Por José Correa Leite
A questão ambiental está no centro da política mundial. Na recente reunião do G-20, em Pittsburg, ela foi colocada no mesmo plano da reorganização das finanças mundiais e da proliferação das armas nucleares. E, com a aproximação da Conferência de Copenhague, de 8 a 18 de dezembro – que negociará o novo Protocolo sobre Mudanças Climáticas (pós-Kyoto, para após 2012) – a crise climática se torna, ao lado da gestão da crise econômica, o tema mais espinhoso, candente e duradouro da agenda mundial.
Economistas marxistas insistem que as duas crises têm a mesma raiz, a forma que adquiriu o capitalismo globalizado e financeirizado. Seu modelo de civilização consumista e predador necessita uma infinita expansão da acumulação e apóia-se cada vez mais no capital financeiro e suas “bolhas”, gerando não só crises econômicas, mas também uma pressão crescente sobre a biosfera planetária e os recursos naturais, dos quais depende a existência humana. Assim, as duas crises convergem hoje, produzindo uma situação inédita na história, o horizonte de uma crise da modernidade capitalista.
A crise ambiental chega ao comércio mundial
Sob os auspícios do governo Obama, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou a American Clean Energy and Security Act (Aces) – em geral rejeitada pelas organizações ambientalistas por ter feito muitas concessões às indústrias do carvão e petróleo. Ela determina uma reforma ampla da política energética do país, com ações de promoção da energia limpa, programas voltados à eficiência energética, metas e parâmetros do novo regime doméstico de mitigação das mudanças climáticas e a criação de mecanismos de transição para uma desejada "economia de energia limpa". Cria fortes subsídios a setores da economia local para que se adaptem a este cenário e define tarifas sobre as importações de outros países que tenham regras ambientais menos rígidas, para entrar em vigor em 2020 (a partir de um inventário feito em 2018).
Se as metas propostas nos EUA – os tímidos 17% de cortes de emissão em 2020 em relação a 2005 (e as emissões do país cresceram quase 25% em relação a 1990, ano base do tratado de Kyoto) – são completamente insatisfatórias para conter o aquecimento global, a nova lei já provoca um frenesi no mundo empresarial. Ela ainda está em discussão no Senado, mas a possibilidade de o principal mercado importador do mundo criar uma taxa sobre mercadorias provenientes de nações que não tiverem uma clara política de corte de emissões já assusta muitos setores do capital.
Mas as barreiras ambientais são indispensável para impedir que os benefícios climáticos obtidos com o corte em determinados países sejam anulados pela importação de nações que não impõem controle sobre os gases do efeito estufa de suas indústrias ou agropecuária, e que, por isso são mais baratos – o chamado de vazamento de carbono (carbon leakage).
As dificuldades de Copenhague
Se não é possível negociar um acordo climático global efetivo sem que isso envolva também barreiras à exportação dos poluidores, isso significa uma revisão geral dos acordos sobre livre comércio, firmados em 1994. E aí está a grande dificuldade de Copenhague. Os governos de todas as potências terão, cedo ou tarde, que formular suas propostas, isto é, definir quem vai pagar o que da conta – que será ainda mais cara do que a da crise econômica. E se o governo Lula entrou no jogo com desenvoltura (metas de até 39%), é porque, afinal os grandes traders brasileiros precisarão que seus produtos não venham a ser sobretaxados no mercado norte-americano.
Os compromissos de Copenhague afetarão o conjunto da economia brasileira. Mas como o governo Lula e a burguesia brasileira não têm qualquer sensibilidade ou veleidade ambiental, o debate chegou ao Brasil não pela discussão responsável da contribuição que o país precisa dar ao combate ao aquecimento global, mas pela pressão internacional (e as ambições de Lula neste terreno) e pelo anúncio da candidatura de Marina Silva à Presidência da República – o que forçou que a questão ambiental entrasse na agenda de Serra e Dilma/Lula; tanto o governo do Estado de São Paulo como o federal apresentaram planos de combate às mudanças climáticas.
Por que agora?
A crise ambiental é anunciada há décadas, mas apenas nos últimos anos os cientistas atingiram um relativo consenso em torno das idéias de que o processo de mudança climática tem origem humana, está se acelerando e trará, rapidamente, conseqüências desastrosas. Para a maioria dos governos, os compromissos firmados na ECO 92 (que deram origem ao Protocolo de Kyoto) podiam ser ignorados, mas depois da destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina, em 2005, do lançamento do Relatório Stern (antigo economista-chefe do Banco Mundial), em 2006, e do quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em janeiro de 2007, era impossível manter a paralisia sobre o tema. Os processos estão adquirindo tal sinergia que catástrofes antes anunciadas para 2100 podem se colocar em duas ou três décadas, cobrando respostas de todos os atores relevantes no cenário global.
Isso não significa que um acordo seja atingido em Copenhague, mas que é impossível não discuti-lo. E todos tentarão pagar o menor preço possível pelos grandes ajustes necessários.