Reproduzimos aqui um documento histórico, a carta do editor do jornal Versus, Marcos Faerman, publicada na edição de agosto de 1978 em que ele anuncia sua saída do jornal. Versus, fundado em 1975, foi uma das mais radicais manifestações da chamada imprensa alternativa. Marcou época, representou uma forte experiência de um jornalismo voltado à temática latino-americana. Em suas páginas surgiu via a seção AfroLatinoAmérica a abordagem do movimento negro, precursor do forte movimento da década de 80. Na carta, o autor revela suas discordâncias e luta com a corrente trotsquista Convergência Socialista, então em campanha pela fundação de um partido socialista dos trabalhadores. A Convergência, depois de uma fase de entrismo no PT, foi o grupo majoritário na fundação do atual PSTU. Nos embates travados na redação de Versus, levou a melhor a Convergência que se apropriou do jornal transformando-o em seu porta-voz e o extinguiu em meados de 1979. Veja o registro, no texto marcante de Marcos Faerman.
Versus nasceu há três anos.
Trazia uma proposta nova. Carregava uma perspectiva ampla.
Viveu, pelo esforço de jornalistas, intelectuais e leitores.
E afirmou-se como uma publicação respeitada.
Teimosamente, Versus defendeu o continente contra a opressão. Divulgou culturas desconhecidas. Publicou autores que o circuito editorial dos “best-sellers” e do academicismo universitário ignorava.
Rompeu com a linguagem do jornalismo de encomenda. Lutou contra o que era burocrático e estéril. Desde o primeiro momento, entendemos que a cultura rebelde passava pelas veias do povo. Índios, negros, trabalhadores, personagens ignorados pela cultura oficial, no Versus que fizemos eram protagonistas.
Naturalmente, os espíritos colonizados, que têm um olho em Paris e outro em Nova York, atacaram nosso trabalho. Isto fazia parte da luta. Não era risco. Era a gratificação.
E nessa luta também se incluía a pressão do oficialismo, o boicote dos anunciantes, os telefonemas suspeitos, as ameaças frontais, os interrogatórios de praxe. Tudo fazia parte do jogo.
E o cenário se transforma. Pela luta de tantos, pelas divisões do poder, a expectativa democrática se amplia. E é na busca de uma definição maior diante do drama do cotidiano, de uma nação sufocada, que chegamos a um “programa” há cerca de meio ano, no qual, além das lutas gerais democráticas, vislumbramos a necessidade de um partido socialista, democrático, legal, que unisse amplos setores do nosso povo.
Passaram-se meses. Nós entendemos que a luta pelo PS, através da chamada Convergência Socialista, chegou a um impasse. Por que a Convergência não conseguiu ficar à altura de sua proposição?
Por que outros setores não aceitaram liminarmente ( e nisto estavam errados) a proposta de construção de um PS?
Seja como for, o isolamento da Convergência é um dado concreto, que ninguém pode ignorar.
Mas,se a Convergência não consegue ser um pólo de união dos que anseiam por um partido popular, ela, por outro lado, começa a pesar cada vez mais dentro do Versus. A tal ponto que, não importa se de uma forma inconsciente, torna-se um fardo a ser carregado.
Lutamos dentro do Versus para impedir que a definição por uma posição implicasse em um empobrecimento editorial, na diluição de nossa linguagem, na politização grosseira das questões, no grupismo, na exclusão de outros setores.
Mas, apesar deste esforço, entendemos que a intervenção de Versus, principalmente na questão da construção do partido popular tornou-se repetitiva, monocórdia. Como se todo o impasse em que está a Convergência (seu isolamento) pudesse ser compensado pelas páginas do jornal. Está é uma auto-crítica diante de nossos amigos, de nossos leitores, dos companheiros jornalistas.
Ao mesmo tempo, entendemos que, quanto à intervenção cultural e à proposta de latino-americanismo combativo, Versus manteve muito de sua riqueza editorial. Embora os que falam a suspeita linguagem da “cultura militante” tenham tentado reduzir a proposta cultural da publicação ao tom cansativo de muitos textos políticos.
Enfim: quem pode duvidar, a não ser os “convergentes” mais dogmáticos, que a estreiteza das bases políticas, teóricas e culturais da Convergência deveria se tornar em uma camisa de força para uma publicação tão indagativa e de vanguarda como Versus?
Em nome de tudo isto – e para assinalar uma ruptura com a proposta da Convergência – decidimos não lutar dentro de Versus, mas trabalhar com outros companheiros intelectuais, jornalistas, dirigentes políticos, religiosos(todos os que estejam empenhados em lutar contra a opressão instituída) pela criação de uma nova publicação. Não acreditamos em donos da verdade. Nem em propostas amplas que se transformam em propostas estreitas. Não é por aí que passa, de verdade, a construção de um “amplo partido socialista”. Nem de uma pátria justa.
Estamos na luta pela criação de uma nova revista, que será lançada nos próximos três meses. E já temos apoio de muitos jornalistas e outros companheiros que acreditam neste projeto. Através da imprensa, manteremos todos os nossos amigos informados sobre os passos que estamos dando. Entendemos que estamos agindo assim de uma forma inteiramente coerente com o espírito deste jornal chamado Versus, para o qual dedicamos tanto de nossos esforços. E do qual, hoje, decididamente, DIVERGIMOS.
São Paulo, 13 de agosto de 1978
Marcos Faerman, diretor responsável e editor chefe, Mario Augusto Jacobskind, chefe da sucursal Rio, Vitor Vieira, editor assistente, Cecília Thompson, colaboradora, Claudio Willer, sub-editor, Isabel Rodriguez, colaboradora, Reinaldo Cabral, sucursal Rio, Evaldo Dinis – sucursal Rio.