“É hora de democratizar as comunicações no país”
Em discurso no plenário da Câmara, nesta terça-feira 15, o deputado Ivan Valente destacou a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que acontece esta semana, em Brasília. “A Conferência se mostra um espaço no qual os cidadãos e cidadãs podem, pela primeira vez, apresentar suas demandas e propostas para o setor”.
Leia a íntegra do discurso do deputado Ivan Valente.
“Sr. Presidente, Senhoras e Senhores Deputados
Começou nesta semana, aqui em Brasília, a I Conferência Nacional de Comunicação. Trata-se de um processo que, mesmo antes de sua conclusão, já marcou a luta daqueles que há décadas reivindicam mudanças nas comunicações em nosso país. A Confecom é fruto da mobilização popular de diversos segmentos que, ao contrário de outros setores, que nos últimos anos viram dezenas de conferências acontecendo, seguiam excluídos da possibilidade de participar das definições da regulamentação e das políticas públicas de comunicação no Brasil.
Historicamente, as decisões sobre a mídia em nosso país são tomadas sem a participação democrática da sociedade. Um dos resultados é um cenário de grande concentração da propriedade dos meios e pouca pluralidade e diversidade na mídia. São pouquíssimas vozes falando e milhões ouvindo. Neste cenário, nossa diversidade racial, étnica, regional, de gênero, de orientação sexual, etária… nenhuma delas está de fato representada na esfera pública midiática.
A Conferência Nacional de Comunicação tem se mostrado, então, um espaço no qual os cidadãos e cidadãs podem, pela primeira vez, apresentar suas demandas e propostas para o setor. Um momento tanto de afirmar objetivos gerais para um sistema de comunicações no país quanto de apontar diretrizes para regulação e políticas públicas, estabelecendo referências para a construção de um novo modelo institucional para a área – um desafio que não pode ficar restrito às opiniões dos especialistas e profissionais, que precisa abarcar o conjunto dos anseios do povo brasileiro.
Uma das questões centrais do novo marco legislativo do setor será a regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam deste tema. Entre eles, o artigo 220, que proíbe o monopólio das comunicações no país. Para contribuir com esta discussão, nosso mandato apresentará nos próximos dias um Projeto de Lei que proíbe a propriedade cruzada dos meios de comunicação, de forma a limitar de forma horizontal e vertical a propriedade das empresas que atuam na cadeia produtiva da mídia brasileira. O objetivo do PL é garantir a pluralidade e a diversidade, hoje tão restritas num sistema extremamente concentrado de comunicação.
A Conferência é um espaço privilegiado para a afirmação desses princípios e, conseqüentemente, uma oportunidade histórica para o avanço da luta pela democratização da mídia no Brasil, sem temer conflitos com aqueles que historicamente ajudaram a consolidar o vergonhoso monopólio característico do setor.
São exatamente os chamados donos da mídia que têm atuado no processo desta Conferência para garantir que tudo siga como está. Basta olhar para a configuração prevista para esta etapa nacional, que se aproxima. Não há qualquer justificativa razoável para que os empresários do setor tenham garantidos, de antemão, 40% do universo dos delegados e delegadas da Conferência, cabendo à sociedade civil não empresarial a mesma cota e, aos entes do poder público, 20%. Nas mais de cinqüenta conferências realizadas de 2003 até hoje não existe qualquer precedente neste sentido. Tal proposta de composição torna-se ainda mais estranha ao espírito das conferências diante da constatação de que as posições das empresas de comunicação já são inegavelmente hegemônicas em toda a história da regulação do setor no Brasil.
A situação piora ao perceber a imposição dos empresários também de um quórum qualificado de 60% para aprovação de “temas sensíveis”. Somada à reserva de 40% dos delegados para o setor empresarial, o quórum qualificado, na prática, conferirá um poder de veto a toda e qualquer proposta que representar a mínima ameaça à hegemonia dos grupos dominantes na comunicação brasileira.
Uma delas, já propagada por representantes do governo, incluindo o Ministro Hélio Costa, em entrevista concedida ao programa Roda Viva esta semana, é a resistência à institucionalização de mecanismos de controle social das comunicações. Tema caro e reivindicação histórica daqueles que lutam pela democratização da mídia, o controle social é afirmado como ameaça à liberdade de expressão das empresas – as mesmas que, historicamente, são responsáveis para que a voz dos excluídos jamais seja ouvida no debate público. Às vésperas da I Confecom, Senhor Presidente, é preciso afirmar que não são as empresas de comunicação que têm sua liberdade ameaçada, e sim os movimentos populares que querem a transformação do país.
Na última semana, uma das lideranças da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) em meu estado simplesmente foi detida pela Polícia Civil do governo Serra – que sequer tem prerrogativa para atuar neste campo – quando acompanhava uma ação ilegal de fechamento de uma emissora comunitária no interior de São Paulo. Esta é mais uma prova da truculência com que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, ainda trata defensores da real liberdade de expressão, como o companheiro Jerry de Oliveira, da Abraço de Campinas. Jerry estará em Brasília como delegado eleito à etapa nacional da Conferência. Se somará a centenas de outros que, vindos de todos os estados do Brasil, travarão mais uma dura batalha por outra comunicação em nosso país.
Um batalha que ainda enfrenta desafios gigantes, como a presença de um legítimo representante dos interesses dos grandes radiodifusores à frente do Ministério das Comunicações do Brasil. Não é à toa que, sob a batuta do Sr. Hélio Costa, o país jogou na lata do lixo a possibilidade de democratizar de fato as comunicações, ao escolher o padrão japonês para implantar a TV digital – além de publicar um decreto inconstitucional consignando outorgas digitais às concessionárias do serviço analógico sem passar pelo Congresso Nacional. Também não é à toa que, durante o governo Lula, foram fechadas mais rádios comunitárias do que no mandato de FHC e que milhares de processos de emissoras comunitárias estão parados no Ministério das Comunicações. Que foi na gestão de Hélio Costa que a legislação de telecomunicações foi alterada para permitir a fusão da Oi com a Brasil Telecom. E que agora, tramita no Congresso Nacional, um projeto de lei do então Senador Helio Costa que reduz ainda mais a transparência na gestão das concessões de rádio e TV, reduzindo o papel de fiscalização do Estado deste serviço que, apesar de totalmente privatizado, ainda é público.
Tudo isso estará em discussão na Confecom. Aos defensores e defensoras do direito à comunicação, reafirmamos nosso compromisso com a democratização da mídia, esperando que a Conferência seja o início de um processo real de transformação, para dar voz ao nosso povo e força à nossa democracia.”