Nota da Liderança do PSOL sobre o envio de mais tropas ao Haiti
Por que não devemos mandar mais soldados armados e sim aumentar a ajuda humanitária
– Com toda urgência e a premência com que deve ser tratada a solidariedade ao povo do Haiti devido ao terrível terremoto que atingiu o país e suas terríveis conseqüências no geral. Tendo o Brasil já naquele território um contingente de quase 1.300 soldados liderando as Forças da ONU (Minustah). E, agora, os Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa requisitando dobrar esse contingente militar brasileiro com a necessária aprovação do Congresso Nacional. Entendemos que tratar questão de tamanha envergadura, dadas as inúmeras repercussões de ordem política, diplomática e estratégica por Comissão Representativa do Congresso faltando apenas uma semana para o fim do recesso é um equivoco.
– A dimensão da tragédia no Haiti, sua reconstrução e a melhor maneira de ajudar aquela nação e aquele povo está em debate. E as duas matrizes dessa ação a nosso ver deveriam ser solidariedade total e soberania ao Haiti.
– Na maior parte da cobertura jornalística, o civismo e a solidariedade entre os próprios haitianos não é destacada. Há milhares de exemplos de heroísmo e solidariedade entre os haitianos que contrastam com ínfima ação da ONU e da ajuda internacional num primeiro momento diante da magnitude da tragédia. Os haitianos são comumente tratados como vítimas à espera de ajuda externa ou então como saqueadores, gangues violentas etc. É muito grave retratar o povo haitiano como incapaz e que precisa ser tutelado. Ao contrário, o país é exemplo histórico de independência e de libertação dos escravos em 1804. A nação e seu povo pagaram um alto preço por isso. Mas é preciso ficar claro que a pobreza extrema no Haiti é conseqüência histórica de mais de 200 anos de ação colonialista e imperialista, particularmente da França e dos EUA. Os mesmos que armaram e financiaram forças mercenárias e ajudaram na destituição do governo Aristides há 5 anos. A lógica do uso da existência da pobreza, da violência e do caos sempre serviu às ocupações, intervenções e sustentação de ditadores cruéis, como os Duvalier, que massacraram aquele povo. Não é culpa do povo haitiano que exista ali um Estado extremamente débil, incapaz de servir ao povo e ao contrário a serviço de interesses comerciais de uma elite nacional e estrangeira. A falta de Estado e de infraestrutura amplifica brutalmente as dimensões da tragédia.
– Entendemos já em 2004 que o Brasil não deveria servir de mão de gato do imperialismo no Haiti, legitimando a derrubada de Aristides e comandando as Forças da ONU, enquanto os EUA se preocupavam com a invasão do Afeganistão e do Iraque. Já naquela ocasião, discordamos da utilização de tropas brasileiras na repressão e manutenção da ordem naquele país, o que não nos impede de louvar os esforços dos nossos soldados na ajuda às vítimas e nos solidarizar com os familiares dos militares e civis vítimas do terremoto.
– Nesse momento, quase 20 mil militares norte-americanos já desembarcaram no Haiti tomando o aeroporto, o porto, o Palácio Presidencial, pontos estratégicos, controlando a imigração, e fazendo prioritariamente o trabalho de segurança (security), enquanto distribuem alimentos e água jogados por helicópteros. Como todos puderam ver a ajuda humanitária não foi a primeira preocupação do governo dos EUA. Muito menos claro ainda está o papel que efetivamente eles querem cumprir no Haiti. A enorme influência dos EUA na própria ONU e no direcionamento da política daquela instituição não confere autonomia de decisão e ação aos países da Minustah. Repelimos qualquer nova ocupação norte-americana no Haiti.
– Diante das dimensões da tragédia não está claro como ficará o futuro político do Haiti. Questionamos o antigo papel de manutenção da ordem e da propriedade desempenhados por Forças da ONU. Nesse sentido, achamos equivocado e precipitado o envio de novo contingente militar armado para o Haiti. A imperativa necessidade de ajuda humanitária não pode servir de pretexto para violentar a autonomia e soberania do povo haitiano, a reconstrução do país deve ter como centro também a reconstrução do seu Estado, como um ente político autônomo e democrático, sendo obra do povo haitiano que quer construir o caminho de sua democracia que sempre lhe foi usurpada. O Brasil deve planejar a retirada de suas tropas do Haiti, assim que os socorros às vítimas do terremoto estiverem cessado, como uma ação política que visa garantir de fato a auto-determinação do povo haitiano.
– O Haiti necessita nesse momento de uma enorme rede de solidariedade internacional, de urgência humanitária, de esforços que garantam a vida de milhões (assistência médica, combate à fome, reconstrução do país e de sua infraestrutura). Não precisa de armas para reprimir uma população desprotegida e pobre ou para fazer alianças com uma força policial local que não fica nada a dever aos tonton-macoutes do Papa Doc. É na ajuda humanitária que o Brasil deveria investir o seu esforço civil e militar.
Deputado Federal Ivan Valente – PSOL/SP
Líder do PSOL na Câmara dos Deputados