Por Kenzo Juca – do PSOL/DF
Beyoncé, Martiniano, Plínio, Babá, Parangolé e Caetano Veloso
Vivemos uma curiosidade tipicamente brasileira essa semana. A visita arrasadora da cantora-dançarina pop norte-americana Beyoncé Giselle fez Caetano Veloso compará-la ao sucesso do momento no carnaval baiano, o rebolation. Abriu-se, então, a polêmica: Beyoncé ou Psirico, quem é melhor? Melhor ainda: quais as diferenças no conceito musical? O bom baiano e compositor genial Caetano, ciente da proximidade rítmica, disse preferir, com razão, o ritmo brasileiro do grupo Parangolé ao da cantora mais rica do mundo.
Ao mesmo tempo, a esquerda socialista brasileira debate sobre o melhor candidato para disputar contra Dilma, Serra e Ciro em 2010, após encerramento de diálogo com Marina, que recusou ser o contraponto e preferiu apostar num “realinhamento” que una PT e PSDB – proposição coerente programaticamente para ambos, mas que talvez perca a coerência se Marina encarnar a unidade, visto que ela poderia desafinar o tom neoliberal. Por isso, o PSOL busca um candidato que lute sozinho contra os outros quatro e dê ritmo à esquerda em 2010, após a acertada tentativa de atrair Marina para a unidade contra o projeto hegemônico no Brasil, apesar de não ter dado samba.
A polêmica sobre o candidato do PSOL a presidência significa muito mais que uma escolha de nomes entre Martiniano Cavalcante, Plínio ou Babá. O debate é entre projetos políticos, estratégias e táticas, visão sobre Brasil, socialismo e o papel da esquerda. Não é apenas o ritmo – como Byoncé e Psirico – mas também a melodia, o tom, a poesia e o improviso, ou seja, o conceito musical que o PSOL tocará em 2010. Isso é importante, pois mesmo uma bela melodia pode soar ruim sem um ritmo adequado ou com improvisos desafinados. Sem poesia também não há harmonia. E o objetivo do PSOL é ser ouvido e entendido pelas massas populares, além das vanguardas e sem perder o tom. Trata-se de um contexto muito complexo essa escolha do PSOL em curso, com amplitude e pragmatismo que lembra a comparação sonora que fez Caetano unir Parangolé a Beyoncé, apesar da aparente superficialidade analítica dos casos.
Mesmo que a natureza estrita das polêmicas de Caetano Veloso e do PSOL não possam ser comparadas, o contexto carnavalesco não pode nos deixar de relacioná-las. Por outro lado, o primeiro debate entre os pré-candidatos, no Rio, deixou a mesma impressão. Claramente ouviram-se dois ritmos distintos tocados pelos três candidatos. De um lado, Martiniano executando o excelente ritmo melódico original que deu origem ao PSOL e construiu Heloísa referência nacional e, por outro lado, Plínio e Babá desafinando no contra-tom musical da big band psolista.
Ao contrário do rótulo de estreito e sectário que a mídia tenta impor, desde sua pré-fundação o PSOL nunca negou o diálogo coerente, mas respeitando princípios. O núcleo fundador do partido, que tem Martiniano como uma peça chave, sempre conversou com setores que se contrapõem à unidade entre a velha e a nova direita, sem trocar de ritmo. Assim foi com os parlamentares do PDT (dep. João Fontes) e PSB (sen. Geraldo Mesquita) que ajudaram a legalizar e fundaram o PSOL e depois se afastaram. Assim foi com setores que só romperam com o PT após o escândalo do mensalão e permanecem até hoje no partido. Da mesma forma, assim também foi com a aproximação e afastamento de Marina Silva do diálogo conosco. Todos esses processos positivos foram possibilitados pela conjunção entre rigidez rítmica (programática) e flexibilidade melódica (tática) leninista, sem capitulação nenhuma, sem sair do tom, um processo executado com maestria pela direção histórica fundadora do PSOL representada na candidatura de Martiniano Cavalcante, cuja maestrina é Heloísa Helena, junto com Luciana Genro. Babá foi peça-chave nesse diálogo amplo inicial que gerou o PSOL, mas tem atravessado o samba e esquecido das letras nesse carnaval.
A pré-candidatura de Martiniano soa a coerência e a harmonia rítmica que possibilitou ao PSOL romper com o PT, se aproximar de setores de outros partidos no período da fundação, conquistar novos grupos na crise do mensalão e dialogar com Marina até o momento onde a melodia da esquerda socialista revolucionária pudesse ser ouvida, compreendida e apreciada, sem destoar do gosto musical do povo e da nossa tendência melódica.
O setor fundador do PSOL sempre agiu com maturidade e firmeza revolucionária. Isso deu tranqüilidade para Heloísa Helena aparecer em alguns momentos com 15% nas pesquisas para presidente em 2006 e conquistar 7 milhões de votos no país. Esse capital e essa responsabilidade não podem ser jogados fora a troco de nenhuma aventura ou de variações analíticas sobre movimentos sociais ou governo Lula. A referência que o PSOL conquistou junto ao povo não pode ser menosprezada. Martiniano encarna esse desafio e nos dá a segurança que o PSOL não vai desafinar com posições oportunistas, sectárias ou estreitas a serem ignoradas e ridicularizadas pelas massas. A impressão é que tanto Babá quanto Plínio teriam o mesmo ritmo, como Byoncé, Parangolé e Psirico.
O PSOL, Martiniano e o povo brasileiro não agüentam tanta corrupção. Esse é um eixo central da luta e da denúncia do sistema capitalista e para organização dos trabalhadores. A prisão de Arruda no Distrito Federal e a declaração de temor de Lula diante da decisão do STJ deixam isso mais do que evidente, inquestionável. Com bem disse Martiniano no debate do Rio, corrupção gera dinheiro, que produz mandatos corruptos, que produz mais dinheiro e mais mandatos corruptos contra o povo e à serviço do avanço do capitalismo e da desigualdade. Martiniano, assim como Heloísa, é mestre na arte de transformar fraqueza em força através da política, como ficou provado na cruzada heróica que coletou 500 mil assinaturas para legalizar o PSOL e sofreu resistência de muitos setores da própria esquerda. Esse núcleo fundador sabe a responsabilidade de construir um partido para dialogar com as massas e não apenas com setores vanguardistas e intelectualidade.
Caso o povo brasileiro não estivesse no espírito carnavalesco, seria deselegante, impertinente e não adequado comparar Plínio com Byoncé, Babá com Parangolé ou Martiniano com Caetano Veloso. Mesmo assim, ressaltamos que as analogias são cordiais e apenas fruto dos bons espíritos de carnaval, sem rebaixar a importância e seriedade que o debate deve ter e os desafios em jogo. Afinal de contas, não existe nada mais sério no Brasil que Carnaval.
Kenzo Jucá – PSOL/DF