Marcelo Badaró Mattos
Minha memória não é lá muito confiável, mas do que eu me lembro, foi na leitura de um texto de Valério Arcary, muito inspirado pela experiência do Bloco de Esquerda em Portugal, que primeiro percebi a proposta, e a importância, de uma Frente entre os partidos efetivamente comprometidos com a classe trabalhadora brasileira – PCB, PSTU e PSOL – para juntos se apresentarem ao pleito presidencial de 2006.
A proposta afinal vingou e, em 2006, nós do PSOL nos unimos ao PCB e ao PSTU para apresentar a candidatura de Heloísa Helena à presidência da república, além das candidaturas majoritárias nos estados e das proporcionais, em uma “coligação eleitoral” que recebeu o nome de Frente de Esquerda. O resultado eleitoral da Frente foi expresso pela votação de Heloísa Helena, com 6,5% dos votos válidos no país e na eleição de três deputados federais e alguns estaduais, todos filiado ao PSOL. Mas, nosso balanço daquele processo não pode se limitar aos resultados eleitorais.
Atenho-me aqui ao pleito presidencial para observar que a campanha foi muito criticada pelos partidos da Frente, incluindo aí diversos setores do PSOL, especialmente porque os discursos da candidata a presidente e de seu candidato a vice (César Benjamin) eram muito mais “moderados” que o programa aprovado entre os partidos que formaram a aliança. Concordo integralmente com a avaliação do Comitê Central do PCB, que em documento recente afirmou que, em 2006, fizemos “uma campanha presidencial sem programa, abrindo espaço para a então candidata da coligação expor suas opiniões pessoais que, em muitos casos, não correspondiam nem às do seu próprio partido”. (Porque o PCB vai apresentar candidatura própria nas eleições presidenciais de 2010, de 24/03/2010)
Porém, também foi avaliado que, apesar dos problemas da campanha, a construção da Frente foi um grande acerto político. Nas palavras de Eduardo Almeida, com as quais eu também tenho pleno acordo:
“É fundamental priorizar a importância política da Frente de Esquerda como uma alternativa aos dois blocos burgueses majoritários reunidos ao redor das candidaturas de Lula e Alckmin. Foi fundamental unificar a vanguarda que fez sua experiência com o governo Lula, para apresentar uma alternativa para os trabalhadores e a juventude. Este foi o resultado mais importante, que não existiria caso houvesse uma dispersão da esquerda em diversas candidaturas, sem possibilidade de apresentar uma alternativa forte.”(O acerto na construção da Frente de Esquerda, de 10/10/2006)
O que mudou de lá para cá? Em 2010, a falsa polarização entre Lula e Alckmin, ambos representantes do grande capital monopolista e associado instalado no Brasil, foi substituída pela análoga e também enganosa disputa polarizada entre Dilma e Serra. Lula está fora, é verdade, mas se em 2006 havia alguma espectativa de que a sequência de escândalos pudesse abalar seu prestígio eleitoral, em 2010 fica evidente que sua popularidade é ainda mais forte, com grandes possibilidades de eleger sua sucessora, por mais inexpressiva que seja. Após a fase mais aguda da crise de fins de 2008 e início de 2009, o resultado mais visível para os trabalhadores foi mais desemprego e maior pressão para a retirada dos direitos, mas – apesar de importantes focos de resistência – não assistimos a grandes jornadas de luta como reação a esse impacto. Ou seja, na combinação entre ofensiva do capital e popularidade do lulismo, o balanço só pode ser o de uma correlação de forças extremamente desfavorável para as forças organizadas da classe trabalhadora que ainda teimam em manter acesa a chama da luta e apresentar a alternativa socialista como única possível diante da barbárie do capitalismo contemporâneo.
Diante desse quadro, a importância da apresentação de uma candidatura unitária da esquerda socialista, que se esforce por desmascarar a falsa polarização entre as duas candidaturas do grande capital é tão grande ou maior que em 2006. É isso que esperam de nós a maioria dos militantes dos três partidos e muitos mais, fora desses partidos, mas lutando nos movimentos sociais que ainda não se adaptaram à ordem. Mas, isso não é fácil.
Principalmente, admito sem reservas, pela postura que até aqui teve o PSOL, que em seu segundo Congresso não foi capaz de definir uma candidatura presidencial, embrenhou-se em disputa interna (inicialmente polarizada entre a suicida proposta de apoio a Marina Silva e a candidatura própria e depois desdobrada na disputa entre três pré-candidatos) e adiou a definição até sábado passado (dia 10 de abril), postergando com isso qualquer possibilidade de acordo concreto com os dois outros partidos da desejada Frente.
No entanto, esse obstáculo já foi removido. O PSOL tem candidato a presidente – o camarada Plínio de Arruda Sampaio –, escolhido pelas bases do partido e, apesar de toda a disputa interna, reconhecido como tal por Babá, que explicitamente retirou a candidatura para apoiar Plínio na Convenção Eleitoral do Partido e por Martiniano Cavalcante e seus apoiadores, que apesar de não participarem da Convenção, retiraram sua candidatura e reconhecem Plínio como candidato do PSOL.
E o que representou a vitória interna de Plínio? Justamente a vitória da maioria do PSOL que apoiou a defesa feita pelo pré-candidato da importância da Frente de Esquerda e de uma campanha em que a necessária mediação com a realidade adversa da correlação de forças desfavorável aos socialistas não signifique um discurso e um programa eleitoral rebaixados. Um candidato que afirma, como a mídia gorda noticiou após a Convenção, que é “contra tudo isso que está aí” e que defende a necessidade de “transformar, de revolucionar” . Ou seja, de uma candidatura que represente a capacidade de empolgar não só os militantes dos partidos da esquerda socialista, mas também os lutadores dos movimentos mais combativos, além de apresentar potencial de diálogo com a classe em sua amplitude, difundindo nas eleições propostas políticas radicalmente distintas das defendidas por PT/PSDB, buscando efetivamente afirmar a possibilidade e a necessidade do socialismo.
É diante desse quadro que li a nota recente do PCB, que saúda o camarada Plínio, mas diz que se mantém as razões expressas no texto Porque o PCB vai apresentar candidatura própria nas eleições presidenciais de 2010, de 24/03/2010. E quais são elas? Fundamentalmente os problemas da campanha de 2006. Mas se a candidatura Plínio foi vitoriosa no interior do PSOL justamente a partir de um posicionamento crítico em relação à campanha de 2006, compromissada com um debate estratégico de programa e com uma clara defesa da Frente, por que ainda subsistem as razões para uma candidatura própria? Por que a direção do PCB, que em 2009, ainda antes do Congresso do PSOL, procurou Plínio para lançar sua candidatura presidencial através de uma proposta (de pronto avaliada como inviável) de uma legenda criada especialmente para as eleições, ou da própria legenda do PCB, apresentada como alternativa para a construção de uma Frente com maior ancoragem nos movimentos sociais, hoje mantém a posição de lançar candidato próprio?
Também li o artigo de Eduardo Almeida em que afirma que a candidatura própria do PSTU está mantida, apesar da escolha de Plínio, fundamentalmente porque o PSOL saiu dividido de sua disputa interna e não cabe ao PSTU papel de “árbitro” nesse processo construindo a Frente com um dos lados do PSOL. (Infelizmente não vai haver uma frente eleitoral classista e socialista, de 13/04/2010) De fato o PSOL não tem “dois lados” na disputa presidencial, pois todo o partido referendou publicamente a candidatura de Plínio, e ainda que suas divisões internas fossem maiores do que são, por certo não seria ao PSTU que nenhuma das correntes internas recorreria para o papel de “árbitro”. O que é estranho é que o PSTU não se furtou antes a apoiar uma candidatura no processo interno de debates do PSOL. Afinal, na abertura do 2o. Congresso, através da palavra de Zé Maria e em artigos publicados logo em seguida ao Congresso, como no de Eduardo Almeida (A crise do PSOL e a necessidade de uma frente socialista e classista, de 08/08/2009), o PSTU, em um de seus “chamados” ao PSOL, defendeu a candidatura de Heloísa Helena, argumentando com que não poderíamos desperdiçar seu “capital eleitoral”. Será que a direção do PSTU avalia que a Frente não pode ser construída com Plínio, porque lhe falta o tal “capital eleitoral” de Heloísa Helena?
O PSOL, demorou sim a se posicionar sobre as eleições presidenciais. Mas, aprovou democraticamente em suas instâncias uma candidatura presidencial que defende a necessidade da Frente de Esquerda ser reeditada. Após o fim de sua conferência eleitoral, está abrindo o processo de debate sobre o programa de campanha, que envolverá a militância, não apenas do partido – e esperamos que da Frente – mas também dos movimentos sociais. E o fez porque a maioria dos seus membros claramente percebeu que o processo eleitoral poderá ser importante, mas apenas se soubermos transformá-lo em um espaço capaz de produzir acúmulos na direção da alteração da correlação de forças desfavorável para a classe trabalhadora que vivemos. Queremos sim eleger parlamentares, indo além das bancadas atuais do PSOL e, esperamos, com representantes dos partidos aliados na Frente. Mas, esse é um objetivo complementar ao objetivo maior de recolocar a classe trabalhadora no centro do debate político nacional, com protagonismo de suas forças organizadas. A unidade dos socialistas é fundamental nessa direção e o processo de unificação dos setores sindicais e dos movimentos sociais vinculados à classe que culminará no Conclat de junho nos inspira a seguir nesse caminho.
A palavra agora está com as(os) camaradas do PCB e do PSTU. A fragmentação eleitoral das forças da esquerda socialista, já tão comprimidas na conjuntura, pode resultar em alguns segundos de propaganda eleitoral gratuita para cada partido, mas terá o efeito simbólico extremamente negativo para o conjunto da classe de reforçar o coro dominante de que os socialistas são realmente sectários e avessos à unidade, mesmo em momentos como esse, sendo por isso mesmo, incapazes de conduzir processos de mobilização mais amplos. Mesmo entre os militantes comprometidos com a luta pela transformação, que estão fora dos partidos, tal postura só reforçará o sentimento hoje tão comum de que a alternativa partidária não possui mais potencial estratégico. Sei que não é esse o nosso horizonte e confio na sensibilidade política daqueles que, nos partidos, lutam por impulsionar a luta socialista. Por isso mesmo acredito que as posições podem e devem mudar, para marcharmos juntos novamente numa frente eleitoral dos socialistas, não apenas como em 2006, mas num patamar superior de unidade programática e compromisso com os movimentos.
Marcelo Badaró Mattos é militante do PSOL.