Marcus Vianna
Introdução
Quarenta anos depois é importante lembrar uma obra como Subdesarrollo y Revolución (Subdesenvolvimento e Revolução), que Ruy Mauro Marini publicou em pleno exílio devido a existência do repressivo regime militar brasileiro. Esta obra, e sobretudo, este autor devem ser retomados pela esquerda brasileira e latino americana para que o século XXI de fato possa constituir um novo caminho para o nosso continente e a humanidade em geral. A classe dominante e suas instituições acadêmicas produzem os seus doutores e também o esquecimento daqueles que buscam novas respostas para velhos problemas, por isso é mais do que a hora de lembrarmos e estudarmos a obra de um bom autor marxista como Marini.
São três os objetivos deste pequeno trabalho: primeiro será realizado um esboço biográfico de Ruy Mauro Marini, enfatizando as idas e vindas de um pensador marxista e militante que teve sua vida marcada pelas Ditaduras militares dos anos 1960 e 1970. O segundo passo é uma caracterização geral do livro Subdesarrollo y Revolución, esta obra foi publicada pela primeira vez em 1969 e marcou a o pensamento social por suas contribuições originais sobre a realidade brasileira e latino americana do período. O terceiro passo é mostrar como Marini abordou o conceito de subimperialismo, talvez a sua contribuição mais original do ponto de vista marxista.
Breve esboço biográfico
Ruy Mauro Marini certamente foi um grande intelectual. Um marxista latino americano do século XX que deixou contribuições teóricas importantes sobre as mudanças econômicas e políticas ocorridas a partir do pós – segunda Guerra Mundial. Marini foi um brasileiro nascido no interior de Minas Gerais, na cidade de Barbacena no ano de 1932. Mudou-se para o Rio de Janeiro no início dos anos 1950 e graduou-se na Escola Brasileira de Administração Pública, em 1957. Logo depois obteve uma bolsa de estudo do governo francês para a Fundação Nacional de Ciências Políticas. Durante os anos de 1958 e 1960 viveu na França e realizou estudos sistemáticos da obra de Karl Marx. No seu retorno ao Brasil, em 1961, participou da fundação da Política Operária (POLOP). Esta organização de esquerda era crítica as formulações stalinistas do Partido Comunista Brasileiro e propunha a formulação de um programa socialista para as lutas populares.
Outro aspecto importante da vida de Marini foi sua atuação como jornalista. Este participou da elaboração do periódico O Metropolitano, que era vinculado a União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro durante os primeiros anos da década de 1960. Marini participou da fundação da Universidade de Brasília (UnB), foi professor – auxiliar em 1962-1963, e professor – assistente, em 1964. Na UnB foi companheiro de outros professores como: Andre Gunder Frank, Victor Nunes Leal, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra.
Com o golpe militar de 1964 foi exonerado da UnB e preso em julho de 1964 pela Marinha. Exilou-se no México e trabalhou no Centro de Estudos Internacionais do Colégio do México. Durante esse período publicou trabalhos importantes que compõe sua obra: Contradicciones y conflictos em el Brasil (1965), Brazilian Interdependence and Imperialist Integration (1966) e Dialéctica del desarrollo capitalista en Brasil (1966) que foram reunidos no livro Subdesarrollo y revolución (1969). Em 1969 teve problemas com o governo mexicano devido a publicação de um artigo sobre o movimento estudantil brasileiro e por isso rumou para o Chile. No Chile aproximou-se do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) do qual tornou-se um dirigente. Marini assumiu em Santiago o curso de teoria da mudança e os seminários de teoria marxista e realidade latino-americana do Centro de Estudos Socioeconômicos (CESO). Durante este período escreveu sua principal obra, Dialética da dependência (1973). Depois do golpe militar chileno em 1973, fixou-se novamente no México tornando-se professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional do México (UNAM). Em 1979 envolveu-se em severa polêmica com Fernando Henrique Cardoso e José Serra com seu livro Plusvalía extraordinária y acumulación del capital.
Com o advento da anistia política brasileira em 1979, Marini dividiu o seu tempo entre o México e o Brasil, voltando para o Brasil definitivamente apenas em 1984. O seu regresso foi difícil, muito devido ao perfil conservador da intelectualidade brasileira remanescente do período da Ditadura Militar nas Universidades. Em 1987 volta dar aulas na UnB, no Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais. Em 1992 publica o livro América Latina: dependência e integração. No fim de 1993 volta para o México para dirigir o Centro de Estudos Latino-americanos (CELA) da UNAM. A sua morte ocorreu em 1997 no Rio de Janeiro.
Subdesarrollo y Revolución
Este livro foi publicado pela primeira vez em 1969, no México. Buscarei analisar neste trabalho a quinta edição aumentada e corrigida, também mexicana, do ano de 1974. Marini, um marxista brasileiro, se dedicou neste livro, editado em espanhol, a analisar o desenvolvimento econômico brasileiro e sua relação com o sistema capitalista mundial em sua fase imperialista. O Brasil, depois de algumas décadas de crescimento industrial e de ser comandado por governos de cunho populista, com o golpe de 1964 que derrubou o governo de João Goulart, inaugurou o período da Ditadura Militar. Subdesarrollo y Revolución foi uma tentativa de análise da realidade brasileira que utilizou a teoria e metodologia marxista entrelaçando os contornos econômicos do seu desenvolvimento e a conformação política das classes sociais. É um livro comprometido com a construção de uma teoria política e econômica que tivesse o poder de auxiliar a esquerda socialista na compreensão do Brasil, considerando este cheio de contradições e em constante transformação socioeconômica. Subdesarrollo y Revolución também é uma contribuição inicial de Ruy Mauro Marini para a construção da chamada Teoria da Dependência Marxista. Ou melhor nas palavras do próprio Marini:
Subdesarrollo y revolución é, pois, um texto datado, centrado prioritariamente sobre a análise dos problemas brasileiros, mas que alcançou grande difusão nos anos 70, com reediçôes quase anuais, e que entrou, inclusive, já perdendo força, na década de 80. A meu ver, o interesse que despertou deve-se, em parte, à novidade do enfoque -inserido como está o livro na corrente das novas idéias que cristalizaram na teoria da dependência; em parte, à metodologia, que buscava utilizar o marxismo de modo criador para a compreensão de um processo nacional latino-americano, e, finalmente, à sua audácia política, que rompia com o academicismo timorato e asséptico que primara, até então, nos estudos dessa natureza. O último capítulo, sobretudo, que aborda os problemas da esquerda armada e o faz de dentro (o único precedente, nesta linha, havia sido Revolução na revolução?, de Régis Debray, em 1967), suscitou entusiasmo na intelectualidade jovem e, em geral, na militância de esquerda (assim, esta promoveu, na Itália, sua publicação na edição local de Monthly Review, apesar de já estar ali em curso uma tradução do meu livro); em compensação, ele chegou a provocar desconforto nos editores, que -não tendo tido conhecimento prévio do texto, por mim entregue diretamente à gráfica, quando já estava em marcha a impressão do livro- temeram, ao vê-lo publicado, que a empresa resultasse comprometida.
http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm
Este livro é composto de quatro grandes artigos. No primeiro artigo, que inclusive dá nome ao livro, Marini analisa a vinculação das economias brasileiras e latino americanas com o mercado mundial capitalista e, aponta que: "La historia del subdesarrollo latinoamericano es la historia del desarrolho del sistema capitalista mundial." (Marini, 1974, p. 03). Neste artigo o autor deixa claro que o subdesenvolvimento econômico brasileiro é uma marca do sistema capitalista e não uma fraqueza da burguesia nacional.
O segundo artigo se chama La dialéctica del desarrolho capitalista en Brasil e se dividide em três partes. Na primeira delas Marini realiza uma abordagem da história do período que compreende a morte de Vargas até a queda de Goulart. Sua análise histórica, como bom marxista, deixa claro o entrecruzamento das esferas econômicas, políticas e sociais. Os governos são analisados com ênfase nas relações com os setores econômicos e políticos. Merece leitura a elaboração de Marini sobre o suposto Bonapartismo de Quadros. Na segunda parte do artigo Marini aborda a ideologia e a práxis do subimperialismo. Neste momento o autor elabora, de uma maneira mais extensa, o conceito de subimperialismo, sobretudo, relacionando com as contradições da política econômica aplicada pelos governos militares. A terceira parte do artigo se chama "El carácter de la revolución brasileña", e é nela que Marini defende um projeto de revolução que derrote a classe domimante brasileira, representada tanto pela burguesia urbana como pelos grandes latifundiários. Existe uma crítica direta a teoria da "revolução por etapas" defendida pelo PCB.
O terceiro artigo se chama "El movimiento revolucionario brasileño". O elemento mais interessante abordado neste artigo é o debate sobre a luta armada. Marini realiza uma crítica a respeito da forma de realizar a luta política contra a Ditadura militar e o capitalismo brasileiro. Realiza uma polêmica com Regis Debray, autor do livro Revolução na Revolução editado em 1967. Marini defende, que a luta armada da maneira que estava sendo encarada pela esquerda brasileira e latino americana, estava secundarizando a luta política de massas e superdimensionando o papel organizativo militar. Esse fenômeno ocorreu em um período de repressão e sem liberdades democráticas levando ao isolamento de boa parte da esquerda socialista. Por fim, o último artigo, intitulado de "Hacia la Revolución Continental", mais uma vez aprofunda alguns temas já mencionados nos artigos anteriores que compõem o livro, em uma retomada importante para compreensão do temário geral do livro.
Apontamentos sobre o conceito de Subimperialismo
O mais importante na obra de Ruy Mauro Marini é o fato deste ser um marxista que buscou no livro Sudesarrollo e Revolución, ir além dos conceitos marxistas já estabelecidos. Marini nesta obra cria o conceito de Subimperialismo para analisar o desenvolvimento capitalista latino americano e brasileiro do pós-segunda guerra. Para utilização deste conceito Marini contribui com outro novo conceito, que merece reflexão, que é a super exploração do trabalho que ocorreu e ocorre nestes países periféricos do sistema capitalista.
Marini alicerça o conceito de subimperialismo relacionando diretamente a industrialização sob o modelo da substituições de importações com o surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho.
(…) El surgimento de uma nueva división internacional del trabajo, que transfiere – desigualmente, teníase presente – etapas de La producción industrial hacia los países dependientes, mientras los países avançados se especializan en las etapas superiores; simultaneamente, se perfeccionan los mecanismos de control financiero y tecnológico de estos últimos sobre el conjunto del sistema. La circulación del capital a escala mundial se intensifica y se amplia, al mismo tiempo que se diversifica su acumulación. Sin embargo, siguen actuando las tendências a la concentración y a la centralización, propias de la acumulación capitalista, aunque ahora también em beneficio de nacionais de composición orgânica intermédia. A esto corresponde desde el ponto de vista estrictamente económico, el subimperialismo.
El subimperialismo se define, por tanto:
a) a partir de la reestruturación del sistema capitalista mundial que se deriva de la nueva división internacional del trabajo, y
b) a partir de las leyes propias de la economia dependiente, essencialmente: la superexplotación del trabajo, el divorcio entre las fases del ciclo del capital, la monopolización extremada en favor de la industria suntuaria, la integración del capital nacional al capital estrangeiro o, lo que es lo mismo, La integración de los sistemas de producción (y no simplesmente la internacionalización del mercado interno, como dicen algunos autores).
(MARINI, 1974, p. XIX)
Segundo Marini, nos anos 1960, apenas seis países dependentes, num conjunto de oitenta países, tinham condições de disputar no processo econômico e político internacional a condição de serem encarados como subimperialistas. Na América Latina apenas três: Brasil, Argentina e México. As disputas entre Brasil e Argentina seriam uma das facetas do subimperialismo.
Sobre a mudanças ocorridas na política brasileira, com o governo do Marechal Castelo Branco, Marini se dedica ao papel almejado pelo governo militar e pela burguesia brasileira na expansão imperialista em voga nos anos 1960.
En su política interna y externa, el gobierno militar de Castelo Branco manifestó no sólo una decisión de acelerar la integración de la economía brasileña a la economía norte-americana; expresó también la intención de convertirse en el centro de irradiación de la expansión imperialista en América Latina, creando inclusive las premisas de un poderío militar propio. En eso se distingue la política exterior brasileña que se ha puesto en marcha después del golpe de 1964: no se trata de aceptar pasivamente las decisiones norteamericanas (aunque la correlación real de furzas lleve muchas veces a ese resultado), sino de colaborar activamente con la expansión imperialista, asumiendo en ella la posición de país clave.
(MARINI, 1974, p. 74)
Outro apontamento importante sobre as mudanças políticas ocorridas no Brasil pós golpe de 1964, e que ajudam a explicitar o caráter do subimperialismo, foi a nova coalizão política que tomou o poder político envolvendo a burguesia nacional e internacional, os setores oligárquicos do latifúndio e os militares de direita.
El restablecimiento de su alianza con las antiguas clases oligárquicas, vinculadas a la exportación, que selló el golpe de 1964, dejó a la burguesía en la imposibilidad de romper las limitaciones que la estructura agraria impone al mercado interno brasileño.
(MARINI, 1974, p. 74)
A saída buscada pela classe dominante brasileira foi fortalecer a disputa pelos mercados externos, sobretudo na América do Sul. Isso acorreu devido ao baixo potencial de ampliação do mercado interno.
A partir de Castelo Branco, al contrario, la burguesía trata de compensar su impossibilidad para ampliar el mercado interno a través de la incorporación extensiva de mercados ya formados, com el uruguayo, por ejemplo. La expansión comercial deja de ser así una solución provisional y complementaria a la política reformista y se convierte en la alternativa misma de las reformas estructurales.
Lo que se planteó así fue la expansión imperialista de Brasil, en Latinoamérica, que corresponde en verdad a un subimperialismo o a una extensión indirecta del imperialismo norteamericano (no n
os olvidemos que el centro de un tal imperialismo sería una economía brasileña integrada a la norteamericana). Ese intento de integrar Latinoamérica, económica y militarmente, bajo el comando del imperialismo norteamericano y con el apoyo de Brasil, ha sufrido posteriormente muchas vicisitudes y sigue siendo hoy una intención.
(MARINI, 1974, p. 76)
A cooperação antagônica, um conceito utilizado por Marini na explicação do novo cenário econômico pós anos 1950, é outro fator importante no desenvolvimento de uma nova divisão social do trabalho e de expansão imperialista em escala planetária.
Siempre es verdad, sin embargo, que la expansión del capitalismo mundial y la acentuación del proceso monopolista matuvieron constante la tendencia integracionista, que se expresa hoy, de manera más evidente, en la intensificación de la exportación de capitales y en subordinación tecnológica de los países más débiles. Otro marxista alemán, August Talheimer, lo advirtió al acuñar en la posguerra su categoría de la cooperación antagónica. En un momento en que la dominación norteamericana parecía incontrastable, frente a la destrucción europea que siguió a la guerra mundial, Talheimer fue suficientemente lúcido para percibir que el proceso mismo de integración o cooperación, acentuándose, desarrollaría sus contradicciones internas. Eso fue sobre todo verdadero en lo que se refiere a los demás países industrializados, los que, sometidos a la penetración de las inversiones norteamericanas, volviéronse a su vez centros de exportación de capitales y extendieron simultáneamente sus fronteras económicas, dentro del proceso ecuménico de la integración imperialista.
(MARINI, 1974, p. 60)
Por fim, outro conceito utilizado por Marini e que tem grande importância para análise do processo de desenvolvimento do nosso subdesenvolvimento no período posterior aos anos 1960 foi a super exploração do trabalho aqui realizada. Os baixos salários, opressão brutal ao movimento operário e crescimento do desemprego foram os mecanismos utilizados pelos capitalistas para fortalecer as taxas de mais valia acumuladas.
El desarrollo capitalista brasileño se ha caracterizado por las elevadas tasas de plusvalía, que, al reflejar un grado desproporcionado de explotación del trabajo, configuran de hecho una situación de superexplotación. La acelaración de la acumulación de capital de allí derivada implicó una concentración creciente de la riqueza en las manos de los propietarios de los medios de producción y la depauperación absoluta de las grandes masas. En términos de funcionamiento del sistema, ello se tradujo en el crecimiento constante de la capacidad de producción frente al debilitamiento correlativo de la capacidad de consumo del pueblo trabajador y, por ende, del mercado interno.
(MARINI, 1974, p. 107)
Ruy Mauro Marini é um dos intelectuais marxistas que certamente merece mais atenção entre os estudiosos do século XXI. Tendo esses a mesma preocupação com a análise concreta da situação latino americana e mundial, com a perspectiva de que a teoria só tem a força necessária se utilizada como um projeto de transformação social. Subdesenvolvimento e Revolução, como pode ser chamado em Português, é um livro critico e original que analisa o processo de consolidação da hegemonia do capitalismo no Brasil no período da Ditadura militar. Certamente é um livro que tem seus erros de prognósticos políticos, mas qualquer leitura critica creio que deve concordar que esses erros são próprios de um intelectual que buscava além da importante contribuição teórica também a luta política por um projeto socialista.
Referências Bibliográficas
Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe. Coordenador geral Emir Sader; coordenadora executiva Ivana Jinkings; coordenadores Carlos Eduardo Martins, Rodrigo Nobile. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, 2006.
MARINI, Ruy Mauro. Subdesarrollo e Revolución. México: Siglo Veintiuno Editores, 1974.
MARINI, Ruy Mauro. Memória. Disponível em http://www.marini-escritos.unam.mx/001_memoria_port.htm. Acesso em 01 de julho de 2009.
Marcus Vianna é militante do PSol-RS, graduado em História pela UFRGS, cursando Especialização em História do Brasil Contemporâneo da FAPA