Escrito por Valéria Nader do Correio da Cidadania
O ano de 2008 encerrou-se melancólico no Brasil e no mundo, com a explosão da crise econômica internacional. Em nosso país, parecia estar-se adentrando em uma conjuntura improvável, quase um pesadelo, após alguns anos de forte crescimento econômico.
Como se situar agora, nesse final de 2009, exatamente um ano depois, diante de uma crise explosiva e que, aparentemente, parece mesmo não ter passado da ‘marolinha’ tão criticada por economistas que possuem visão crítica do atual sistema capitalista? Teremos todos nós estado realmente diante de uma mera marolinha?
A rapidez com que foi retomada a nova onda de otimismo e euforia não deixa margem para visões ingênuas, para não dizer precárias. Nessa edição especial retrospectiva, nossos colunistas e colaboradores tentam aprofundar esse entendimento. E o nosso entrevistado especial é o economista Luiz Filgueiras, professor da Faculdade de
Economia da Universidade Federal da Bahia.– e autor, entre outros, do livro História do Plano Real.
Correio da Cidadania: Encerramos 2008 e começamos 2009 sob o fogo cerrado da crise econômica internacional que estourou em setembro de 2008, e com a previsão de que o mundo e o Brasil passariam pela mais dramática crise desde 1929. Pensando no Brasil, parece estar se configurando um clima de otimismo, quase euforia, nesse final de 2009. Como estamos encerrando, realmente, 2009?
Luiz Filgueiras: O mundo, de fato, passou pela pior crise do capitalismo desde 1930. Especialmente os países desenvolvidos: desestruturação e colapso dos sistemas financeiros; queda da produção e do emprego; falências de grandes corporações, fusões e aquisições, com enorme centralização de capitais. No entanto, acredito que pelo menos três razões pesaram para que a crise não continuasse a se aprofundar, diferentemente de 1929:
1) A intervenção quase que imediata de todos os Estados, encampando e estatizando instituições falidas; promovendo a aquisição de umas por outras; injetando bilhões de dólares, euros e iens; além das tradicionais medidas de política monetária e fiscal, como a queda da taxa de juros, a expansão do crédito, a redução de impostos e o aumento dos gastos públicos. Nos anos 1930, a intervenção do Estado foi protelada, em razão da crença dogmática no livre mercado, o que dramatizou enormemente a crise. Agora, o credo do livre mercado e de sua eficiência também estava difundido, mas muito mais como ideologia e instrumento de dominação do capital sobre o trabalho; quando a crise começou, a demanda e até exigência do socorro estatal foi mediata.
O fantasma de 1929 rondou ameaçador e o capital não teve dúvidas, recolheu momentaneamente o discurso neoliberal e se protegeu sob as asas do Estado, o que explicitou, claramente, o papel do Estado como "Comitê Central da Burguesia". É sintomática a absoluta irrelevância do FMI e de suas proposições no enfrentamento da crise, explicitando também o seu papel político-ideológico de dominação sobre os países da periferia.
2) A presença da China, com uma enorme e dinâmica economia (a que mais cresce e já com o 3º PIB do mundo) integrada à acumulação capitalista mundial, mas ainda com forte controle estatal, contra-restou a difusão da crise a partir dos EUA, em especial mantendo-se ainda como forte demandante de matérias-primas dos países da periferia, impedindo o colapso do comércio internacional. O capitalismo "heterodoxo" chinês, apesar de sua forte relação comercial, produtiva e financeira com os EUA, não foi abalado fortemente; sua elevadíssima taxa de crescimento se reduziu um pouco momentaneamente, mas não levou o país à recessão. O mesmo ocorrendo com a Índia, nesse particular.
O Brasil foi fortemente beneficiado por essa circunstância, embora tenha ocorrido uma queda importante do seu comércio internacional, principalmente com os países desenvolvidos. Além disso, a pouca relação do sistema financeiro doméstico com o epicentro da crise – localizado no mercado imobiliário dos EUA e nas suas imbricações com o seu sistema financeiro – exigiu uma intervenção do Estado, para socorrê-lo, de menores proporções.
3) A praticamente ausência de reação por parte dos movimentos sociais e dos trabalhadores e, portanto, a inexistência de contestação à socialização dos prejuízos comandada pelos Estados, com o aumento gigantesco das dívidas públicas e o ajuste recaindo sobre os trabalhadores, na forma de desemprego e precarização do trabalho.
CC: Ainda que as estatísticas mensais do Brasil não tenham se recuperado relativamente aos meses correlatos de 2008, vários dados relativos à produção industrial, consumo das famílias, rendimentos e emprego formal têm mostrado uma recuperação em 2009, quando se tem em vista os meses imediatamente anteriores. Esses dados são então significativos no sentido de indicar que houve uma ação eficaz do Estado brasileiro contra a crise, e de que não houve o retrocesso previsto?
LF: A crise bateu duro no Brasil também; a bolsa de valores despencou, o crédito se retraiu e tivemos duas quedas trimestrais sucessivas do PIB, o que reduzirá o crescimento de 2009 para próximo de zero. Em seis meses foram destruídos quase todos os empregos gerados nos oito anos anteriores. E a realidade não foi pior por três razões:
A primeira é que o governo, apesar da conhecida e dogmática ortodoxia do Banco Central – que chegou a elevar a taxa de juros quando a crise internacional já estava explícita -, fez a intervenção que todos os países fizeram; políticas fiscais e monetárias contra-cíclicas, isto é, redução de impostos, manutenção dos gastos públicos, redução da taxa de juros e expansão do crédito; tudo isto apoiado nos bancos estatais. Além disso, o problema maior que se apresentou no sistema financeiro, isto é, os prejuízos de inúmeras empresas exportadoras com a especulação no mercado futuro de câmbio, teve no Estado um colchão amortecedor que propiciou ampla e imediata liquidez para os bancos e financiamento para fusões de empresas e instituições através do BNDES. Com essas políticas, a queda da atividade no mercado interno foi abrandada. Mas isso só foi possível em razão da duração relativamente curta dos momentos mais dramáticos da crise.
A segunda razão é que a situação superavitária das contas externas do país, com indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural favoráveis – propiciados pelo crescimento da economia mundial entre 2003 e 2007 -, além da extrema gravidade da crise nos países centrais, implicou uma fuga de capitais do Brasil relativamente reduzida. Não houve crise cambial, como foi o caso de 1999 (com câmbio fixo) e de 2002 (com câmbio flutuante); apesar da desvalorização do real ter sido grande e ter incomodado. Por isso, as reservas cambiais foram afetadas marginalmente. Por outro lado, a própria desvalorização do câmbio ajudou a ajustar as contas externas que, ao contrário do que se imaginava, reduziram o déficit da conta corrente – as importações se reduziram mais que as exportações e as remessas de lucros e dividendos, bem como os gastos com viagens, caíram.
O terceiro motivo é que a rápida duração da crise, em particular de seu momento mais crítico, permitiu a recuperação do mercado interno depois de dois trimestres de recessão, pois a retomada das atividades não se fez sem a contrapartida do crescimento das exportações e o retorno dos capitais estrangeiros – condição para que a recuperação não se chocasse com o estrangulamento externo. D
e qualquer forma, ficou evidente que a economia brasileira não estava "blindada" contra a crise; os indicadores favoráveis de vulnerabilidade externa, inclusive as reservas de 200 bilhões de dólares, ajudaram, mas o fundamental, para a retomada já a partir do segundo trimestre de 2009, foi a falta de alternativas de aplicação financeira fora do país, a manutenção da atividade econômica da China e a duração relativamente curta da crise.
CC: No que se refere à recuperação do mercado financeiro, especialmente a forte retomada do índice Bovespa, o que pensa? Estaríamos diante de uma nova bolha no Brasil?
LF: Os mercados financeiros, inclusive o do Brasil, foram os primeiros a serem afetados pela crise; a crise eclodiu no mercado financeiro dos EUA que entrou em colapso, se difundiu para os mercados financeiros de outros países e adentrou as atividades produtivas. Na saída da crise, a tendência é o mercado financeiro antecipar-se às inflexões que ocorrem mais lentamente na esfera produtiva. No entanto, o retorno da especulação nas bolsas de valores e nos mercados futuros indica que o modus operandi do sistema continua o mesmo, porque não houve qualquer alteração estrutural e institucional do atual padrão de acumulação capitalista. E isto não se resume apenas à necessidade de uma maior regulação do capital financeiro, como enfatizam alguns economistas bastante conhecidos, como Paul Krugman e Nouriel Roubini. Mas que têm razão no que se refere à existência de um processo de formação de uma nova "bolha", agora puxada pelos "países emergentes".
Esse movimento também indica que, nas bolsas de valores, de todo o mundo, se assiste à luta desesperada de parte da riqueza financeira acumulada na forma de ações – que foi desvalorizada, mas não destruída -, de recuperar os seus níveis anteriores à crise. Esse desespero, que tem por base a recusa em admitir as perdas, alimenta uma nova onda de otimismo e euforia, que se auto-alimenta e evidencia, em virtude da rapidez com que foi retomado o processo, a natureza radical da instabilidade que governa o atual padrão de desenvolvimento capitalista.
CC: Qual a sua opinião quanto ao estado em que se encontram as economias da América Latina, passado o período mais crítico da crise mundial?
LF: As economias da América Latina foram afetadas de modo desigual pela crise. Aquelas mais dependentes das exportações de apenas um ou poucos produtos, direcionados principalmente para os países desenvolvidos, sofreram mais, com grandes quedas do PIB, como foram os casos do México, da Venezuela e do Chile. Todos os países latino-americanos, inclusive o Brasil, do ponto de vista estrutural, saem da crise da mesma forma como entraram, isto é, sem grandes transformações de suas respectivas bases produtivas e inserções internacionais.
O Brasil, em particular, evidencia isso, quando se compara a situação presente com a crise de 1929. Nesta última, dado o menor grau de mundialização do capital, o colapso do comércio internacional e a crise de sua economia primário-exportadora que já estava em andamento mesmo antes da crise, o país caminhou para a industrialização, tendo o Estado um papel fundamental. Agora, o país volta a ocupar o mesmo papel na divisão internacional do capital, a partir de uma mesma base produtiva; as descobertas e exploração do pré-sal, ao contrário do que muitos pensam, reafirmam a posição de país exportador de commodities e produtos de baixo conteúdo tecnológico. Podendo inclusive aprofundar a sua especialização produtiva nessa direção – caso não haja uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior deliberada por parte do Estado no sentido de diversificar a sua base produtiva para a fabricação de produtos de alto conteúdo tecnológico.
E, nesse contexto, a política cambial passará a ser, mais do que nunca, decisiva, no sentido de impedir a tendência já explícita de valorização do real, que dificulta e impede o desenvolvimento de ramos industriais mais sofisticados dentro do país.
CC: Quanto às economias desenvolvidas, especialmente os EUA, como acha que atravessaram a tormenta? Há indícios de retomada? Elas sofreram realmente maior impacto da crise do que economias emergentes, como o Brasil?
LF: Não há dúvida de que as economias centrais sofreram muito mais com a crise. No momento, a sua fase mais crítica já foi ultrapassada, mas o rastro deixado foi impressionante. Em particular no que se refere à queda da atividade econômica, à elevação das taxas de desemprego, à maior precarização do trabalho, às falências de empresas e instituições financeiras e, sobretudo, à grande elevação das dívidas públicas.
Esta foi a maior crise da era recente de mundialização do capital, que já tivera inúmeras outras crises mais localizadas: desde o ataque à libra esterlina no final dos anos 1980; passando pela crise financeira do Japão, que levou à estagnação de sua economia nos anos 1990, e a bolha especulativa das empresas ponto.com, negociadas na bolsa de valores Nasdaq; até as crises do México, da Ásia, da Rússia, do Brasil e da Argentina. A diferença fundamental da atual é que ela se originou nos países centrais do capitalismo, todos conectados através dos mercados financeiros, o que arrastou todos os países do mundo.
CC: Quanto à economia chinesa, hoje a maior aplicadora nos títulos da dívida americana, apresentou também neste final de ano números indicativos de uma retomada econômica. Trata-se de uma retomada vigorosa, de forma a que possa até eventualmente tornar-se um pólo hegemônico mundial?
LF: A China já é, sem dúvida, um dos pólos fundamentais da economia mundial. Eu acredito que já estamos ultrapassando a "Era da hegemonia mundial solitária dos EUA", que ficou evidente a partir da derrocada do chamado "Socialismo Real". A atual crise expressou isso; ela só não foi pior em virtude da força da economia chinesa, que conseguiu manter ainda um elevado ritmo de crescimento e, por conseqüência, abrandar a crise na periferia do capitalismo.
E a sua imbricação produtiva, comercial e financeira com a economia dos EUA é cada vez maior, cuja unidade contraditória deverá ditar, cada vez mais, os rumos do capitalismo e da humanidade. O recente fracasso da Conferência de Copenhague é paradigmático do novo período histórico, político e econômico do capitalismo: quem decidiu "não decidir nada" e protelar quaisquer medidas mais efetivas para combater o efeito estufa foram os EUA e a China – os maiores poluidores do planeta. O primeiro querendo preservar o seu padrão de consumo insustentável e a segunda querendo manter suas elevadas taxas de crescimento
CC: Muito se destacou acerca da necessidade de uma nova regulamentação do sistema financeiro mundial. Avançou-se algo nesse sentido?
LF: Até agora, nada foi feito nesse sentido, ou seja, não houve qualquer alteração no atual padrão de acumulação capitalista, cuja característica fundamental é a hegemonia absoluta do capital financeiro e de sua lógica de funcionamento – que penetrou em todas as instâncias e atividades econômicas, inclusive no âmbito do consumo das famílias de maior renda.
Portanto, a extrema instabilidade e a volatilidade das relações econômico-sociais são características estruturais dessa forma de capitalismo, que radicalizou todas as suas principais e mais essenciais tendências, em especial a concentração e centralização de capitais e da riqueza, o descolamento da esfera financeira da esfera produtiva e a permanente ameaça de crise.
Na verdade, até agora, o capital está caminhando pela linha de menor resistência e tenta superar a crise mantendo, no fundamental, o atual padrão de acumulação. E a razão fundamental dessa escolha se deve, além da óbvia hegemonia
do capital financeiro, à ausência de um forte movimento socialista internacional da classe trabalhadora.
CC: Fala-se muito sobre as formas que pode assumir a recuperação, em V, em W, em U. Como acha que vai seguir de agora em diante a economia brasileira, em particular, e também a economia mundial?
LF: Acredito que essas distintas formas, eventuais, de recuperação da economia mundial não dão conta da natureza mais imanente do atual padrão de acumulação capitalista. E também não expressam o cerne do problema, que a meu ver vem se anunciando há mais tempo, qual seja: o capitalismo, a partir dos anos 1970, entrou numa fase de baixo crescimento econômico de longo prazo, uma espécie de semi-estagnação, que inclui alguns curtos momentos de acelerado crescimento, alternados por crises financeiras de maior ou menor monta.
A nova fronteira da acumulação na China atenua essa tendência, mas não a elimina e apenas a modera e a joga para frente no tempo. A própria discussão em torno dessas formas de saída da crise expressa uma visão de curto prazo, que caracteriza o movimento do capital no atual padrão de acumulação e que influencia nas próprias questões a serem formuladas e na identificação dos problemas considerados relevantes. Em outras palavras, os economistas e insiders do sistema são pautados também pela lógica do capital financeiro.
CC: A crise, na medida em que pôs em xeque as políticas neoliberais, trouxe à tona várias discussões acerca das políticas de caráter keynesiano, com reforço da regulação e dos gastos públicos como forma de reordenar a economia mundial. Vários estudiosos são, no entanto, pessimistas quanto a soluções "nacionais" para a crise global nos marcos do atual sistema capitalista mundial, em face da complexa teia de relações comerciais e produtivas que unifica esse sistema, com controle absoluto do Estado pelos grandes conglomerados internacionais. O que pensa disto?
LF: Na verdade, estamos presenciando a superação conjuntural da crise, com a recuperação da demanda efetiva, a partir de um enorme endividamento dos Estados. Porém, a socialização dos prejuízos e a adoção de políticas monetárias e fiscais expansionistas, como as que vêm sendo utilizadas, são condições necessárias, mas não suficientes.
Embora, num primeiro momento, elas tenham reduzido os estragos da crise e reativado a demanda efetiva, não alteram, no fundamental, as características básicas do padrão de acumulação – que o tornam radicalmente instável e que levaram à atual crise. Por isso, a tendência é de que as flutuações econômicas se tornem mais intensas, com a reiteração de crises periódicas em intervalos mais curtos – intercaladas por surtos efêmeros de crescimento e tendência à estagnação prolongada. De fato, no plano mundial, a superação da crise, pelo capital, demanda mudanças estruturais no padrão de acumulação.
Além disso, o enorme endividamento dos Estados dos países desenvolvidos, decorrente dessas políticas, terá fortes e duradouras repercussões no ritmo de acumulação e desenvolvimento capitalista. Particularmente importantes serão os seus efeitos sobre a capacidade do dólar de continuar mantendo o seu papel de moeda-reserva internacional. Ademais, a relação China-EUA, aparentemente "virtuosa" e complementar, até a eclosão da crise, tenderá a ser questionada, cada vez mais, pela disputa de mercados e fontes de recursos naturais – condição fundamental para a manutenção/superação da hegemonia dos EUA. O mesmo se pode dizer de uma maior regulação dos mercados e dos fluxos financeiros; ela tem limites claros: além das dificuldades praticamente intransponíveis de "enjaular" o capital financeiro, não poderá retroceder a mundialização das finanças nem a internacionalização já alcançada palas forças produtivas.
Por outro lado, a nova fronteira de expansão da acumulação – sobretudo a China e a Índia – não permite que a super-exploração e a precarização do trabalho, em escala global, sejam revertidas por iniciativa do próprio capital – permitindo a redistribuição dos ganhos de produtividade. A essas dificuldades adiciona-se a impossibilidade de globalização do padrão de consumo dos países desenvolvidos, em especial dos EUA. A expansão da acumulação, com base nesse padrão, se defronta, cada vez mais, com poderosos limites externos ao capital: o rápido esgotamento dos recursos naturais e a deterioração, incrivelmente acelerada, do meio-ambiente.
Por fim, o capital financeiro não abrirá mão, voluntariamente, da apropriação direta do Estado, que lhe permite conduzir seus interesses à margem do controle das instituições clássicas da democracia liberal: partidos políticos e parlamentos. Por isso, nunca é demais reafirmar que a razão fundamental para que o capital encaminhe a solução da crise pela linha de menor resistência se deve, sobretudo, à ausência de um forte movimento socialista internacional da classe trabalhadora e, portanto, à inexistência de um projeto político alternativo socialmente amparado.
CC: O que seria, nesse sentido, a seu ver, um efetivo enfrentamento da crise em nosso país? Há condições políticas, e sociais, para este enfrentamento?
LF: Como já afirmei anteriormente, o país saiu da crise em razão de circunstâncias externas e da adoção de políticas anti-cíclicas – única alternativa disponível. No entanto, sai da crise, do ponto de vista estrutural, da mesma forma como entrou. O modelo de desenvolvimento continua o mesmo e sujeito às mesmas vulnerabilidades. Por outro lado, não há evidentemente uma saída exclusivamente nacional, pelo alcance já tomado pela mundialização do capital e a natureza profundamente internacionalizada da economia brasileira.
Mas, dentro dessas condições, não há um único caminho. A trajetória futura pode manter e até fragilizar a economia brasileira frente aos ciclos da economia mundial ou, alternativamente, pode reduzir suas fragilidades, a depender das escolhas que forem vitoriosas politicamente – o que inclui a questão do pré-sal, bem como a natureza das políticas industriais, tecnológicas e comerciais do Estado.
De qualquer forma, a implementação do projeto desenvolvimentista a partir do Estado, e por ele guiado, já não tem condições históricas de ser ressuscitado. O nível de integração e dependência da burguesia brasileira inviabiliza-o por definição sob a prevalência do capitalismo. E principalmente em sua fase imperialista, a dependência é uma característica estrutural da economia e da sociedade brasileira, assim como dos demais países periféricos.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.
Entrevista publicada pelo Correio da Cidadania em 27/12/09 – http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_frontpage&Itemid=1