Escrito por Rodrigo Mendes, da Redação do Correio da Cidadania
Saudado como grande obra da administração tucana no estado de São Paulo, o Rodoanel Mário Covas sofreu um acidente que o colocou nas manchetes de todo o país. Com erros claros na execução da obra – ainda que, por enquanto, não tenham sido apontados responsáveis –, uma parte da estrutura cedeu, provocando um acidente que poderia ter tido conseqüências muito piores, não fosse o horário de pouco movimento na via.
Em entrevista, o urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo João Sette Whitaker Ferreira faz uma análise mais aprofundada do papel de uma obra das proporções do Rodoanel. E vai ainda mais além, colocando o acidente numa perspectiva mais global, indicando que não se trata de um caso isolado, mas uma decorrência da forma como o planejamento (ou sua completa ausência), a execução e até a concepção de funcionamento urbano são pensados pelas sucessivas administrações públicas.
Em um ambiente em que dados e mais dados que demonstram a ineficácia e a inadequação do Rodoanel são continuamente ignorados, a obra vai sendo tocada como salvadora e estandarte da modernidade. Portanto, questiona-se aqui a real necessidade do Rodoanel e sua viabilidade.
Correio da Cidadania: O objetivo principal do Rodoanel seria aliviar o trânsito em São Paulo. O Rodoanel é a melhor solução para isso? Há outros interesses em sua construção?
João Whitaker: O Rodoanel, por si só, não é uma boa solução para melhorar o trânsito. É uma obra eleitoreira, mas não precisaria ser, pois a idéia de infra-estruturar a cidade em termos de mobilidade urbana em escala metropolitana é importante. Mas para isso, teria que haver outros pressupostos, e o Rodoanel seria uma parte do plano. Seria preciso subordinar o Rodoanel a um plano logístico. É necessário um plano maciço e impactante na cidade, que seria fazer efetivamente o metrô, não só uma linha nos bairros centrais.
A Cidade do México começou a fazer seu metrô no mesmo ano que São Paulo, e hoje tem 250 quilômetros, enquanto temos 60. Paris tem 600 quilômetros. Temos que ter mais corredores de ônibus também, em Paris não há uma avenida sem corredor de ônibus. Precisa de corredor de ônibus e metrô em toda a cidade, com isso diminuiria o trânsito e, a partir disso, o Rodoanel seria uma alternativa a ser estudada.
Mas nada disso é feito, o Rodoanel ficou em primeiro plano e, sozinho, ele acaba piorando a questão logística, há uma diminuição de apenas 12% do movimento ("segundo Sônia Baptista e Ronaldo Tonobohn, respectivamente Superintendente de
Planejamento e Gerente da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET -, 200 mil caminhões circulam diariamente em São Paulo, sendo que apenas 15 mil são de passagem, podendo ser absorvidos pelo Rodoanel" – Impactos urbanísticos do trecho oeste do Rodoanel Mário Covas). Hoje, o Rodoanel é uma alternativa de luxo para chegada na cidade, tanto que estão pensando em pôr pedágio.
CC: Mas é possível a construção em massa de metrô e corredor? Por que não se faz? Sempre se diz que é caro demais…
JW: Toda cidade européia tem metrô e corredor de ônibus. O discurso mundial é não ter carro, e sim transporte público de massa. Aqui fazem Rodoanel e mais três faixas na marginal Tietê. Falam que é caro, mas o custo tem que ser visto a longo prazo, inclusive vendo-se o custo ambiental. O aumento da frota, da emissão de poluentes, é muito mais caro.
Tudo que se faz em São Paulo é voltado ao transporte individual, pois o senso comum diz que isso é conforto, e o ganho político é muito maior. Predomina aquela idéia de que o que dá voto é fazer obras para a classe média, dizendo que vai se acabar com o trânsito com soluções para o carro. É uma lógica esquizofrênica, individualista e elitista.
Em São Palo, 70% das viagens são a pé ou de ônibus. Estamos falando de política para 30% da população. Há, por ano, um aumento de quase 250 mil automóveis novos. Com o aumento de três faixas na Marginal, vai aliviar por seis meses. Com o aumento da cidade, vamos chegar ao Rodoanel e ele será uma nova marginal, apenas isso.
CC: Em análise da obra do Rodoanel publicada pelo Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP, na qual o senhor é co-autor, a metodologia de estudo usado pela Dersa é questionada. Há interesses para que se produzam estudos com determinada metodologia? Qual o principal problema com a metodologia usada na argumentação da Dersa?
JW: A Dersa tentou provar que não havia impacto ambiental, mas a obra está em cima de mananciais. Quando cair um caminhão, com algum produto tóxico ou perigoso de alguma maneira, como há de se assegurar que não haverá contaminação?Além disso, o impacto da própria obra na área de mananciais é enorme. Qualquer urbanista com um semestre de faculdade já sabe que obras de infra-estrutura atraem urbanização. Portanto, vão se criar pólos urbanizados. Mas no trecho sul, isso será em cima dos mananciais.
A Dersa então encomendou um estudo matemático que diz comprovar que a obra não vai atrair uma única família, mas haverá algumas bolhas de exceção. É a mesma coisa de dizer que uma pessoa está com um vírus, mas ela não sofrerá nada, com exceção do mal estar, da febre de 42 graus… fora isso ela estará ótima. Ou seja, não tem lógica nenhuma.
CC: Em relação ao acidente que ocorreu recentemente, o que aconteceu para cair uma parte? De quem foi a culpa? O material usado era inadequado?
JW: Obra feita às pressas, porque é eleitoreira, cai. São obras feitas sem fiscalização, com um grau de liberdade enorme para as empreiteiras. Não se pode tratar como problema técnico, como se fosse uma exceção, um erro pontual. A questão é a forma como é feito todo o processo. Como a queda da estação de metrô, quando também não foi a primeira vez que havia tido acidentes dessa natureza em obras do metrô.
Rodrigo Mendes é jornalista.
Correio da Cidadania – 30/11/09