Erraram os lutadores e lutadoras que decidiram não participar do processo por entender que não haveria espaço para se fazer avançar pautas progressistas para a comunicação no Brasil. Erraram os grupos empresariais que se retiraram do processo apostando que ele se inviabilizaria de forma natural e automática. A convocação e a realização desta conferência foi uma conquista e uma vitória dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação.
Por Pedro Ekman
A diversas imposições do oligopólio e as respectivas acolhidas do governo e do setor governista da sociedade civil não inviabilizaram a conferência e não conseguiram impedir que resoluções extremamente avançadas fossem preteridas em nome da governabilidade e de jogo eleitoral de 2010.
A primeira e maior vitória deste processo talvez tenha sido a ampliação do debate desta pauta para além dos círculos de especialistas. Seja pela aproximação ao tema feita por diversos movimentos, seja pela repercussão que o debate e seus resultados estão tendo nos grandes veículos que tentam justificar por que os que se autodenominam “defensores da liberdade de expressão” se recusaram debater em público e agora esperneiam do lado de fora.
Nesse sentido, a participação da ABRA e TELEBRASIL foi importante para conferir legitimidade ao processo. No entanto, essas corporações certamente não estavam imbuídas de um sentimento cívico republicano incontrolável, mas sim, negociando a participação em um espaço onde só teriam a perder pela aberturas por outro onde só tem a ganhar: mais e melhores canais de relacionamento nos corredores do governo preterido pela ABERT. A ABRA perdeu tudo em uma conferência não deliberativa e ganhou espaço nos corredores onde a política de fato se define.
O segundo saldo que podemos tirar desse processo consiste no fato do movimento de comunicação ter se demonstrado em claras possibilidades de disputa. O setores escalados pelo governo para garantir que, em vez de enfrentamento com o oligopólio existisse conciliação, tiveram enormes dificuldades em justificar por que um modelo de conferência com suas etapas municipais e estaduais esvaziadas e despolitizadas e um processo em que se permitia o veto sensível se justificava em nome da participação do setor empresarial e suas imposições que se repetiam no jogo de 3 ultimatos e um game over.
A ameaça constante do setor empresarial testava o comprometimento do governo e os cacifava para as reuniões de gabinete pós conferência. CUT, FNDC, FENAJ e parte da ABRAÇO que haviam recebido a missão de acalmar os movimentos para que uma conferência pudesse cumprir os dois papéis pretendidos pelo governo:
1- Estabelecer um debate sobre comunicação “nunca antes visto na história desse país” mesmo que o resultado fosse genérico e sem efeito dadas as exigências do capital.
2 – Possibilitar um cenário onde o setor empresarial pudesse figurar de forma a não romper sua lua de mel com o governo.
Com isso o processo eleitoral estaria duplamente capitalizado tendo sido atendidos (ainda que parcial e precariamente) os movimentos sociais sem se romper os laços cuidadosamente tecidos pelos interesses que impõe a governabilidade historicamente em nosso país. O principal legado deste governo pode uma vez mais ser presenciado ao vivo e a cores: em nome do “possível” doses cavalares de anestesia foram administradas e o Lulismo se demonstrou mais uma vez como o melhor instrumento para a máxima: “Algumas coisas tem que mudar para que tudo fique como está.”
A correta movimentação do Intervozes na comissão organizadora acabou trazendo as entidades da sociedade civil que até então faziam a contenção governista a todo custo para uma ação de tentar impedir que o ultimato final do setor empresarial se consolidasse: o veto sensível nos grupos de trabalho.
No entanto, uma pesada intervenção do planalto reverteu a posição que as entidades haviam tomado em um momento de fraqueza levando-as, por um breve momento, a disputar um modelo de participação popular menos cenográfico. O cavalo de pau não passou despercebido e o que vinha acontecendo ao longo de todo o processo de construção da conferência se revelou de forma nua e explícita naquele momento.
Esse fato nos permite dizer que esse movimento de massas hegemonizado pela prática da conciliação está em disputa pelos que quiserem construir a cultura do enfrentamento necessário. No entanto, a disputa é muito dura e o poder de cooptação é muito maior do que pequenas contradições de método nos revelam. Uma nova carga do governismo deslocou rapidamente a maioria esmagadora dos descontentes para um acordo que “garantia” a permanência da ABRA no processo. A disputa existe, mas será extremamente dura e complexa.
A última grande vitória que identifico nesse processo foi a polarização entre o oligopólio e todos os demais setores na votação dos temas polêmicos. Se em um primeiro momento CUT, FNDC e FENAJ tentaram disputar na sociedade civil um plataforma de propostas que variavam do coorporativismo do diploma ao que eles definiam como “temas exeqüíveis” rebaixando a pauta para o mais próximo do consenso com os empresários e o governo, na plenária final esse assunto simplesmente sumiu e a plataforma de reivindicações históricas do movimento vieram naturalmente a tona em uma polarização com o oligopólio que arrebatou até mesmo os delegados do poder público. Ministros e secretários brincavam que na próxima conferência teriam que rever o voto secreto pois as orientações de votação (distribuídas em papel impresso) não estavam sendo cumpridas. A aparente desistência do setor empresarial em barrar determinadas propostas revela um pouco da sua responsabilidade com os resultados concretos da conferência. A radicalização do caderno de resoluções poderá acabar cumprindo dois papéis não tão previstos pelo governo:
1- O movimento irá cobrar a vitória que obteve mesmo sob ameaças e sabotagens.
2- O oligopólio já está cobrando do governo a perda de controle dos resultados “acordados”.
Pedro Ekman – Secretário Geral do Diretório Municipal do PSOL de São Paulo