Em pronunciamento no plenário da Câmara, o deputado federal Ivan Valente manifestou seu repúdio à absurda decisão da Uniban de expulsar a estudante Geisy Arruda. Para o deputado, tal ação revela o descompromisso dessa instituição com valores básicos da educação e com o papel que deve desempenhar uma universidade, ao mesmo tempo em que incentiva o machismo, o preconceito e a intolerância. Para debater a questão, Ivan Valente apresentou um requerimento de Audiência Pública na Comissão de Educação da Casa.
“Sr. Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
O impensável aconteceu, demonstrando o quanto nossa sociedade segue permeada por valores reacionários e intolerantes. A aluna da Uniban, cujo caso já havia chocado o país por tamanha violência praticada dentro de uma universidade, foi expulsa do quadro discente da Universidade Bandeirante neste final de semana. Geisy Arruda, estudante de Turismo, ficou sabendo da sua expulsão pela mídia, o que demonstra um desrespeito ainda maior da direção da instituição. Segundo o comunicado, publicado nos principais jornais do país, a aluna estaria frequentando “as dependências da unidade em trajes inadequados, indicando uma postura incompatível com o ambiente da universidade”. Em relação ao ocorrido no último dia 22 de outubro, a direção afirma que Geisy “ensejou de forma explícita os apelos de alunos”, numa atitude “provocativa” que “resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar”.
Ora, Sr. Presidente, quem sofreu neste dia toda sorte de humilhação por usar um vestido curto para ir à aula foi justamente a estudante. As cenas, distribuídas pela internet e veiculadas sem cessar na televisão, comprovam o quão arraigados estão em nosso país o machismo e posições de extremo conservadorismo. As cenas de fúria e delírio coletivo constatadas nos corredores da Uniban beiram o fascismo que não pode ser tolerado sob nenhuma hipótese. Xingada, acuada e ameaçada por adolescentes – homens e mulheres – a jovem Geisy Arruda só conseguiu deixar o campus escoltada pela Polícia Militar. Entre sua chegada na universidade e o momento da fuga, foi obrigada a ouvir inclusive aclamações por estupro.
Agora, a direção da Uniban diz que a responsável pelas agressões foi a própria estudante, que de vítima da ira incontrolável de um bando de jovens ferozes foi transformada em ré. A direção da universidade, que já tinha sido omissa a ponto de não garantir o tratamento digno de uma de suas alunas dentro de suas dependências, em vez de sair em defesa de Geisy, alega que sua expulsão é a expressão institucional de “apoio aos 60 mil alunos injustamente aviltados” num “flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”. Vale lembrar que não é a primeira vez que fato semelhante acontece nesta instituição de ensino sem que medidas concretas sejam adotadas para evitar sua repetição.
Lembro também, Senhoras e Senhores deputados, que a prática de imputar às mulheres a responsabilidade por agressões sofridas por elas é algo corriqueiro nos casos de violência contra a mulher. Basta ler a fala dos agressores nas investigações levadas a cabo pelas Delegacias da Mulher Brasil afora.
Quando é para tratar a mulher como uma mercadoria e seu corpo como algo a ser consumido, de acordo com a sua conveniência, a sociedade não recrimina – pelo contrário, valoriza – pernas descobertas. Mas quando um vestido curto cor de rosa chama atenção demais, é hora de mandar esta mulher para o pelourinho, que quase foi instalado no centro do prédio da Uniban. Ali, sob o julgamento de jovens descontrolados, impulsionados pelo combustível da moralidade reacionária, era a hora da opressão ao corpo feminino.
Além disso o fato expõe a face perversa de um sistema de ensino que nos últimos anos vêm insistindo num modelo tecnocrata, extremamente competitivo e individualista. Nossas escolas sofrem com uma padronização irracional, que desconsidera diferenças, impondo um modelo centrado apenas em conteúdos que podem ser medidos nas diversas provinhas e provões e que reduz a educação a processos mecânicos de transmissão de informação. Modelo que tem subtraído do trabalho escolar a sua dimensão mais importante: a formação de cidadãos e cidadãs críticos e conscientes que busquem a construção de uma sociedade justa, livre de preconceitos e intolerâncias.
A mensagem que temos enviado a essa juventude é outra, uma necessidade constante de competir, de superar o outro, uma lógica mercantil de que tudo pode ser transformado em objeto a ser consumido ou descartado, uma perspectiva de sociedade na qual as desigualdades são justificadas pela falta de mérito, um modo de se relacionar nos espaços coletivos em que o diálogo e o debate foram substituídos pelo controle e formatação através de premiações e punições.
Num sistema em que as relações humanas foram deixadas de lado, não surpreende que prevaleça a barbárie. Temos que repensar os rumos e os princípios que orientam a educação brasileira. Por isso, apresento hoje, em conjunto com a deputada Angela Portela, do PT de Roraima, um requerimento para discutirmos o caso da Uniban na Comissão de Educação e Cultura desta Caso. E concluo, Sr. Presidente, manifestando nossa solidariedade à estudante Geisy Arruda, nosso mais veemente repúdio à postura da Uniban e nossa expectativa de que o Ministério da Educação dê consequência ao praticado por esta instituição de ensino brasileira.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal do PSOL/SP
Câmara dos Deputados – 9/11/09