Por Bruno Padron “Porpeta”
O treinador Hélio dos Anjos, do Goiás, soltou mais uma de suas “pérolas” em entrevista coletiva. Afirmou que não trabalhava com homossexuais ao ser perguntado sobre um suposto ciúme do elenco com relação à contratação de Fernandão. Se a homofobia fosse considerada crime, o futebol, ao menos, não reproduziria tais barbaridades.
Quando um clube anuncia uma grande contratação, daquelas de impacto, existem inúmeras decorrências da mesma. Se por um lado dirigentes e torcedores soltam fogos de artifício comemorando o feito, por outro, questões como salários pagos bem acima da média do elenco e tratamento diferenciado podem provocar crises internas entre os jogadores.
O noticiário sobre o time do Goiás vem colocando esta questão à mostra. Depois da chegada de Fernandão, após a empolgação inicial, surgiram boatos de que o grupo estava insatisfeito com a presença dele.
Principalmente porque seu salário era bastante superior ao dos outros que, até aquele momento, colocaram o Goiás entre os quatro primeiros colocados do Campeonato Brasileiro, na zona de classificação para a Libertadores. Mas também por supostos privilégios ao meia-atacante.
Fernandão não é mais um garoto. Assim como Ronaldo, no Corinthians, não pode submeter-se à mesma carga de treinamentos feita por um jovem de 22 anos de idade.
Embora se saiba que algumas estrelas do futebol, ao retornarem para campos brasileiros, inserem cláusulas em seu contrato de trabalho que lhes permitem algumas regalias, como a dispensa de alguns dias de treinamento. Será o caso?
Mas todo boato no futebol não é fruto da imaginação da imprensa. Às vezes ela aumenta, mas não inventa. A fertilidade das notícias sempre tem um dirigente ou um jogador como fonte. Em geral, tudo feito em off.
Embora muitas das notícias sejam desprovidas de averiguação, servindo apenas ao furo de reportagem, interesses eleitorais internos dos clubes ou jogadores forjando descontentamento, já de olho em alguma proposta mais interessante de outro time.
Mas quando a notícia aparece, toma conta das entrevistas e algumas respostas são exigidas pela imprensa e pelos torcedores. Daí, a depender do entrevistado, podem variar as versões ou até mesmo o tom usado sobre uma determinada versão, que pode ser previamente combinada.
Hélio dos Anjos, às vésperas de um jogo contra o Flamengo, no Serra Dourada, arranjou uma forma bastante controversa para conclamar a torcida do Goiás a comparecer ao estádio. Disse que achava uma vergonha ter goianos torcedores de times de outros estados. Gerou uma polêmica desnecessária, desrespeitando o direito individual à escolha do seu time do coração. Dito isso, mais um jogo do Flamengo no Serra Dourada com maioria rubro-negra nas arquibancadas.
Agora, ao responder sobre o suposto “ciúme” do grupo com Fernandão, Hélio afirmou que ciúme era “viadagem” e ele não trabalhava com homossexuais.
Mal sabe, ou sabe muito bem e não quer dizer, que a homossexualidade no futebol é algo mais comum do que se imagina, embora não amplamente divulgada. Ou seja, ele pode estar trabalhando ou já ter trabalhado com vários. O que o tornaria ainda um mentiroso. Além disso, já não é o único caso recente de discriminação por orientação sexual no futebol.
Até os dias de hoje, o nome do meio-campo Richarlyson, do São Paulo, não é gritado pela principal torcida organizada do clube no início dos jogos. Isso porque houve boatos, levantados por um dirigente palmeirense e negados pelo jogador, diante das ameaças dos dirigentes são-paulinos, sobre a homossexualidade do jogador. Desde então, ninguém fala mais sobre o assunto.
Pouco importa se, de fato, o jogador é ou não homossexual. Importa que o tratamento dado à questão pelo mundo do futebol é discriminatório, passando inclusive pela negação da existência “desse tipo de coisa” no futebol.
Outros, como Raí, ex-jogador do São Paulo, afirmam que a homossexualidade é freqüente no meio. Estaria mentindo? Provável que não. O que evidencia tudo que está abaixo do tapete.
Uma legislação que puna a homofobia não acabará com ela, mas pode cumprir o papel de colocar em pauta este debate, seja na sociedade como um todo, seja em meios mais hostis, como o futebol.
Algo que faria Hélio dos Anjos, ao menos, pensar duas vezes antes de falar tais bobagens. Poderia ser processado, ou até preso. Mas, com certeza, não usaria o espaço privilegiado que o futebol possui na mídia para destilar preconceitos.
Sabemos que os sexuais não são os únicos. Existe racismo, xenofobia, e todos os outros que permeiam nossa sociedade. Mas o futebol precisa dar outro exemplo, afinal os personagens da bola são referências de comportamento para muitos jovens. Hoje, infelizes referências.
Ele pediu desculpas pela declaração preconceituosa, mas as ruas provam que o limite chegou ao fim. Muita gente morre no dia-a-dia por pensamentos e atitudes estúpidas como a dele, e desculpas já não são mais suficientes.
Bruno Beneduce Padron é bancário.
Fonte: Correio da Cidadania