Por Edu Amaral
Sexta-feira, dia 5 de março de 2010. Professores reunidos em frente à Secretaria de Educação do Estado de SP, na Praça da República, decidem por deflagrar greve por tempo indeterminado.
Antecedentes — A greve já era anunciada desde o final do ano passado; contudo, a ameaça não chegou a sensibilizar o governo. A querela é a mesma desde a última greve, em junho de 2008, quando o governo quis implementar por decreto o sistema de seleção para professores temporários, que seriam a partir de então submetidos a uma prova para que pudessem lecionar. O sindicato insistia que era o tempo de serviço que deveria prevalecer na classificação para a atribuição de aulas. Dado o impasse, a greve se estendeu por 21 dias, e a questão se arrastou para negociação com a mediação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SP). Chegou-se a um “meio-termo”: o critério para a classificação dos professores temporários para a atribuição de aulas consideraria igualmente a classificação na prova, que deixava assim de ser eliminatória, e o tempo de serviço.
As provas para os professores temporários, elaborada pela própria Secretaria através da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) realizaram-se em dezembro daquele ano. Contudo, o processo foi tumultuado, com denúncias de todo tipo de irregularidades que comprometiam a sua idoneidade. A Apeoesp recorreu a Justiça e conseguiu suspender a prova, que não mais poderia ser considerada na classificação dos professores. Com a decisão da Justiça, houve atraso no processo de atribuição de aulas e no início do ano letivo de 2009.
A história se repete, entre farsa e a tragédia — Nas escolas, o ano de 2009 transcorreu em aparente tranquilidade — sobretudo para o governo. Traduzindo e explicitando: não houve grandes mobilizações dos professores que impedissem-no de fazer aprovar em julho na Assembleia Legislativa o mesmo projeto repudiado no ano anterior. A Lei 1.093/09, então aprovada, dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo determinado instituindo o processo seletivo simplificado e eliminatório, tal e qual determinava o decreto anterior: todos os professores candidatos à admissão ficam obrigados a realizar a prova e obter a nota mínima fixada pela Secretaria da Educação.
Em dezembro, portanto, novas provas, agora sob a responsabilidade da experiente Fundação Vunesp, para evitar assim o tumulto e improviso da prova anterior. Todavia, a bibliografia apresentada era demasiadamente extensa para o prazo estipulado entre a sua divulgação e a aplicação das provas.
O governo vende a ideia de que através destas provas estaria promovendo mais qualidade à educação, com “professores melhores”; a imprensa repercute que a má qualidade da educação se deve a professores incompetentes e aplaude a iniciativa do governo. O que os jornais não discutem, por suposta falta de interesse jornalístico, é que as provas foram absolutamente descalibradas, isto é, foram elaboradas não para melhor classificar os professores mais competentes, mas para de fato excluir e demitir os professores mais antigos (e mais custosos na folha de pagamento). A prova constou de 80 questões para um tempo de 4 horas (isto é, 3 minutos por questão), tempo exíguo demais para uma prova em que exigiu-se dos candidatos a leitura de textos relativamente longos em várias das questões. Nestas circunstâncias, quase a metade dos inscritos não obteve a pontuação fixada pela Secretaria e, consequentemente, eles não poderiam concorrer ao processo de atribuição de aulas.
Professores temporários com anos de dedicação ao magistério encontraram-se nessa situação de descarte e, logo em janeiro deste ano, fizeram uma primeira manifestação em frente à Secretaria, que fossem igualmente considerados para efeito de classificação no processo de atribuição de aulas também os anos já trabalhados no magistério. O governo fez que sim, até porque o número de candidatos aprovados foi insuficiente para iniciar o ano letivo, o que fez com que o governo recuasse de seu posicionamento inicial, sobre o caráter eliminatório da prova, aceitando que o resultado fosse apenas classificatório.
O acordo dava a entender que a reivindicação do sindicato foi atendida. Engano. Quando o governo publicou a classificação dos professores, apenas considerou os que foram aprovados no processo seletivo: portanto, estes tiveram prioridade na atribuição de aulas. Num segundo momento é que liberou outra lista, com os demais professores. De fato, os dois critérios não tiveram assim o mesmo peso para a classificação. Isso gerou muito descontentamento entre os professores, sobretudo àqueles que já dedicavam anos no magistério e que, por terem uma pontuação reduzida na prova, foram empurrados para o fim da fila no processo de atribuição de aulas.
Ocorre que, entre os professores classificados na primeira lista com prioridade para admissão, havia muitos candidatos não-habilitados: os ainda estudantes, os bacharéis e os tecnólogos, sem licenciatura (curso de formação de professor). Isso claramente contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), segundo a qual estes candidatos só poderiam assumir aulas quando esgotada a atribuição aos professores licenciados. A Apeoesp, novamente, acionou a Justiça e conseguiu uma liminar favorável, para reverter a classificação publicada. No entanto, o processo de atribuição de aulas aos professores temporários já estava em curso. Por força da liminar, seria necessário suspender todo o processo e reiniciar tudo, desde o começo. O governo ignorou a decisão, alegando que isso atrasaria o início do ano letivo e, com base neste argumento, conseguiu reverter a liminar às vésperas do carnaval, sem exame do mérito da questão. E assim iniciamos o ano letivo.
Edu Amaral é professor de filosofia da rede pública estadual de São Paulo.
Fonte: Blog Crônicas de Escola