Por Ivan Valente
No final da última semana, uma nova manifestação de violência e agressões chocou o país. Desta vez, a vítima foi uma estudante de Turismo do campus de São Bernardo da Universidade Bandeirantes que sofreu toda sorte de humilhação por usar um vestido curto para ir à aula. As cenas, distribuídas pela internet e veiculadas sem cessar na televisão durante o feriado prolongado, nos impõem uma séria reflexão acerca do machismo e de posições de extremo conservadorismo que ainda vigoram em nossa sociedade.
As cenas de fúria e delírio coletivo constatadas nos corredores da Uniban beiram o fascismo que não pode ser tolerado sob nenhuma hipótese. Xingada, acuada e ameaçada por adolescentes – homens e mulheres – a jovens Geisy Arruda só conseguiu deixar o campus escoltada pela Polícia Militar. Entre sua chegada na universidade e o momento da fuga, foi obrigada a ouvir inclusive aclamações por estupro. Para uma parte considerável daqueles que criaram o tumulto, a responsável pelas agressões era a própria estudante, que teria provocado com seus trajes a ira incontrolável de um bando de jovens ferozes.
Vale lembrar que esta justificativa é sempre corriqueira nos casos de violência contra a mulher, do estupro às agressões físicas. Basta ler a fala dos agressores nas investigações levadas a cabo pelas delegacias da mulher Brasil afora.
Quando é para tratar a mulher como uma mercadoria e seu corpo como algo a ser consumido, de acordo com a sua conveniência, a sociedade não recrimina – pelo contrário, valoriza – pernas descobertas. Mas quando um vestido curto cor de rosa chama atenção demais, é hora de mandar esta mulher para o pelourinho, que quase foi instalado no centro do prédio da Uniban, sob os olhares talvez omissos demais de alguns professores e da direção da universidade. Ali, sob o julgamento de jovens descontrolados, impulsionados pelo combustível da moralidade reacionária, era a hora da opressão ao corpo feminino.
Não há justificativa possível para este tipo de violência contra a mulher. As consequências para a vida desta jovem são inúmeras, sobretudo após a superexposição que ela vem sofrendo depois que o caso chegou à grande imprensa. A violência agora continua para garantir audiência aos programas de TV ancorados no sensacionalismo, que tratam a questão de forma despolitizada e sem problematizar as origens do machismo em nossa sociedade.
Além disso o fato expõe a face perversa de um sistema de ensino que nos últimos anos vêm insistindo num modelo tecnocrata, extremamente competitivo e individualista. Nossas escolas sofrem com uma padronização irracional, que desconsidera diferenças, impondo um modelo centrado apenas em conteúdos que podem ser medidos nas diversas provinhas e provões e que reduz a educação a processos mecânicos de transmissão de informação. Modelo que tem subtraído do trabalho escolar a sua dimensão mais importante: a formação de cidadãos e cidadãs críticos e conscientes que busquem a construção de uma sociedade justa, livre de preconceitos e intolerâncias.
A mensagem que temos enviado a essa juventude é outra, uma necessidade constante de competir, de superar o outro, uma lógica mercantil de que tudo pode ser transformado em objeto a ser consumido ou descartado, uma perspectiva de sociedade na qual as desigualdades são justificadas pela falta de mérito, um modo de se relacionar nos espaços coletivos em que o diálogo e o debate foram substituídos pelo controle e formatação através de premiações e punições.
Num sistema em que as relações humanas foram deixadas de lado, não surpreende que prevaleça a barbárie. Temos que repensar os rumos e os princípios que orientam a educação brasileira
A Uniban abriu uma sindicância para analisar os vídeos do episódio e tentar identificar as pessoas que hostilizaram a jovem. É preciso ir além. Não é a primeira vez que fato semelhante acontece nos corredores de instituições de ensino sem que medidas concretas sejam adotadas para evitar sua repetição.
Ivan Valente – deputado federal do PSOL/SP
Do site do deputado Ivan Valente – www.ivanvalente.com.br