Por Leonardo Sakamoto
Estive ontem na reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aqui em Brasília, que aliás completou 46 anos de existência. No encontro, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, informou que mais pontos devem sofrer alterações no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, divulgado em dezembro do ano passado e que recebeu um bombardeio de setores da sociedade insatisfeitos com propostas ali presentes.
Primeiro, já havia sido anunciada a mudança relativa à criação da comissão que pretende abrir a caixa preta dos crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Por pressão, é claro, do Ministério da Defesa e dos verde-oliva, que queriam que os dois lados pudessem ser alvo de escrutínio e não apenas o dos torturadores.
Depois, no dia 27 de janeiro, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o ministro informou que haveria mudanças também na proposta relativa ao aborto. No programa, ele está relacionado ao direito (inalienável, justo, pleno) da mulher ao seu próprio corpo e não apenas à questão de saúde pública (hoje, mulheres pobres morrem ao fazer aborto com agulhas de tricô e caixas de Citotec, mulheres ricas usam clínicas de R$ 4 mil…), como já defendeu o governo federal.
Ontem, o ministro anunciou que também deve haver mudanças na proposta que trata da exigência de audiência com os envolvidos em uma ocupação de terras antes que reintegrações de posse sejam autorizadas pela Justiça.
Provavelmente, no curso das audiências a serem realizadas no Congresso Nacional outros pontos devem ser abordados e podem sofrer alteração. Vannuchi lembrou ontem sobre a pressão de setores da igreja pela mudança na proposta que retira símbolos religiosos de edifícios públicos. Mas minha fé é grande e acredito que, no final, o Lobby da Cruz não vai prevalecer sobre a tese do Estado laico. Até porque isso não depende de programa, é um movimento que já ocorre em todo o país, com promotores, procuradores, juízes, políticos do Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro agindo para limar os espaços públicos de elementos que possam configurar respaldo a um grupo específico.
Os pontos que geraram a chiadeira dos representantes de veículos de comunicação, que reclamaram de uma suposta tentativa de censura àqueles que veicularem material contra os direitos humanos, não devem mudar. Bem como outros ditos polêmicos (é incrível como garantir direitos no Brasil ainda é uma polêmica…) e a maioria das mais de 500 propostas.
O ministro disse que o programa é um grupo de propostas e que está sujeito a falhas e passível de correções – além de ser um documento feito por milhares representando outros milhões, exatamente para ser discutido com toda a sociedade. Não vejo problemas em refinar o conteúdo, mas devemos manter o foco para não transformar um grupo de propostas (que já não são suficientemente ousadas pensando na carência de dignidade que reina por aqui) em um livreto de tanto-faz.
Uma amiga jornalista, de um grande veículo, reclamou que muitos dos colegas que eram críticos ao programa faziam a reclamação pelo lado errado. Pois o problema não é o que está lá e pode sair do papel e sim o fato de sabermos que muito do que está lá nunca sairá do papel. O que seria extremamente necessário, uma vez que nossa idiotice e selvageria não tem limites.
Fonte: Blog do Sakamoto