Resolução aprovada pela Executiva Nacional do PSOL, em 12 de novembro.
A antecipação da disputa eleitoral de 2010 é uma forte marca da situação política nacional. O governo e a oposição de direita movimentam-se para consolidar suas pré-candidaturas e alianças para 2010 e pretendem reeditar a falsa bipolarização.
Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar Lula não será candidato; vigorará ineditamente o fim do princípio da “verticalização” das coligações eleitorais; o contexto internacional ainda estará fortemente marcado pela crise econômica e financeira; na América Latina os movimentos sociais e os governos não alinhados com os interesses norte americanos na região continuam em resistência; a questão ambiental terá presença marcante no debate eleitoral; o enfraquecimento da doutrina neoliberal, deslegitimada pela recente crise econômica e financeira, permitirá o retorno ao debate nacional de temas estratégicos, como por exemplo: o tamanho e o papel do Estado, a forma de conduzir o país no contexto da crise econômica e financeira mundial, bem como, sobre o caráter do projeto de desenvolvimento que deve ser assumido pelo Brasil nos próximos anos.
Neste debate não podemos desconsiderar os impactos da crise sobre o Brasil. Dados do próprio Banco Central, por exemplo, apontam que a produção industrial brasileira no período compreendido de janeiro-agosto de 2009, comparada a de igual período do ano anterior, caiu 12,1%. Esta informação justifica em parte a queda na arrecadação tributária da União anunciada em outubro na ordem de 7%. Já o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) teve redução de 24% na primeira parcela de outubro obrigando pela segunda vez o governo aportar um socorro que ultrapassa a cifra de 1 bilhão de reais.
Crescimento da Produção Industrial no Brasil (em %)
Por outro lado, dados da Fundação SEADE apontam forte impacto negativo no nível de ocupação na Região Metropolitana de São Paulo. O nível de ocupação diminuiu 0,8%, atingindo o maior nível de desempenho dos últimos quatro meses, nessa base de comparação (Gráfico 3). Entre os setores de atividade analisados, houve redução na Indústria (157 mil postos de trabalho, ou 9,1%) e no Comércio (38 mil ou 2,6%) e crescimento nos Serviços (62 mil, ou 1,3%) e no agregado Outros Setores (63 mil, ou 6,2%, principalmente na Construção Civil).
Os dados apontados acima estão longe de permitir que se conclua que a crise passou longe do Brasil e de que tampouco a mesma já foi superada. O PSOL reconhece que há no Brasil uma frente-única em favor da explicação falsa da crise compostas por um vasto leque de poderes (institucional, midiático, intelectual, empresarial etc.), e de que um acompanhamento critico e sistemático é necessário e precisa ganhar total transparência. Além disso, que reivindicações populares precisam ganhar dinâmicas de mobilização e amparo social a exemplo da campanha deflagrada pelo Bloco de Esquerda em Portugal pelo alargamento do seguro desemprego (www.bloco.org). O PSOL considera importante registrar o fato de que se, por um lado, a crise econômica e financeira mundial não se transformou em crise política aberta, não devemos, por outro lado, deixar de reconhecer que o ônus da crise está sendo socializado ao conjunto da população e tem no Estado seu principal desaguadouro com quedas de arrecadações, políticas de socorro a bancos e empresas quebradas como no caso do Banco Votorantin, desindustrialização da economia etc. Ainda consideramos importante ressaltar que a atuação dos Estados nacionais, inclusive o brasileiro, enquanto “bombeiros da crise”, não representa a prova cabal do fim da era neoliberal, mas sim seu enfraquecimento determinado pelas condições gerais do modo de produção capitalista.
Todo este debate que se abre, no entendimento do PSOL, deve considerar a extrema desigualdade social e a pobreza que persiste no país, os limites impostos pela crise climática e ambiental à lógica de acumulação e ao padrão de consumo capitalista, a inserção do país na geopolítica mundial nesta nova conjuntura inaugurada pela crise internacional, bem como, a maneira de tratá-la.
Na conjuntura que transcorreram as eleições de 2006, o tema corrupção ocupou importante espaço na disputa, já na conjuntura que transcorrerá as eleições de 2010, tende a prevalecer um contexto de maior complexidade política, haja vista que os últimos acontecimentos da conjuntura internacional e latino americana provocaram um deslocamento do debate nacional para temas de maior envergadura. Não desconsideramos a importância do tema e nem que eventualmente ele possa ganhar maior espaço na disputa eleitoral. Mas está cada vez mais claro que esta não será a agenda predominante da disputa presidencial de 2010 e que a insistência neste discurso por parte da direita tenderá a fortalecer a candidatura do governo frente a uma oposição conservadora sem projeto para o país. Ou melhor, sem capacidade de se diferenciar do governo nas questões fundamentais do debate sobre política macroeconômica e projeto de desenvolvimento, a não ser que para isso tenha que radicalizar seu discurso ainda mais para direita e sem garantias de que esta opção lhe renda dividendos eleitorais.
A posição assumida pelo PSDB na comissão de relações exteriores, contrária à entrada da Venezuela no Mercosul, junto à crítica feita à postura da diplomacia brasileira na crise da embaixada em Honduras, são exemplos recentes não apenas desta opção em diferenciar-se ainda mais pela direita como também da ineficiência desta estratégia, já que nestes temas isolaram-se. Sendo assim, fica visível a dificuldade em construir uma diferenciação programática, sem que para isso tenha que ir mais a direita do que gostariam – vide o debate no segundo turno de 2006, privatistas contra não privatistas.
Diante desta situação paradoxal, onde duas alternativas confiáveis do capital disputam ardilosamente o voto do “centro”, o governo tem desenvolvido uma política ofensiva buscando associar a candidatura de Dilma a um perfil mais “popular/desenvolvimentista”, que no principal mantém as bases do modelo econômico, político e social.
Há questões concretas que tem contribuído para ainda manter relativamente coesa e inclusive a manutenção da hegemonia política do governo sobre a maioria dos movimentos sociais brasileiros. Para isso corroboram o diálogo que tem mantido com algumas demandas sociais importantes, tais como: as discussões com as centrais sobre o projeto de lei que visa a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais; a proposta de revisão da legislação antidrogas, prevendo o relaxamento da pena para os presos sem antecedentes criminais (em torno de 65%, segundo o IBGE); a posição em torno do pré-sal, defendendo o regime de partilha na exploração e não de concessão, associado com uma política de recapitalização da Petrobrás. Já com a relação a CPI do MST o governo atua de modo ambíguo na medida em que é também uma forma de se defender dos ataques da direita.
A força do governo e em particular de Lula tem exercido forte poder de atração dos partidos que integram a base de sustentação do governo em favor da candidatura de Dilma (PT/PMDB), que contaria com 15 minutos do tempo de TV para a disputa presidencial, contra 6 minutos da candidatura tucana. Soma-se a isto o peso da máquina governamental; o apoio da maioria dos prefeitos, governadores e parlamentares na Câmara e no Senado, além de vultosos recursos financeiros do empresariado em geral. Conta ainda a favor do governismo sua capacidade em conter ou condicionar as demandas sociais aos limites das negociações do Congresso Nacional, subordinando-as as negociações de interesse com sua base aliada e enfraquecendo a pressão que estas demandas poderiam exercer
pela força das mobilizações de rua. Em resumo: o governo Lula e a sua política sucessória buscam a todo o custo uma repactuação pelo alto. Um pacto que visa renovar a estabilidade política burguesa no Brasil articulando a institucionalidade, o empresariado, o status quo político, a mídia e setores dos movimentos sociais ainda iludidos com o lulismo e temerosos com o retorno do tucanato.
Tudo indica, portanto, que caminhamos para a reedição da bipolarização conservadora na disputa eleitoral entre Dilma e Serra, com uma forte tendência de que o governo consiga equilibrar a disputa já no primeiro turno das eleições. A força do governo poderá inclusive, como alguns fatos já vêm indicando, neutralizar a candidatura de Ciro Gomes à presidência da república ou, no pior dos casos, para torná-la uma opção para o próprio governo na disputa, numa espécie de plano B, embora esta não seja uma situação desejada pelo planalto. Isso não significa que o governo não enfrentará dificuldades e crises em seu campo de alianças, especialmente na administração das alianças com o PMDB em importantes estados da federação como no caso do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia, mas nada que represente, pelo menos por enquanto, uma mudança substancial do cenário atual e do leque de apoio em torno da candidatura Dilma. Roberto Requião do PMDB do Paraná mais uma vez ensaia mobilizar o “MDB de guerra” para uma candidatura própria, o que na prática não passa de uma manobra para inflacionar ainda mais o preço da fisiológica aliança.
Esta situação politicamente bipolar que tende a se confirmar exige por parte do PSOL não uma postura passiva, de espectador do cenário, mas uma ação firme no sentido de atuar para quebrar a bipolaridade. Sabemos que sem Heloísa aumentam estas dificuldades, mas nem por isso devemos nos apequenar perante a tarefa. Uma primeira definição, que o PSOL deve adotar: não aceitar o seu isolamento ou, o que seria pior, sua autoclausura política. Sendo assim, precisamos organizar nacionalmente nossa atuação em 2010, o que não se resume ao debate presidencial.
Para dar conta desta tarefa devemos apresentar ao conjunto do povo brasileiro uma alternativa política que represente um outro projeto de desenvolvimento para o país, socialmente justo, ambientalmente sustentável e radicalmente democrático onde a defesa de reformas estruturais seja parte de uma plataforma política mais global que tenha como eixo o enfrentamento da grave situação social do país e a defesa de um modo de produzir e consumir compatível com os limites ambientais, além de estar comprometido com as demandas populares que hoje estão sintetizadas nas reivindicações dos principais movimentos sociais, populares e sindicais.
Ainda no cenário da disputa presidencial de 2010, precisamos analisar o sentido contraditório do surgimento da pré-candidatura de Marina Silva. Neste momento em que a agenda ambiental tem ganhado muita força no debate político nacional e internacional, e considerando ainda o grande prestígio internacional da senadora enquanto uma militante histórica das causas sócio-ambientais, a saída da ministra do meio-ambiente do governo Lula representa um incômodo para o governo na disputa presidencial, mostrando descontentamento de importantes setores com o governo e por ser uma ruptura de caráter progressivo pela sua identidade com o tema ambiental. Isso porque o governo tem um enorme passivo ambiental resultante de um modelo de desenvolvimento produtivista que tem privilegiado o agro-negócio e a indústria automobilistas sem qualquer compromisso com as questões ambientais, com a reforma urbana e agrária e tampouco com a resolução das questões estruturais que mantêm a extrema desigualdade social e a concentração da renda e da riqueza no país.
No entanto, o discurso político que vem sendo adotado pela pré-candidatura de Marina Silva tem indicado sérias limitações para o enfrentamento desta polarização. Sua plataforma sócio-ambiental não está apoiada em uma crítica mais global da política de desenvolvimento do atual governo e não contém, em particular, uma crítica da política econômica iniciada por FHC e continuada por Lula, responsável pelo aumento da vulnerabilidade externa, o fortalecimento do agro-negócio, o atendimento dos interesses financeiros através de uma taxa de juros que confere grande rentabilidade aos banqueiros e que tem representado o cerne da política monetária e fiscal conservadora praticada pelo Banco Central, baseada no regime de metas de inflação e na obtenção de altos superávits primários que restringem o investimento público e penaliza o emprego.
A defesa de uma plataforma sócio-ambiental que não esteja vinculada com a necessidade de mudança da política macroeconômica levará a cristalização de uma imagem pública (a qual o governo terá todo o interesse em alimentar) de que se trata apenas de uma divergência temática, sem maiores conseqüências com relação à política mais global do governo, e que inclusive pode ser absorvida pela candidatura oficial, como se o enfrentamento da questão ambiental dependesse apenas de alguns ajustes na lógica geral do projeto de desenvolvimento em curso no país. O governo, tendo consciência de seu passivo ambiental e da importância deste debate, já começou a desenvolver uma política para reduzir seus flancos. Não é a toa que Dilma foi escalada por Lula para chefiar a delegação brasileira na Conferência do Clima em Copenhagem, buscando fazer com que o protagonismo da agenda ambiental não seja de exclusividade de Marina Silva. Soma-se aos limites de seu discurso o ecletismo do PV quanto à política de alianças. De concreto podemos dizer que Marina surge no cenário como um fator imprevisto e que precisa ser debatido amplamente pelo partido assim como a opção de candidatura própria.
Uma política para enfrentar a polarização
Uma das manifestações deste espaço esteve expressa até recentemente nos índices obtidos pela companheira Heloísa Helena nas pesquisas para a presidência da república, obtendo entre 10% e 15% das intenções de voto, dependendo do cenário. Outra está nos limites do projeto de desenvolvimento assumido pelo governo Lula e que se reflete em uma situação ainda marcada pela extrema desigualdade social, o aumento da violência urbana, a concentração da propriedade da terra e o favorecimento dos grandes proprietários (MP da grilagem), uma política habitacional orientada pelos interesses do mercado, a falta de uma política de transporte público universal e de qualidade, a devastação da Amazônia, a precariedade do sistema de saúde, de educação e do mercado de trabalho, e na persistência de uma política econômica em que o crescimento continua em grande parte dependente do modelo agro exportador e sem qualquer vinculação com uma verdadeira política de distribuição de renda, que continua sendo concentrada nas mãos de poucas famílias.
O Apagão de novembro que atingiu 18 Estados revela as deficiências estruturais e de gestão do sistema elétrico nacional. Para Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e um dos diretores do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), a falha está na "gestão e coordenação" do Ministério de Minas e Energia, comandado por Edison Lobão, antecedido por Silas Rondeau e Dilma Rousseff, hoje ministra chefe da Casa Civil. Sauer acredita que a "gestão do sistema de energia precisa ser revista". E defende que a ministra Dilma deveria ter feito isso em 2003 e 2004 para sanar falhas deixadas pelo governo FHC em Energia: “O problema está na coordenação muito tênue que existe em Brasília, que já existia no governo anterior, mas que não foi reformada o suficiente neste governo. A reforma de 2003-2004 era a hora de revisar todos esses problemas, como o do abuso tarifário, que é leniência da regulação com o poder do governo
, a falta de confiabilidade e o benefício dado à especulação”.
Ainda que o governo goze de uma grande popularidade e tenha conseguido construir um espaço político de diferenciação com a direita mais conservadora no último período, não houve nos últimos oito anos de governo Lula qualquer mudança qualitativa na estrutura social brasileira e muito menos nos mecanismos de poder, que continuaram com a mesma configuração fisiológica e impermeável a participação direta da população. A força do lulismo apóia-se, em grande medida, na grande redução de expectativas da maioria da população na possibilidade de um projeto de transformação social e mesmo de alternativas de mudanças. Neste sentido, a derrota histórica mais importante do ciclo iniciado nos anos oitenta com a formação do PT e da CUT, do ponto de vista da esquerda, está justamente neste conformismo social decorrente da adesão do governo a administração do capitalismo brasileiro, como sendo a única possibilidade e o único caminho, associado ao fato de que neste processo não tenha surgido uma alternativa social e política com força suficiente para contrapor-se a esta lógica. A máxima deste senso comum, alimentado diariamente pelo lulismo, foi pronunciada pelo presidente da república quando afirmou que Jesus teria que se aliar com Judas e os fariseus para governar o Brasil, num culto ao fisiologismo condenado pela própria CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil).
O enfrentamento desta conjuntura pressupõe, por um lado, o desenvolvimento de fatores objetivos que tornem os limites e a natureza do governo mais evidentes aos olhos da maioria da população, mas por outro lado, pressupõe também a capacidade do nosso partido em identificar qual o eixo do debate que devemos travar na sociedade para que possamos ocupar um espaço a esquerda que nos credencie enquanto uma alternativa para o povo. Neste sentido, a questão crucial para a formação de uma consciência crítica e para o fortalecimento do PSOL nesta conjuntura está no enfrentamento desta nova agenda política aberta pela crise econômica e pelos limites que a mesma aponta sobre o modelo de civilização capitalista, incapaz de resolver a crise social brasileira e a crise ambiental determinada por uma forma de produzir e de consumir claramente incompatível com os limites do planeta.
Em primeiro lugar, é necessário identificarmos quais as forças sociais e os interesses que dão sustentação ao projeto hegemônico representado atualmente pelo lulismo e em que estágio do capitalismo brasileiro este processo está inserido. Nosso ponto de partida para esta análise é que a burguesia brasileira identificou no lulismo uma força política capaz de coordenar os interesses capitalistas nacionais em suas pretensões de ocupar uma maior fatia do mercado latino-americano e mesmo mundial, ainda que baseado em uma predominância dos setores agrário-exportadores, mas não só. A lógica fundamental adotada pelo núcleo desenvolvimentista do governo, representado em grande medida pelo Ministro da Fazenda Guido Mantega e pelo presidente do BNDES Luciano Coutinho, baseia-se em uma estratégia que busca fortalecer grandes empresas brasileiras para que estas tenham capacidade de competir e mesmo de se tornarem empresas líderes em alguns ramos de mercado, sejam elas empresas públicas ou privadas.
No caso das empresas publicas um exemplo importante é a Petrobrás, hoje uma das maiores empresas de extração e refino de petróleo do mundo e com um horizonte de forte crescimento na disputa pela liderança de mercado através do pré-sal. Os bancos públicos representam uma outra ferramenta desta política, na medida em que garantem ao governo o estabelecimento de linhas de crédito para o consumo interno e, o que é mais importante, para o financiamento dos grandes projetos capitalistas nacionais através do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e, principalmente, o BNDES – um dos maiores bancos públicos de fomento do mundo. No âmbito privado, o Brasil conta com líderes mundiais em seus mercados, como no caso da Companhia Vale do Rio Doce (privatizada no segundo governo FHC), além de outras em franco processo de expansão de seus negócios em nível internacional, como é o caso da Odebrecht e da Gerdau, empresas que figuram entre as vinte e cinco multinacionais brasileiras, segundo classificação recente do Valor Econômico (outubro de 2009). Os grandes bancos privados brasileiros, com o Itaú e o Bradesco, que nos últimos anos vem atingindo lucros bilionários devido às altas taxas de juros e aos maiores spread bancários do mundo, também começam a despontar no mundo financeiro enquanto grandes corporações. O que faz jus às afirmações de Lula de que os mais ricos não podem reclamar de seu governo.
Mas aqui há uma diferença de estratégia entre Lula e FHC, construída na transição entre o neoliberalismo mais engajado e o social-liberalismo praticado pelo petista. A estratégia lulista pressupõe o seu fortalecimento político enquanto gestor de um Estado com um pouco mais de capacidade de coordenação da atividade econômica, através do financiamento público a certos projetos empresariais de interesse da burguesia brasileira, da manutenção da presença estatal em algumas áreas estratégicas (como é o caso do petróleo e dos bancos públicos), e da ampliação de uma rede de políticas sociais através dos programas de distribuição de renda. É esta força, adquirida por meio de um Estado mais forte se comparado com a política neoliberal dos tucanos, que dá ao lulismo o poder de interlocução e de coordenação dos interesses capitalistas nacionais, ao mesmo tempo em que garante a um custo muito pequeno se comparado com os gastos financeiros ou com os investimentos do governo, uma larga rede de assistência social através dos programas de transferência de renda – o suficiente para manter base eleitoral que lhe dá sustentação e respaldo popular.
Esta gestão dos interesses capitalistas nacionais, visando o fortalecimento das multinacionais brasileiras, especialmente na América Latina, embora não represente nenhum grau de autonomia em relação ao capitalismo global no que se refere à política econômica e não altere o sentido subordinado de nossa inserção internacional, é parte de uma estratégia que busca consolidar o Brasil enquanto um país subimperialista na região, em um cenário em que o país poderá ocupar, segundo previsões do Banco Mundial, a posição de 5º economia do mundo até 2014. Ainda que a questão social continue sendo marcada por uma situação de extrema desigualdade e os problemas estruturais do país não tenham sido enfrentados, o que significa que as contradições continuam sendo acumuladas, como é típico de qualquer sistema capitalista.
A estas contradições, soma-se a incapacidade do governo em contribuir com o esforço para deter a grave crise ambiental, provocada pelas mudanças climáticas ora em curso. Na verdade, o governo tem contribuído para que o Brasil se torne cada vez mais responsável pela emissão dos gases formadores do efeito estufa, seja por sua leniência em relação ao desmatamento na Amazônia, pela complacência e apoio ao ataque dos ruralistas contra a legislação ambiental, e por vincular seu modelo de desenvolvimento à utilização, sem preocupações ambientais, do petróleo do pré-sal. A briga dentro do governo pelo estabelecimento das metas de redução de emissão que o Brasil levará a Copenhagen, e a escolha de Dilma para chefiar a delegação brasileira, indica que o Brasil, ao invés de se credenciar como defensor de um futuro menos dramático para as gerações futuras, defenderá em Copenhagen o direito de cometer os mesmos erros que já cometeram os países desenvolvidos, até agora os principais responsáveis pelas ameaças climáticas ao futuro da humanidade. Por isso o governo Lula fala em compromisso voluntário para a redução das emissões e de que o cumprimento dos mesmos estará condicionado a exist
ência de recursos financeiros, o que corresponde a não dar qualquer garantia de que cumprirá com os compromissos. Os negociadores já prevêem o fracasso de Copenhagen que, assim como foi Kioto, demonstram a incapacidade de resolução da crise planetária provocada pelas mudanças climáticas, sem que se sejam revistas e superadas as premissas capitalistas de submissão dos recursos naturais e da biodiversidade planetária às necessidades de acumulação e reprodução de lucros.
As características associadas ao modelo desenvolvimentista do lulismo representam uma situação nova na história recente do país, em que uma força política originária das lutas populares e da esquerda torna-se, a partir do Estado, coordenadora dos interesses do capitalismo nacional e, por esta via, da manutenção de sua própria força política. Esta configuração não tem nenhuma relação com a política do velho partidão, de apoio a um setor supostamente progressista da burguesia nacional para desenvolver as forças produtivas nacionais e a luta contra o imperialismo, ao contrário, trata-se de uma estratégia política que busca consolidar uma posição subimperialista do Brasil e de maior importância no tabuleiro político e econômico internacional, ainda que de forma subordinada, a partir de uma associação entre os interesses capitalistas nacionais e os de uma burocracia política originada no seio do movimento sindical. Uma situação também diferente do getulismo, que tinha na sua liderança um político com origens nas classes dominantes.
Fortalecer o PSOL
Estes elementos devem servir de base para que o PSOL faça a análise da correlação de forças entre as classes sociais em luta no Brasil, especialmente sobre a força da burguesia brasileira e do lulismo, para que possamos chegar a uma definição sobre qual política deve ser adotada neste período, onde nosso maior desafio continua sendo o de avançarmos na reconstrução de uma alternativa de esquerda para o Brasil. As eleições de 2010 serão um importante espaço para esta construção, sendo necessário que o partido se afirme enquanto parte de um movimento social e político capaz de oferecer uma alternativa ao lulismo e à direita, contrapondo a estes dois setores a defesa de um novo projeto de desenvolvimento, globalmente distinto e que tenha como eixo fundamental o enfrentamento da grave questão social brasileira, a partir de uma forte política de distribuição de renda, compatível com os limites ambientais e sintonizado com um projeto de integração regional sobre bases solidárias e soberanas. A questão ambiental deve assumir grande centralidade neste debate, tendo em vista que nosso projeto de desenvolvimento para o país deverá ter como eixo a mudança da forma de produzir e da forma de consumir, redirecionando os investimentos públicos para atividades produtivas com maior retorno social e ambientalmente sustentáveis.
A defesa deste programa, baseado em um outro projeto de desenvolvimento e comprometido com a defesa das reivindicações concretas dos movimentos sociais, é o que pode dar base política para o estabelecimento de alianças com outros setores sociais e políticos que não se sentem representados nem pela alternativa petista e nem pela alternativa tucana de desenvolvimento. Por outro lado, é necessário que o partido aprofunde seus laços com as lutas sociais do povo, da classe trabalhadora e da juventude brasileira e latino-americana. Esta identificação do PSOL com a defesa de um projeto de mudança social para o país só será possível se estivermos diretamente vinculados às lutas cotidianas de nosso povo, fortalecendo nossa inserção social e nossa organização partidária, ao mesmo tempo em que agitemos um programa e uma política alternativa. Novamente, não se trata apenas de fazermos propaganda de nossas idéias e de nosso projeto, mas de torná-las compreensivas e desejáveis por parte de grandes parcelas da população, refletindo suas demandas mais imediatas e vinculando-as a um projeto de profundas transformações sociais.
O PSOL precisa ainda dar visibilidade para sua política, seja através de iniciativas parlamentares, de campanhas ou de ações diretas junto com os movimentos sociais. A iniciativa parlamentar do PSOL na crise de Honduras, na criação da CPI da Dívida Pública, ou na ação contra a CPI do MST e a criminalização dos movimentos sociais são exemplos de como podemos incidir positivamente sobre processos nacionais. Da mesma forma no âmbito de alguns Estados, como no caso do Rio Grande do Sul em que nosso partido teve uma atuação destacada na luta contra a corrupção do governo Yeda. Ou no caso do Rio de Janeiro, onde temos visto uma escalada da violência urbana e o aumento da ação genocida da polícia e do Estado contra os pobres, Estado em que o PSOL tem tido uma atuação exemplar por meio do mandato do companheiro Dep. Estadual Marcelo Freixo, ameaçado de morte pelas milícias devido a sua ação em defesa dos direitos humanos e contra a criminalização da pobreza e o extermínio do povo pobre, sendo urgente uma campanha nacional do partido em defesa do mandato e da vida de Marcelo Freixo. Outra campanha nacional que deve ser fortalecida imediatamente pelo conjunto do partido é a campanha em defesa dos dirigentes do MTL de Minas Gerais, vítimas de mais uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais ao terem sido condenados pela justiça a mais de cinco anos de prisão por lutarem pela reforma agrária.
O PSOL, apesar das restrições impostas pela conjuntura, continua sendo uma referência para importantes setores críticos, com os quais temos que intensificar o diálogo. Exemplos recentes foram as filiações de Ildo Sauer ao PSOL de São Paulo, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e um dos maiores especialistas brasileiros na área energética; e a filiação de Marcelo Yuka ao PSOL do Rio de Janeiro, ex-integrante da banda O Rappa e militante das causas populares e dos direitos humanos.
O partido tem ainda atuado de forma decisiva no processo de reorganização do movimento sindical após a ruptura dos setores de esquerda com a CUT. Nos dias 1 e 2 de novembro mais de mil sindicalistas de todo o país, vinculados a INTERSINDICAL, Conlutas, MTL, MTST e outros movimentos sindicais e populares reuniram-se na cidade de São Paulo e resolveram avançar no processo de organização de uma nova Central Sindical disposta a recuperar as bandeiras históricas da classe trabalhadora brasileira, abandonadas pelo sindicalismo governista. Este Encontro Sindical Nacional deliberou pela realização de um Congresso de trabalhadores em junho de 2010, quando será fundada a nova Central Sindical. Um passo muito importante para a reorganização da esquerda sindical e a construção de uma nova ferramenta de luta para a classe trabalhadora. Uma tarefa que deve ser acompanhada e apoiada pelo partido em todos os níveis.
É nesta conjuntura, em que o PSOL luta para fortalecer-se enquanto uma referência programática e de reorganização para esquerda brasileira e aumentar sua influência junto a setores de massa, que o partido enfrentará o debate sobre a tática eleitoral para 2010. Desenvolver este debate junto ao conjunto da militância e dos setores sociais que simpatizam com nosso projeto ou colocam-se na condição de nossos aliados, será a principal tarefa da direção do partido no próximo período. Neste sentido o Diretório Nacional do PSOL, a ser realizado nos dias 4 e 5 de dezembro de 2009, terá a grande responsabilidade de aprofundar o debate programático e sobre a nossa tática para a disputa eleitoral, considerando a necessidade primordial de que o partido busque um ponto de equilíbrio e de unidade para enfrentar os grandes desafios desta nova conjuntura. Da mesma forma que caberá a Conferência Eleitoral definir, de forma soberana, a política que irá orientar a intervenção do PSOL na disputa do processo eleitoral de 2010.
Executiva Nacional do PSOL
Novembro de 2009