Desta forma, deixam de ser reservas legais para se tornarem unidades de conservação. Os ruralistas falam que defendem o desmatamento zero, mas querem diminuir a reserva legal a qualquer custo.
Outra mudança importante é a inclusão da expressão “vegetação natural” no lugar de apenas “vegetação” na definição das demais formas de vegetação a serem incluídas dentre as Áreas de Preservação Permanente. Isso pode gerar uma brecha jurídica para o grande empreendedor rural, ao declarar regiões florestais que deveriam ser computadas enquanto de Preservação Permanente como sendo passíveis de desflorestamento por não serem áreas de “vegetação natural”. Ou seja, áreas que poderiam ser derrubadas para fins de criação de gado ou plantio de monoculturas extensiva de grãos. Para piorar, altera um princípio ecológico importante do Código Florestal ao considerar vegetação natural aquela composta exclusivamente por espécies nativas da região. Ou seja, áreas oriundas de reflorestamento ou ocupadas por espécies que não sejam nativas da região não serão consideradas. Por fim, admite-se a supressão das florestas de APPs, quando hoje isso só pode acontecer em função de atividade de interesse social ou utilidade pública.
O novo texto também retira da lei as definições físicas necessárias à proteção de florestas de preservação permanente e demais áreas de vegetação ao longo de rios ou outros cursos d’águas, e estabelece que os limites a serem fixados para as APP’s serão estabelecidos pelo CONAMA. A redução da mata ciliar em torno dos rios, no entanto terá como primeira conseqüência o assoreamento dos cursos d´água. Querem ainda reduzir as áreas de preservação permanente nas encostas, declives, montanhas, chapadas e topo de morros, permitindo a redefinição dos critérios de utilização econômica dessas regiões, numa sanha de aproveitar todo o território disponível para a exploração agrícola. Essa alteração é temerária, e pode gerar medidas irresponsáveis, principalmente se analisarmos os recentes desastres provocados por enxurradas e destruição de áreas urbanas e rurais, como os que ocorreram no estado de Santa Catarina.
Outro ataque à política nacional de meio-ambiente virá da transferência para Estados e Municípios da responsabilidade de fixar limites para as APP’s, que passam a atender a “peculiaridades locais”. O mesmo estado de Santa Catarina já aprovou um código florestal específico contraditório com o Código Florestal em vigor, que está inclusive sendo questionado no Supremo. Se vigorar na proposta de um novo código nacional, essa medida poderá desarticular e fragmentar totalmente o processo de planejamento e gestão ambiental do Estado brasileiro, que possui como princípio constitucional a responsabilidade complementar e concorrente entre os entes federados, a partir da definição de princípios gerais. A definição de metas nacionais para as diferentes regiões é um processo de gestão ambiental nacional, que necessita de gestão complementar dos outros entes para sua efetivação e cumprimento, mas jamais de regulamentação que ultrapasse as responsabilidades complementares. A regionalização total das normas do setor foi inclusive tachada pelo ministro Carlos Minc de um dos “pesadelos ambientais”, que não poderiam se concretizar. Mas é exatamente isso o que propõe o Código Rural.
Trata-se, na verdade, Senhor Presidente, de uma disputa pelo modelo agrário e agrícola brasileiro. Os mesmos que defendem tais mudanças no Código Florestal e na legislação ambiental brasileira são aqueles que foram contra a Lei dos Crimes Ambientais. São os mesmos que, além de defenderem aqueles que sistematicamente descumprem a lei ambiental – como recomendou a senadora Kátia Abreu –, fazem lobby pesado junto ao governo pelo adiamento constante da entrada em vigor do decreto presidencial que regulamenta a lei e determina o registro e o compromisso de recuperação da reserva legal, aplicando sanções a proprietários que desmataram mais do que o permitido. O decreto, de 2008, que deveria ter entrado em vigor em janeiro do ano passado, foi prorrogado para dezembro de 2009 e, depois, novamente adiado.
São os mesmos deputados e senadores que são financiados por gigantes transnacionais que estão pouco preocupadas com a preservação do meio-ambiente no Brasil. Por isso, apresentamos nesta terça à Comissão Especial do Código Florestal um requerimento para ouvir Aracruz, Klabin, Bumge, CSN, Sadia, Votorantim e Caemi, que pertence à Vale do Rio Doce, todas financiadoras de campanha de parlamentares que, agora, querem desmantelar nossa legislação ambiental.
Já está comprovado cientificamente que meio-ambiente e agricultura são complementares, e não incompatíveis. Ao contrário do que quer fazer crer o agronegócio, os pequenos proprietários não serão prejudicados com este modelo. Basta um modelo de desenvolvimento que aproveite nossa biodiversidade e compreenda que a floresta de pé vale muito mais do que derrubada. Precisamos de um modelo de agregação de valor e eficiência da terra, que dialogue não apenas com a agropecuária, que empurra incessantemente a fronteira agrícola, e aponte para estratégias junto à indústria farmacêutica, alimentícia e de química fina, por exemplo. Segundo a Embrapa, a pecuária é responsável por 25% do PIB da Amazônia; por apenas 10% do emprego da mão de obra e, pasmem, por 70% da emissão de CO2 na atmosfera.
Ora, Senhoras e Senhores deputados, o Código Florestal de 1965 não foi feito por ambientalistas. Foi elaborado por técnicos especialistas no tema, que viram, desde aquele momento, a importância da defesa dos recursos hídricos e da biodiversidade brasileira. Em ano eleitoral, o governo parece não estar disposto a enfrentar os interesses do agronegócio e da bancada ruralista. Mas alterar desta forma nossa legislação, num momento em que a ciência já mostrou as conseqüências da destruição da natureza para o nosso país e o todo planeta, é um retrocesso que não pode, em hipótese alguma, ser admitido.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL-SP
Câmara dos Deputados – 31/03/2010