Reproduzimos, abaixo, a entrevista do Ildo Sauer concedida à Radioagência NP. Sauer foi ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e é um dos principais estudiosos do setor de energia. Recém filiado ao PSOL, Sauer estará no debate organizado pelo partido no próximo sábado (21) para discutir, junto com o deputado Ivan Valente, o pré-sal e o modelo de exploração de petróleo no Brasil. O debate acontece ás 16 horas, no Sinsprev, Rua Antonio de Godói, 88 – 2a andar. Eis a entrevista:
Fonte: Radioagência NP, Desirèe Luíse
A Aneel admitiu conhecer desde 2007 o erro no reajuste da conta de luz do brasileiro. Os brasileiros pagam pelo menos R$ 1 bilhão a mais por ano do que deveriam nas contas de luz. Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), um erro no cálculo do reajuste tarifário da energia elétrica vem causando o prejuízo aos consumidores. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) – responsável por gerenciar e fiscalizar o setor de energia – admitiu ter percebido a falha no método do cálculo em 2007.
O problema acontece todo ano quando a Aneel define qual será a fatia cobrada do consumidor na conta. A falha ocorre porque o modelo de reajuste se baseia na demanda do ano anterior, desprezando o crescimento do número de consumidores. Por isso, se o valor das contas deveria ser distribuído entre mais consumidores, o custo de cada brasileiro seria diminuído.
Em entrevista à Radioagência NP, o ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras e um dos principais estudiosos do setor de energia, Ildo Sauer, avaliou que a situação não é recente. O especialista afirma que a falha ocorre desde o início das privatizações.
Radioagência NP: O que o senhor pode dizer sobre o método de reajuste tarifário que, segundo o TCU, prejudica os consumidores desde 2002?
Ildo Sauer: A questão talvez seja um pouquinho mais grave do que tem sido apurado pela imprensa e anunciado pelo TCU e Aneel. Não é de 2002 para cá. Esse problema vem de antes. Na verdade, o problema está situado no critério de reajuste tarifário embutido nos contratos de concessão. Esses contratos foram assinados com o processo de privatização das empresas de distribuição de energia elétrica no Brasil a partir dos anos 90, mas com ênfase a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso.
RNP: Como você avalia a posição da Aneel em dizer que não tem um mecanismo para interromper a falha?
IS: Não é verdade. A impressão que eu tenho é que o grande Jesus Cristo, o grande crucificado, é o povo brasileiro que paga tarifas elevadas. Só que o povo está sendo crucificado há muito tempo. Esta falha já foi verificada pela Aneel e pelo TCU e está havendo um jogo de empurra-empurra. Por quê? Quem elaborou o contrato com este erro que não traduz corretamente o que diz a lei – portanto esse contrato é nulo, ele tem que ser anulado na Justiça, essa é a única solução -, quem fez esse erro inicial foi a Aneel, mas ela não fez sozinha. Então, todos esses 63 contratos das 63 empresas que distribuem energia no Brasil foram criados e aprovados pela diretoria da Aneel, mas [também] foram verificados, homologados e aprovados pelo TCU.
RNP: Afinal, quem poderia resolver a questão?
IS: O problema real é político e quem tem a autoridade de decidir isso é o governo, é a Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia, que são os que conduzem a política energética. Calcula-se que de R$ 1 bilhão a quase R$ 2 bilhões por ano, depende de quando começou o contrato de concessão no Brasil inteiro, vem afetando [as contas] das pessoas. Portanto, já são mais de R$ 10 bilhões que o povo brasileiro pagou a mais. O problema é que a Aneel não quer corrigir para não assumir [o erro], o TCU também não quer. O problema precisa ser resolvido mediante uma retificação dos contratos.
RNP: O governo sugeriu que a Aneel publicasse uma resolução com critérios para corrigir o erro nas cobranças apenas a partir de agora, ignorando o erro passado. Qual é sua avaliação?
IS: Isso é legalizar o esbulho de que a população brasileira foi vítima. O povo pagou mais do que devia por um erro de agentes públicos. O correto é refazer as contas, obrigar as distribuidoras a verificar – e isso está no registro delas – o quanto cada um consumiu, qual era a tarifa certa, quanto foi cobrado a mais e devolver. Há registros para isso. Não há problema nenhum, isso pode ser feito. Isso apenas vai “desengordar” os enormes lucros que essas empresas tiveram ao longo dos anos.
RNP: A CPI da Energia Elétrica, criada para investigar as tarifas de energia no país, deve encerrar suas atividades aproximadamente daqui a um mês. O senhor participou da Comissão em duas ocasiões. Algo de proveitoso vai resultar dessa CPI?
IS: Um deles é este assunto do reajuste incorreto anual das tarifas, que foi trazido a público por causa da CPI. [A Comissão] encontrou coisas importantes, mas muitas outras que foram lá apresentadas serão varridas para debaixo do tapete. Haveria outros problemas que poderiam ser revelados se [a CPI] tivesse ganhado mais apoio dentro do Congresso.
RNP: O senhor já declarou que considera o setor elétrico no país uma caixa preta. Por quê?
IS: Por exemplo, eu estou tentando remontar a contabilidade destes reajustes todos e também da quantidade de energia que foi desviada para o mercado livre [aquele que recebe acima de 69 mil volts de tensão e mais de três mil kW de média de carga tem o direito de “ser livre”, isto é, apenas pagar o aluguel do fio para a distribuidora e comprar energia gerada de quem preferir, inclusive das estatais que vendem energia a preços bem abaixo do mercado]. Energia firme de custo elevado foi vendida por 20% do seu custo. Queria saber a quantidade de energia e quem se beneficiou dela. Há uma sequência de transações que são obscurecidas, porque são registradas como se fossem transações privadas. Não beneficia apenas cerca de 600 grandes consumidores, mas cerca de duas dúzias de empresas intermediadoras, comercializadoras, escolhidas sob o manto do sigilo comercial. É lamentável.