O ex-ativista italiano Cesari Battisti está em greve de fome e diz que sua vida está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na tarde desta sexta-feira, 13, na penitenciária da Papuda, em Brasília, ele entregou uma carta ao senador José Nery (PSOL/PA) e pediu que o parlamentar a enviasse a Lula. Nery, que apóia a libertação de Battisti, o visitou na prisão e relatou que o ex-ativista, preso desde 2007, está muito fragilizado emocionalmente.
Na carta, entregue por Nery ao secretário geral da presidência da República, Luiz Dulci, Battisti afirma que sempre lutou pela vida. “Mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pelas mãos dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim (…) a verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver”.
Dulci se comprometeu em repassar a carta às mãos do presidente em Natal, no Rio Grande do Norte, na noite de sexta, onde iria se encontrar com Lula que fará uma viagem à França e à Italia neste fim de semana. Rosa da Fonseca, membro do Comitê de Solidariedade a Cesari Battisti, também estava presente no momento da entrega.
O italiano considera surpreendente e absurdo que a Itália tenha o condenado por ativismo político “no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato”.
Battisti também afirma na carta que muitos avanços sociais da Itália foram conquistados graças à luta pela qual se engajou. “Eu sou fruto desses anos 70 (…) eu, na verdade, não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil, não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum”.
O julgamento do recurso sobre a extradição do italiano que ocorreu nesta quinta-feira, 12, no Supremo Tribunal Federal, foi adiado para a próxima quarta-feira. O quadro terminou empatado em 4 a 4. O presidente do Poder, Gilmar Mendes, resolveu não dar seu voto de minerva.
Carta aberta ao presidente Lula e ao povo brasileiro
Cesari Battisti
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUIS INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
SUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRA
AO POVO BRASILEIRO
“Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda”. (O homem em revolta –Albert Camus)
Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente, mais justo.
Entretanto, freqüentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.
A minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as reações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns morreram, outros estão presos, e muitos exilados.
Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos. Não tudo! Os sonhos continuam!
Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim como muitos outros aqui no Brasil, inclusive muitos companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum.
Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabem qual outro impedimento à extradição.
Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.
E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano, o qual usou de todos os argumentos, ferramentas e armas, não me resta outra alternativa a não ser desde agora entrar em “GREVE DE FOME TOTAL”, com o objetivo de que me sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com isso impedir, num último ato de desespero, esta extradição, que para mim equivale a uma pena de morte.
Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.
Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e da mesma foram agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que tem a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!
Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.
Entrego minha vida nas mãos de Vossa Excelência e do Povo Brasileiro.
Brasília, 13 de novembro de 2009
Fonte da matéria: Aletheia Vieira/Assessoria de Imprensa do senador José Nery