É o segundo melhor clima do mundo, segundo a Unesco, ficando atrás só de Davos, na Suíça. É uma das 15 cidades paulistas consideradas “estâncias climáticas”. E, para aumentar a ironia, o slogan de sua prefeitura é “Vivendo o Melhor Clima”.
Neste janeiro de 2010, o clima está inclemente para Atibaia, cidade a 60 quilômetros de São Paulo. E o transbordamento de duas represas rio acima transformou 15 bairros em lagoas, atingindo 900 famílias, com 66 delas desabrigadas.
Retiradas de barracos da Vila São José, favela que virou um braço do rio Atibaia, 14 famílias encontraram um refúgio metálico para os próximos meses. A fileira de contêineres foi montada em um campo de futebol, estrategicamente localizado no alto de um morro vizinho.
“Falaram que a chapa ia esquentar, que ia fazer um calorão dentro, que era uma lata de sardinha. Mas aqui está bem melhor que viver dentro da água ou numa escola”, afirma a doméstica Aparecida Cunha, que divide os 14 metros quadrados de seu contêiner com mais seis pessoas, geladeira, fogão, televisão e estante com as fotos da família.
“Já virou nosso lar. Onde tem família tem um lar, até em um contêiner”, define a faxineira Ingrid Aparecida, abraçada à filha e à cesta básica da Defesa Civil.
Partiu da própria Defesa Civil de Atibaia a idéia de alugar os “módulos metálicos habitacionais”, como a empresa Eurobrás prefere definir esses abrigos. Líder do mercado, essa fábrica de Santo André fabrica desde 1980 contêineres que servem como escritório, banheiro, dormitório ou qualquer outra função, inclusive a original: para carga. Os principais clientes são empreiteiras, que usam os módulos para seus funcionários nas grandes obras. Eventos grandes, como Carnaval ou F-1, também movimentam as vendas e locações.
O garoto Elik Daniel brinca de futebol diante de contêineres ocupados por flagelados da enchente
A professora de piano Tamy Ferraz colocou seu instrumento sobre tonéis para protegê-los
Membros da Defesa Civil de Atibaia ajudam morador do Parque das Nações a sair de casa
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“É a primeira vez que alugamos para receber flagelados de desastres naturais. Já vendemos para os Exércitos brasileiro e chileno, para instalações deles no Haiti. Atibaia nos contratou e agora várias cidades paulistas querem os módulos, mas não temos estoque suficiente”, conta Célia Bonturim, do departamento comercial da Eurobrás, que aluga 6.000 módulos ao ano. No momento, 26 localidades paulistas estão em estado de emergência pelas chuvas intensas.
O contêiner habitacional é de aço galvanizado e já sai da linha de produção com porta, janela, banheiro e revestimento interno. Tem a vantagem de fácil transporte e baixo custo (cada um vale R$ 350 por mês), mas a desvantagem é o calor que o metal absorve – o que não é tão grave na serrana e temperada Atibaia.
O contêiner foi criado pelo norte-americano Malcom McLean em 1937 para diminuir o desperdício e o extravio de mercadorias, além de facilitar o transporte de cargas entre navios, trens e caminhões. Nos últimos anos, velhos contêineres estão sendo usados em projetados arquitetônicos como um bairro estudantil em Amsterdã, um prédio de escritórios em Londres e casas particulares na Califórnia.
Os módulos habitáveis existem há décadas, mas são novidades na assistência a desabrigados. “Posso colocar meu beliche, meu som, minha TV. É um barato”, opina o eletricista Michael Souza, que mora em um com mulher e filho. “Estava angustiada com tanta água na minha casa. Aqui é bem melhor”, elogia a estudante Natália dos Santos, ao lado de uma gaiola de passarinhos. “Em vista de onde eu morava, poderia viver toda minha vida nesse contêiner”, pensa alto Ingrid Aparecida, lembrando do barraco que tinha antes das chuvas.
Outros se queixam. “É apertado, mas a gente aguenta. Nos primeiros dias, tinha goteira, mas a prefeitura resolveu”, aponta a aposentada Maria Odete da Silva. “É um espacinho de nada dentro dessa caixa de ferro”, critica o ajudante geral Altair Cavalcanti.
Quem também se queixa são os jogadores amadores do campo de terra em que foram instalados os contêineres. “Agora só dá para jogar bola na metade do campo. Mas é o jeito para ajudar esse pessoal”, diz o estudante Anderson Carlos. “É estranho pensar que a gente mora em um lugar que era para carga”, estranha a vendedora Eugênia Mendes, que decorou a fachada do seu com samambaias.
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O plano da prefeitura é resguardar essas pessoas por ali por seis meses, até conseguir casas de alvenaria. Outras 50 famílias estão alojadas em quadras de escola, com divisórias criando os compartimentos. “Lá é pior. Não tem teto entre os módulos, não tem intimidade. Sei que saiu até briga por lá”, relata Natália. Três colégios da cidade estão nessas condições, e a aglomeração tenta a piorar com a volta às aulas no mês próximo.
Nesta quarta subiu de 500 para 900 as famílias afetadas pelos alagamentos em Atibaia. É a causa foram as fortes chuvas na região, que causaram o transbordamento de represas do Sistema Cantareira (está com 99,4 % de sua capacidade) e ajudaram a elevar o nível do rio Atibaia. A cidade, conhecida como “a capital do morango”, sofre desde o dia 12 com as fortes vazões das reservas. Segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), algumas reservas, como a Jaguari, atingiram seu nível mais alto nos últimos 70 anos.
Para piorar, foram registrar roubos e saques nas casas alagadas dos refugiados de Atibaia. “O pessoal está entrando e levando TV, botijão de gás e até móveis pequenos. Durmo no contêiner, mas fico quase todo o dia na minha casa para tomar conta das coisas”, conta a balconista Odete Pereira.
Fonte: Rodrigo Bertolotto/Do UOL Notícias