Por Marcelo Buzetto
Em primeiro lugar gostaria de, em nome do povo brasileiro, de me solidarizar com o povo do Haiti, que sofre mais uma vez devido a um terremoto que matou mais de 100 mil pessoas. Nos envergonha e causa indignação aos movimentos sociais do Brasil a ocupação militar daquele país, comandada pelas tropas do exército brasileiro. Desde 2004 o exército brasileiro e de outros países, sob a bandeira da ONU, estão no Haiti, e não construíram um único hospital, uma única escola, não distribuíram um único hectare de terra para o povo plantar e comer, não elaboraram um plano de emergência para situações de catástrofe, mesmo sabendo que o país sempre viveu situações de risco. Consideramos um erro do governo brasileiro manter tropas no Haiti, por isso continuaremos lutando pela retirada imediata das tropas do Haiti. Ajuda humanitária sim, como fazem Cuba e Venezuela, soldados para reprimir o povo, não!
1. O que é uma revolução?
Para identificarmos de qual sujeito histórico estamos falando, creio que é importante definir o que queremos, onde queremos chegar, o que pretendemos fazer, o que queremos transformar, com que intensidade será essa transformação, etc.
Penso que os movimentos sociais de que falamos são aquelas organizações que representam a classe trabalhadora e as massas populares, ou seja, os pobres do campo e da cidade. Se queremos transformar, de fato, a realidade econômica, social, política e cultural em que vivemos, só existe um caminho, que é construir nas lutas cotidianas as condições mais favoráveis para desencadearmos uma verdadeira revolução social, que seja a expressão real das necessidades e desejos da classe trabalhadora, dos setores mais explorados e oprimidos da sociedade.
Uma revolução acontece quando a classe oprimida toma em suas mãos os meios de produção, quando o poder econômico e político passa de uma classe para a outra através de um amplo e intenso processo de mobilização popular e social, onde os mais pobres adquirem um certo nível de consciência política , de organização e de mobilização que faz com que a classe dominante não tenha mais condições de manter seus privilégios e de continuar explorando o povo. A esse processo radical de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais chamamos de revolução.
2. Por quê lutamos por uma revolução social?
Porque queremos construir uma nova sociedade, verdadeiramente justa, democrática e humana. Uma sociedade onde a garantia de uma vida digna para todos e todas seja o principal objetivo da economia e do processo de produção, onde as relações sociais não sejam baseadas na exploração da maioria por uma minoria rica que concentra em suas mãos o poder econômico e político. Uma revolução social é uma necessidade objetiva para melhorar as condições de vida e de trabalho daquelas pessoas que no mundo atual são obrigadas a vender sua força no trabalho para os ricos/empresá rios em troca de um salário de fome.
3. Que tipo de revolução temos que fazer para atender as necessidades da maioria do povo?
Se vivemos no modo de produção capitalista, e reconhecemos nesse sistema a causa fundamental de toda a desigualdade econômica e social existente, então, uma revolução social verdadeira, autêntica, terá um caráter e um conteúdo profundamente antiimperialista e anticapitalista. Terá que ser uma revolução que vá criando condições cada vez mais favoráveis para uma transição para além do capitalismo, uma revolução que seja um processo de mobilização social e popular onde a classe trabalhadora vai, através de suas lutas concretas, se apropriando dos meios de produção e construindo assim as novas relações econômicas da nova sociedade que vai sendo construída coletivamente pela força organizativa dos pobres do campo e da cidade, da classe operária, dos camponeses, dos povos originários/indí genas, etc… Terá que ser uma revolução contra o capital e contra o capitalismo, e em defesa do socialismo.
4. Já houve uma revolução assim na América Latina?
Para nós do MST, a única revolução social anticapitalista vitoriosa na América Latina, até o momento, tem sido a Revolução Cubana de 1959. Existiram e existem ainda hoje tentativas revolucionárias, movimentos revolucionários, momentos de intensa mobilização popular, mas tudo isso não significa vitória de uma revolução social anticapitalista.
5. Para ocorrer uma revolução anticapitalista, qual é o sujeito histórico fundamental?
Para nós o sujeito histórico fundamental num processo de transformação social anticapitalista segue sendo, como já afirmaram Karl Marx, Frederich Engels e Vladimir Lênin, o proletariado, o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados, assalariados permanentes, assalariados temporários, trabalhadores e trabalhadoras empregados, subempregados, desempregados, ou seja, os despossuídos dos meios de produção, os que só possuem, para vender no mercado, sua força de trabalho. Também podemos chamar de classe trabalhadora. Por quê afirmamos isto? Porque o proletariado é um sujeito histórico universal, que existe e resiste em todos os países do mundo, do centro, da semi-periferia e da periferia do sistema capitalista internacional. É o sujeito histórico que segue, inclusive, crescendo do ponto de vista numérico em muitos países do mundo. É, sem dúvida nenhuma, a maior parte da população mundial. Veja o caso da China, do Leste Europeu, das ex-repúblicas soviéticas, de países africanos e latino-americanos, onde o processo de proletarização/ assalariamento das massas camponesas e indígenas/originá rias continua ocorrendo, e com grande intensidade e velocidade durante os anos noventa do século XX e início do século XXI. Na China dos últimos trinta anos, com sua população de 1bilhão e 315 milhões de habitantes, vive-se um processo de formação da classe operária industrial/urbana.
E @s desempregad@ s também são proletári@s? Sim, pois estar desempregad@ não significa deixar de ser despossuído ou perder sua condição de vendedor da força de trabalho. Ser desempregado é fazer parte daquilo que Marx chamou de “exército industrial de reserva” e que Engels chamou, em seu livro A situação da classe operária na Inglaterra, de “exército de trabalhadores desempregados” .
6. O proletariado e o desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo
Como o processo de desenvolvimento do capitalismo pelo mundo é profundamente desigual e contraditório, este sistema se objetiva com uma intensidade e com uma velocidade diferentes em cada país, em cada região dentro de um país, em cada momento histórico, etc.
Sendo assim, também o proletariado/ a classe trabalhadora sofre transformações, pois seu desenvolvimento em nível internacional também é desigual.
Portanto, no interior do proletariado existem muitas diferenças. Nem tod@ proletári@ vive nas mesmas condições de trabalho e/ou exploração. Existem trabalhadores e trabalhadoras com diferentes padrões salariais, com mais ou menos direitos trabalhistas assegurados, com maior ou menor nível de organização sindical e no local de trabalho, ou seja, todas as diferenças e contradições possíveis e imagináveis se desenvolvem no dia-a-dia da classe trabalhadora mundial. A situação concreta de cada proletári@ é distinta, muda de região para região, de uma categoria profissional para outra, de um setor da economia para outro, de um país para outro.
Na África do Sul, por exemplo, o proletariado organizado pela COSATU (Central sindical sul-africana) sempre lutou contra o raci
smo e contra o capitalismo, pois o racismo do regime capitalista do Apartheid criou uma situação concreta que obrigou os sindicatos a incorporar a luta contra o racismo como um dos elementos fundamentais da luta de classes entre proletariado e burguesia.
Já no Peru, na Bolívia, no Equador, na Guatemala e outros países, o proletariado é indígena, e isto já nos alertava Juan Carlos Mariátegui em seu livro “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, um marxista e revolucionário peruano, nos anos 20 do século passado.
7. Toda a base social de uma revolução anticapitalista é proletária?
Quando afirmamos que a força social e política principal, fundamental e determinante para a vitória de uma revolução anticapitalista é o proletariado, não estamos menosprezando ou ignorando outras forças e/ou setores sociais existentes numa sociedade de classes.
Por exemplo, temos no Brasil – e creio que também em outros países, como Equador – uma categoria social chamada por Lênin de semi-proletariado/ semi-assalariado s. No Brasil quem já escreveu sobre isso foi Claus Germer, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e intelectual marxista que contribui com vários movimentos de trabalhadores do campo e da cidade. Além de proletári@s, @s semi-proletári@ s também são parte da base social do MST, e participam ativamente da luta pela terra e pela reforma agrária. São famílias que possuem pouca terra, um pedaço muito pequeno de terra, não possuem nem equipamentos agrícolas nem mesmo tração animal, vivem numa situação tão precária que não conseguem produzir nem mesmo sua sobrevivência com o trabalho na terra. Portanto, possuem pouca terra e não possuem as condições necessárias para a produção de uma vida digna, nem mesmo para sua subsistência. Então o que fazem? São obrigados a vender a única coisa que possuem: sua força de trabalho. Não fazem isto por que gostam, por que querem, mas pela necessidade de garantir comida e outros produtos básicos para sua sobrevivência. Geralmente trabalham para os latifundiários e/ou empresas em condições intensas de exploração. Trabalham muito e ganham pouco. Muitas vezes só tem trabalho durante poucos meses, numa determinada época, não é um trabalho permanente. Trabalham sem receber os direitos trabalhistas assegurados pelas leis brasileiras.
Essas famílias não são puros assalariados, mas não são burgueses. São semi-proletários/ semi-assalariado s. São os mais pobres entre aqueles que tem um pedaço de terra. Eles também são/devem ser parte da base social a ser mobilizada e organizada para um processo de luta econômica, social e política anticapitalista.
8. E os camponeses?
Essa é uma categoria social que também se desenvolveu de maneira desigual e contraditória durante a expansão nacional e mundial do capital e do capitalismo.
Agora, neste encontro de movimentos sociais, temos que saber precisar de que camponeses estamos falando. O nome camponês, por diversos motivos, se popularizou entre nós, mas é um conceito que merece uma análise bastante profunda e crítica, pois muitas vezes falamos de luta camponesa sem estudar muito o desenvolvimento do capitalismo no campo e o papel que a agricultura teve – e tem – nesse processo. Marx deu uma contribuição fundamental para entendermos a relação entre capitalismo e agricultura no livro “O Capital”, em seu capítulo XXIV (Livro I, Tomo I), conhecido como “A chamada acumulação primitiva de capital”. E Karl Kautsky, seguindo os passos de Marx, em seu livro “A questão agrária”. Temos que estudar profundamente o processo e expansão do capital e do capitalismo em nossos países para, a partir da realidade concreta de cada situação, identificarmos quais são as classes e qual é a estrutura de classes que se desenvolve e se consolida no chamado meio rural.
Voltando à questão central para nós, membros de movimentos sociais latino-americanos: de que camponeses estamos falando?
Daquelas famílias que tem pouca terra e vendem sua força de trabalho?
Daquelas famílias que são pequenos e/ou médios produtores agrícolas que existem e resistem, mas de maneira submissa/subordinad a aos interesses do grande capital nacional e transnacional, produzindo para atender as necessidades dos grandes complexos agroindustriais capitalistas?
Em seus livros “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” e “O programa agrário da social-democracia russa”, e num pequeno texto chamado “Aos pobres do campo”, Lênin nos alerta para a existência de camponeses ricos, camponeses médios e camponeses pobres.
Portanto, creio que os camponeses pobres são aqueles que mais podem se aproximar e/ou identificar com um programa de transformações sociais e econômicas elaborado por forças populares e proletárias.
9. E os setores médios? E a chamada classe média?
É verdade que esses setores podem se juntar aos mais pobres do campo e da cidade e à classe trabalhadora para lutar por conquistas democráticas, por mais soberania nacional, por reforma agrária e por algumas reformas sociais importantes e necessárias, mas quando falamos em revolução social, revolução socialista muitos desses setores se afastam ou fazem a crítica às posições dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras. A maioria das pessoas da chamada classe média tem uma tendência a lutar para defender seus interesses corporativos/ particulares, e sua posição política é muitas vezes indefinida e/ou vacilante, profundamente influenciada pela correlação de forças no interior da sociedade e da luta de classes. Se existe uma situação de ofensiva e de predomínio da hegemonia política da classe dominante, da grande burguesia, do grande capital nacional e transnacional, esses setores, em sua maioria, tendem a se aliar com esta classe dominante para atacar o proletariado e as massas populares. Mas se as forças proletárias e populares conseguem mudar a correlação de forças e partir para uma ofensiva, conquistando um governo democrático, popular e/ou antimperialista, a posição desses setores também pode mudar. Creio que aqui no Equador muitos setores médios se aproximaram, de alguma maneira, dos movimentos sociais. Creio que as lutas sociais dos últimos anos criaram uma nova correlação de forças que favoreceu essa aproximação. Mas é sempre bom lembrar: a classe trabalhadora não pode ser refém nem estar subordinada à direção política dos setores médios, mesmo que tenham, num determinado momento, posições consideradas progressistas. A classe trabalhadora tem que participar de maneira independente, autônoma, na luta de classes.
Agora vale recordar um ensinamento das revoluções dos séculos XIX e XX: uma coisa é a situação de classe, outra coisa é a posição de classe. A situação de classe é a situação em que se encontra o indivíduo em relação ao processo de produção na sociedade capitalista. E aí você pode ser membro da classe trabalhadora e das massas populares ou pode ser membro da classe dominante. Já a posição de classe é a posição política assumida pelo indivíduo no cotidiano da luta de classes, e aí é preciso observar que podem surgir as mais diversas situações. Por exemplo: nem todo operário é revolucionário, nem todo operário é contra-revolucioná rio. Existem operários que participam de movimentos revolucinários, operários que participam de movimentos contra-revolucioná rios (como a tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez ) e operários que não tem um vínculo orgânico com movimentos de esquerda ou de direita. Também existem membros de povos originários/indí genas revolucionários e contra-revolucioná rios (como muitos índios Miski
tos durante a Revolução Sandinista na Nicarágua ou como o Movimiento Nación Camba de Liberación , braço da extrema-direita golpista-fascista na Bolívia, que usa a causa indígena para pregar o separatismo e a derrubada do governo de Evo Morales). Ser operário, camponês, indígena, classe média/pequeno burguês, burguês não significa necessariamente ser de esquerda, centro ou direita. E precisamos compreender essas contradições presentes no processo de construção da nova sociedade. Marx, Engels, Lênin, Mariátegui, Fidel Castro e Che não vieram de uma família operária, de uma família indígena, de uma família camponesa pobre, mas sua posição política na luta de classes foi em defesa dos operários, camponeses pobres e indígenas.
10. Então qual é a aliança estratégica para fazer vitoriosa uma revolução social anticapitalista?
Essa unidade proletária-popular é fundamental na construção de uma frente de movimentos e organizações para fazer avançar a luta pela construção da nova sociedade. O revolucionário nicaragüense Augusto César Sandino, quando construía o Exército de Defesa da Soberania da Nicarágua, afirmava que a organização pretendia ser “um exército proletário-camponê s”. Creio que hoje, quando falamos em unidade proletária-popular, falamos da unidade entre a classe trabalhadora e as massas populares urbanas e rurais, entre operári@s, camponeses pobres, afrodescentes pobres (afroecuatorianos, afrobrasileiros, etc…) e povos originários/indí genas, que juntos podem se transformar numa força social e política de massas anticapitalista.
A construção dessa frente de movimentos e organizações proletárias, camponesas, indígenas, populares seria já um sinal de elevação do nível de consciência política da base, dos militantes e dos dirigentes, pois essa unidade na diversidade é o elemento decisivo para impor várias derrotas à classe dominante.
A construção dessa vanguarda proletária-popular, compartilhada entre várias organizações e movimentos seria um passo adiante na compreensão de que nenhum movimento, nenhuma categoria de trabalhadores isolada, nenhuma organização, por mais combativa que seja, tem condições de, sozinha, impor uma derrota importante/decisiva às forças do capital/capitalismo . Nenhuma categoria de trabalhadores pode substituir a força da classe trabalhadora em movimento. Nenhuma organização isolada pode substituir a força social e política de massas que representa uma frente de organizações proletárias, populares e antiimperialistas/ anticapitalistas .
10. Existem revoluções anticapitalistas vitoriosas no Equador, na Bolívia e na Venezuela?
Muito resumidamente podemos dizer que existem três momentos distintos do processo de mobilização popular da classe trabalhadora:
A) Ofensiva dos movimentos de massa classistas: quando diversos setores da classe trabalhadora avançam conjuntamente, se organizam, se reorganizam, obtém conquistas parciais, retomam sua capacidade de mobilização e organização e conseguem obrigar a classe dominante a recuar e a se posicionar de maneira defensiva na luta de classes. Me parece que o Equador está nessa situação hoje;
B) situação pré-revolucioná ria: quando as forças proletárias e populares já acumularam força, forjaram na luta novos militantes e quadros, e suas organizações já conseguem impor importantes derrotas contra a burguesia, onde já se percebe um avanço na elevação do nível de consciência política das massas, do nível de mobilização e organização da classe trabalhadora, mas tudo isso, apesar de representar um passo à frente na luta concreta, ainda não foi capaz de produzir uma força social e política de massas com condição de impor a vitória da revolução social. A tendência, numa situação como esta, é o acirramento das contradições e dos conflitos, acirramento da luta de classes e da luta entre as forças da revolução e da contra-revoluçã o, período em que são criadas condições mais favoráveis para desencadear uma transição de caráter anti-capitalista. É um momento que tende a não durar por muito tempo, principalmente nas condições objetivas da atualidade, é um momento decisivo, de avanço/vitória ou recuo/derrota do projeto revolucionário. O período do governo de Salvador Allende, no Chile, entre 1971/1973, é um exemplo dessa situação. A contra-revoluçã o preventiva (golpe civil-militar de 11/09/73) interrompeu o desenvolvimento dessa situação revolucionária;
C) uma situação revolucionária: quando se cria, de fato, uma excepcionalidade histórica, um momento que é resultado de sucessivas e decisivas derrotas impostas pela classe trabalhadora à classe dominante, onde a expropriação dos expropriadores já é uma realidade e tem início o processo de socialização dos meios de produção, onde todas as reformas vão sendo implementadas de maneira revolucionária, ou seja, sob o controle direto do proletariado e das massas populares do campo e da cidade, onde a tomada do poder político pelos trabalhadores e trabalhadoras já é uma realidade concreta. É o momento de triunfo do processo revolucionário, de vitória da revolução, como ocorreu na Rússia em 1917, na China em 1949, em Cuba em 1959.
Nos casos da Venezuela e Bolívia, me parece que vivem num momento de tensão e transição entre o período de nova ofensiva dos movimentos sociais, com governos democrático-populare s e antiimperialistas, e a situação pré-revolucioná ria. Essa transição é complexa, tensa, cheia de possibilidades, de problemas e de contradições. Difícil prever com muita exatidão a intensidade desses dois processos, pois a cada dia surgem novos fatos, novos conflitos, uma vitória da esquerda hoje, uma vitória da direita no dia seguinte. Então são momentos decisivos, mas de difícil precisão do ponto de vista teórico, pois uma afirmação hoje pode ser desmentida pela realidade amanhã. É uma situação onde, como disseram Marx e Engels, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Às vezes observamos esses processos e pensamos “agora sim o processo revolucionário vai se aprofundar, vai avançar, será vitorioso” (e é esse nosso desejo, lutamos por isso), mas logo depois somos surpreendidos por alguns acontecimentos e pensamos “tudo o que foi conquistado até agora pode desaparecer, pois a direita ainda existe, resiste, tem força e está partindo para uma nova ofensiva contra-revolucioná ria em todo o continente” (vejam o golpe em Honduras, as bases dos EUA na Colômbia, a vitória da direita no Chile) ou dizemos como Fidel Castro, “o imperialismo e as forças conservadoras não podem destruir nossa revolução, mas nós podemos”, uma frase muito apropriada quando observamos o oportunismo, a burocracia e a corrupção, que vão corroendo/destruind o por dentro os processos de transformação em curso na Venezuela e Bolívia. E foi percebendo esta grave e real ameaça que Chávez, Evo e os verdadeiros revolucionários desses países decidiram intensificar a batalha cotidiana contra esses desvios que podem sim ser um elemento fundamental para enfraquecer e derrotar as mudanças que estão em curso.
11. A importância da teoria revolucionária: Marx e os marxismos
Para nós do MST é fundamentar estudar o marxismo, os conceitos fundamentais do materialismo histórico-dialé tico. Hoje é moda mesmo no interior da esquerda a crítica às idéias de Marx e dos marxistas. É verdade que o mais correto é falar de marxismos. Mas os mais críticos do marxismo hoje são aqueles que nunca estudaram profundamente os textos de Marx, Engels, Lênin e outros tantos intelectuais revolucionários. Ou nunca leram, ou nunca entenderam.
Combinar os conceitos fundamentais do marxismo com a realidade concreta de cada país, de cada situação concreta, é isso
que devemos fazer. Agora, se não temos capacidade de fazer isso, por nossa incompetência, por nossa preguiça intelectual ou pela influência nefasta das idéias pequeno-burguesas no interior de nossas organizações e de nossas lutas, então a culpa é de Marx e Engels? É do marxismo?
Reafirmamos, muitas vezes ainda repetimos, nos movimentos sociais, idéias e conceitos pequeno-burgueses, que nos empurram para uma armadilha chamada “ecletismo”, também chamado por intelectuais pequeno-burgueses de “pluralismo de idéias”. Querem nos seduzir com concepções de mundo supostamente mais “democráticas”, onde temos que nos utilizar de diversos referênciais teóricos para termos uma “visão mais ampla” da realidade. Essa suposta “democracia teórica” esconde um pensamento profundamente autoritário, que quer impor a ditadura do pensamento único (pensamento burguês ou, mais precisamente, pequeno-burguê s), querendo obrigar a nós, trabalhadores e trabalhadoras, a não acreditar mais em luta de classes e revolução social, alimentando ilusões que criam muita confusão teórica e desorientação estratégica, nos empurrando para priorizar as lutas corporativas/ específicas de cada movimento e nos afastando das lutas mais gerais de nossa classe, ou seja, da luta contra o capital e o capitalismo.
Também é comum ouvir que o marxismo é uma teoria européia. Nada mais equivocado do que essa afirmação. Se o marxismo nasce na Europa, ele também, assim como o capital, se expande por todo o mundo, e é uma teoria que é resultado das ações concretas da classe trabalhadora em todo o mundo.
A Revolução Russa ocorreu no Oriente, e a maior parte do território da URSS (criada entre 1917/1922) estava na Ásia, e não na Europa, ou seja, a primeira revolução anticapitalista vitoriosa, influenciada pelas idéias marxistas, não ocorreu na Alemanha ou na Inglaterra. Muitos revolucionários bolcheviques eram asiáticos e não europeus. E a Revolução Chinesa? Mao Tsé Tung e Chu En Lai eram europeus? E as Revoluções Africanas e os líderes marxistas desse continente? Amílcar Cabral, em Cabo Verde e Guiné Bissau, Agostinho Neto em Angola, Samora Machel em Moçambique, Thomas Sanhara em Burquina Fasso, Julius Neyrere na Tanzânia. E Ho Chi Min e Giap, no Vietnã? E Mariátegui no Peru, Farabundo Martí em El Salvador, Fidel e Che em Cuba, Carlos Fonseca na Nicarágua, Caio Prado Júnior e Carlos Mariguella no Brasil?
De uma coisa temos certeza, precisamos estudar mais, para que o conhecimento seja, de fato, um instrumento da luta pela transformação da realidade.
Chega de imprecisão, chega de falarmos sobre fatos que não dominamos profundamente. Temos que reconhecer nossos limites e debilidades teóricas, e a partir disso, redobrar os esforços e melhorar nossa organização e nosso planejamento de estudos, para que possamos deixar de reproduzir mecanicamente determinados conceitos, para que deixemos de reproduzir uma “caricatura” do marxismo, e nos desafiemos todos e todas a compreender melhor a intensidade e a força do materialismo histórico-dialé tico, e assim poderemos prestar uma das melhores homenagens a figuras como Marx, Engels, Lênin, Ho Chi Min, Che Guevara, etc. E pensamos que a melhor forma de homenagear esses revolucionários é estudar e compreender aquilo que escreveram e fizeram, estudar seus textos e a história das revoluções que participaram, tirando lições do passado para intervir no presente, e assim construir, no dia-a-dia, o futuro que tanto sonhamos.
Exposição no Io. Encuentro Nacional de Movimientos y Organizaciones Sociales, 14 y 15/01/2010 – Baños-Equador, organizado pela Secretaria de Pueblos, Movimientos Sociales y Participación Ciudadana – Gobierno de Ecuador.
Marcelo Buzetto é membro do Coletivo de Relações Internacionais e da Direção Estadual/SP do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (Brasil).