No crepúsculo do ano passado, o governo Lula conseguiu aprovar no Senado Federal o PLS-611/2007 (antigo PLP-001/2007), que restringe os recursos orçamentários para despesas com pessoal e estabelece novos limites de gastos com o funcionalismo na Lei de Responsabilidade Fiscal. Leia-se: limitação de verbas para reajuste no salário do funcionalismo (congelamento salarial), redução de novas contratações para o quadro de pessoal (concursos públicos) e em investimentos na máquina administrativa.
A limitação corresponde a um gasto máximo com pessoal, não superior a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) somado a 2,5%, ou ao percentual de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o que for menor. Se aprovado, o PLS 611/07, agora como PLP-549/2010, impedirá qualquer reajuste, já que os limites propostos no projeto são inferiores ao crescimento vegetativo das folhas, com progressões, reposição de servidores que se aposentam e outras despesas. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados e, se aprovado, vai para sanção presidencial. Caso rejeitado ou alterado volta para o Senado para nova apreciação.
No Brasil, os governos, a imprensa e a classe dominante – empresários, banqueiros e latifundiários – costumam responsabilizar os servidores públicos pelos problemas econômicos do país e, invariavelmente, atribuem-lhes a culpa pelo déficit nas contas publicas e no sistema previdenciário. No entanto, seja em relação ao número de trabalhadores desse setor em comparação ao total da população, e mesmo na média salarial, se relacionada aos países desenvolvidos da Europa e América do Norte – como nos mostram as tabelas e gráficos abaixo – é possível observar, com toda a clareza, que essa ladainha não passa de propaganda enganosa para desmoralizar o funcionalismo público diante da população. O objetivo, é claro, levar a cabo medidas que congelam seus salários e reduzem seu efetivo, a partir de medidas ditas de “austeridade”.
Brasil tem menos servidores públicos que a Média Internacional
O IPEA tem feito estudos a fim de montar uma radiografia do Emprego Público no Brasil. Comparando-se os resultados disponíveis até agora com o resto dos países do mundo, desenvolvidos ou não, os resultados são esclarecedores e surpreendentes.
O gasto público nos países organizados absorve uma quantidade de recursos nunca menor do que cerca de 45% do Produto Interno Bruto e, em muitos países, esse percentual é bem superior a 50% do PIB. No Brasil, o setor público, incluído a União, os Estados e os Municípios, absorve cerca de 20% a 25% do PIB. Quando nos referimos aos gastos de pessoal, os números são ainda mais conclusivos, como podemos observar na tabela que segue. Ainda que os números sejam do final da década 90, por falta de um estudo comparativo mais atualizado, o fato relevante é a espantosa discrepância verificada entre os gastos com pessoal no Brasil e vários países do mundo.
Despesa com Pessoal como percentagem do PIB nominal
Final década de 90
País %
Austrália 11,5
Canadá 12,5
França 14,4
Alemanha 10,0
Itália 11,8
Espanha 11,3
Suécia 17,6
Estados Unidos 9,6
Brasil 5,4
Fonte: OECD e Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara Federal
Porém, em uma tabela mais recente, referenciada no ano de 2008, mas que restringe a análise comparativa à apenas alguns países da Europa, podemos ter uma idéia mais clara do comportamento dos gastos com pessoal brasileiro em relação aos mesmos gastos no continente europeu.
Despesa com salários dos servidores públicos como percentagem do PIB nominal
Brasil na comparação com a Europa – Ano de 2008
País %
Portugal 13,6
Noruega 11,9
Dinamarca 16,9
Grécia 10,8
Itália 11,0
Espanha 10,0
Suécia 15,7
Reino Unido 11,2
Europa 20,6
Brasil 5,0
Fonte: EUROSTAT
Dez anos de congelamento salarial e precarização do trabalho público
O projeto, aprovado sorrateiramente pelo Senado, traz como conseqüência, não apenas o arrocho salarial e a precarização das relações de trabalho – prejuízo inegável e irreparável para os trabalhadores públicos – mas também aprofunda a já combalida e frágil prestação de serviços à população pobre brasileira, que necessita desses mesmos serviços. É a política do Estado Mínimo, idealizada pelo neoliberalismo a partir de Collor, no início da década de 90 e levada às últimas conseqüências por Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos na Presidência da República. No entanto, para surpresa da maioria dos funcionários públicos desse país, Lula seguiu a cartilha de seus antecessores e aprofundou essa política, aplicando o mesmo receituário à serviço dos interesses das oligarquias empresariais de nosso país, do FMI e do imperialismo.
Para bem ilustrar essa análise, tomemos o exemplo do estudo feito pelo economista Washigton Lima ¹, que elaborou um cálculo retroativo desde 2000 até 2009, portanto por dez anos, utilizando os critérios do projeto. Nesse estudo, Lima comprova que a folha de pagamento da União seria reduzida em R$ 38,8 bilhões, passando de R$ 153,1 bilhões, que foi o valor liquidado em 2009, para R$ 114,2 bilhões. Ou seja, o valor da remuneração de cada servidor, ativo ou inativo, deveria diminuir em mais de um quarto ou, mais precisamente, em 25,37%. Significa afirmar hoje, que se um servidor ganha R$ 1.000,00, sua remuneração deveria ser de R$ 746,31 se o PLS-611/07 (ou PLP-549/10) tivesse sido aplicado nos últimos dez anos. Evidentemente, esse é um cálculo que considera a involução média dos salários da União, não considerando, portanto, as variáveis entre os Três Poderes, entre si, e também em relação às Três Esferas.
Comportamento da Folha de Pagamento e Salários da União
Aplicação hipotética do PLS-611/07 (2.000 x 2.009)
Variáveis 2000 2009 Perda Redução %
Folha Pagamento União R$ 153,1 bilhões R$ 114,2 bilhões R$ 38,8 bilhões 25,37
Salário 1 R$ 1.000,00 R$ 746,31 R$ 253,69 25,37
Salário 2 R$ 7.000,00 R$ 5.224,10 R$ 1.775,90 25,37
Conlutas apóia o calendário da CNESF e aponta unidade nas três esferas
A derrota sofrida pelos servidores no Senado foi apenas uma batalha em meio a guerra que a CNESF – Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais, sindicatos, federações e associações representativas já começam a desenvolver para derrubar o projeto. No último dia 09 de fevereiro, a CNESF realizou sua primeira reunião neste ano e aprovou uma série de medidas para promover a mobilização dos servidores na luta contra o projeto. Faixas, adesivos, cartazes e cartas-abertas estão sendo confeccionados para dar ampla divulgação ao conteúdo perverso da proposta do governo. Ao mesmo tempo, o calendário de mobilização aprovado aponta para ações nos estados e em Brasília e uma grande plenária nacional do funcionalismo federal em 14 de março.
As medidas da reunião estão corretas, mas também é fundamental e necessário construir a unidade entre as organizações das três esferas do funcionalismo público para ampliar essas ações no Congresso Nacional e fortalecer a luta na base das categorias, promovendo atos públicos e mobilizações unitárias para exigir de
Lula a retirada desse nefasto projeto e pressionar os parlamentares na Câmara dos Deputados contra sua aprovação.
A CONLUTAS esteve na reunião da CNESF em Brasília e vai estar na vanguarda das ações contra a aprovação do PLP-549/2010. No mesmo sentido, as entidades e oposições da CONLUTAS, representativas das três esferas do funcionalismo público, devem incorporar em suas pautas de discussão, a mobilização e elaboração de um calendário de luta conjunto para enfrentar a proposta do governo Lula, mas que também é apoiada por prefeitos e governadores.
– Exigir de Lula a retirada imediata do PLP-549/2010;
– Total apoio ao calendário de mobilização da CNESF e unidade das três esferas (municipais, estaduais e federais) para derrotar essa proposta de arrocho salarial
– Desenvolver ações na Câmara de Deputados pela não aprovação do projeto.
¹ Em entrevista, por email, concedida ao jornalista Hélcio Duarte Filho, do Luta Fenajufe Notícias.
São Paulo, 12 de fevereiro de 2010.
Paulo Barela
Oposição ASSIBGE-SN
Membro da Secretaria Executiva da Conlutas
Publicado originalmente no site da Conlutas