A Assembléia Plurinacional proclamou oficialmente Evo Morales Ayma e Álvaro Garcia Linera como presidente e vice-presidente, respectivamente, da Bolívia.
23/01/2010
Vinicius Mansur,
La Paz, Bolívia
Evo Morales foi empossado presidente da Bolívia, pela segunda vez, oficialmente nesta sexta-feira (22). Porém, na quinta-feira (21), um ato de posse simbólico, caracterizado pelo governo como um gesto de “auto-afirmação cultural dos povos indígenas diante do mundo” foi realizado nas ruínas pré-colombianas da cidade de Tiwanaku, a aproximadamente 80 quilômetros ao norte de La Paz.
Milhares de pessoas se dirigiram ao centro arqueológico para presenciar o ato, carregado de simbologia, que declarou Morales como guia espiritual da Bolívia. Ao descer do helicóptero, o primeiro mandatário boliviano foi guiado por uma comitiva de sábios indígenas até a pirâmide de Akapana, onde foi recebido ao soar de bumbos e pututus (tambores indígenas). Lá, Morales foi recebido pelos amautas (sábios aymaras) em uma cerimônia de limpeza de energia e vestido com um traje branco com duas listras coloridas e com um gorro de quatro pontas negro.
Em cima da pirâmide, Morales se dirigiu aos quatro pontos cardeais, fazendo oferendas, queimadas em pequenas fogueiras. Primeiro caminhou a oeste, onde a oferenda foi em agradecimento a Pachamama por sua primeira gestão. Em seguida, Morales caminhou ao sul, pedindo as divindades andinas força à economia do país. No leste, as oferendas foram feitas em nome da integração do país e, ao norte, em nome de todos os seres vivos e da “Madre Tierra”. Ao final, a anciana indígena Nicolasa Choque Santalla, de mais de 100 anos de idade, tomou Morales pela mão e o levou até o templo de Kalasasaya. A anciana representava a sabedoria e a complementaridade (homem-mulher) andina.
A aparição do presidente na escadaria principal de Kalasasaya era o ponto mais esperado pelo público. Ao sair de mãos dadas com Nicolasa pelo portal, que dava de frente para as escadas e para a multidão, Morales foi ovacionado. Ali, o presidente recebeu a benção de oito sábios indígenas, sendo quatro homens e quatro mulheres, ganhou o bastão de mando de uma casal de crianças e, em seguida, iniciou seu discurso em aymara e quéchua, antes de falar em espanhol.
Após saudar todos os presentes, em especial à guatemalteca Rigoberta Menchú, uma referência indígena, ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 1992, Morales abriu o discurso dizendo que é presidente para servir aos bolivianos e contribuir com a humanidade. “Se não mudamos a Bolívia, não mudamos o mundo, mas se não mudamos o mundo, não mudamos a Bolívia” e completou: “Quem não vivi para servir, não serve para viver”.
Citando o ex-presidente boliviano Gualberto Villaroel, o presidente disse não ser inimigo dos ricos, mas mais amigo dos pobres e bradou: “Os povos do mundo, sempre de pé, nunca de joelhos frente ao capitalismo”.
Segundo Morales, seu governo chegou a conclusão de que “agora é melhor defender os direitos da “Madre Tierra” do que os direitos humanos”, uma vez que só a defesa dos direitos humanos não assegura a vida no planeta. O líder boliviano afirmou que seu governo é guiado pelos princípios indígenas do “vivir bien” que se baseiam em “saber escutar, saber compartilhar e saber sonhar”. Nas palavras de Morales, “saber compartilhar é esquecer de competir.
Posse oficial
Já nesta sexta-feira (22), a Assembléia Plurinacional – correspondente ao antigo Congresso Nacional – proclamou oficialmente Evo Morales Ayma e Álvaro Garcia Linera como presidente e vice-presidente, respectivamente, da Bolívia. A cerimônia atraiu milhares de pessoas à Praça Murillo, no centro de La Paz, onde ficam a sede do parlamento e o palácio presidencial. Estavam presentes os presidentes do Equador, do Paraguai, da Venezuela e do Chile, o príncipe espanhol, além de representações oficiais de inúmeros países.
Em seu discurso de posse, o vice-presidente Álvaro Garcia Linera afirmou que o atual processo de mudanças serve para acabar com o que o sociólogo boliviano chamou de “Estado aparente”, incapaz de incorporar hábitos, culturas e formas de organização social presentes na Bolívia. “A cidadania instalada pela República liberal foi de castas e de sobrenomes”, afirmou. Segundo Linera, a República liberal foi constituída em cima de quatro “falhas tectônicas” que permitiram a sublevação social que deu origem ao atual processo político. Essas falhas foram o racismo, a não regionalização do Estado, a exclusão da sociedade no controle dos recursos e a construção de uma economia subordinada aos interesses estrangeiros. “Nosso horizonte estatal é socialista. É comunitarizar a riqueza, é o que faziam nossos antepassados, mas em uma escala menor. Outro requisito é manter a capacidade de mobilização, só ela pode vencer as adversidades. Necessitamos também derrotar inimigos internos: o faccionalismo, a corrupção e a ambição. Precisamos transformar o poder político em poder econômico e poder cultural. Por último, não há revolução que triunfe sem solidariedade internacional. A única maneira de derrotar o império é construir outra globalização”, concluiu o vice-presidente.
Em seu primeiro discurso na Assembléia Plurinacional, Evo Morales saudou a diversidade dos novos parlamentares: “É uma alegria ver esse Congresso como um concurso de chapéus e vestimentas. Não é mais um concurso de gravatas”. Em seguida, o presidente fez um longo recorrido pelas conquistas de sua primeira gestão e também sobre os planos para o próximo mandato. A cerimônia oficial foi encerrada com um desfile de organizações sociais e de militares ao redor da Praça Murillo.