Por Heitor Martins Pasquim e Paulo Roberto Spina
No caso da opção de emprego ser o futebol, paixão nacional, o jovem é apenas o “pé”-de-obra barato que precisa ser formado em grande escala para satisfazer a demanda por exportação. O jovem, reduzido a mercadoria, acaba refém da ilusão que é a expectativa de jogar por um grande time.
Duas notícias de mesmo tipo rondam os jornais e nos chamam a atenção: a primeira sobre a quantidade e os principais motivos que levam jovens brasileiros a abandonarem a escola; e a outra refere-se aos milionários investimentos em clubes de futebol de base no estado de São Paulo. Aparentemente, duas notícias paralelas sem qualquer proximidade. Mas para reaproximar tais notas precisamos entender melhor quem são esses jovens.
Os dados da juventude no mundo mostram uma não efetivação de direitos sociais já conquistados. De um total de 1,2 bilhões de jovens, 200 milhões sobrevivem com menos de US$ 1 por dia. A maioria dos problemas atinge o mundo inteiro e de forma alarmante aqueles países de economia dependente, como o Brasil.
Ainda há no nosso país muitos jovens analfabetos, sendo que 8 milhões de brasileiros estão matriculados em cursos de educação de jovens e adultos (antigos supletivos), caminho natural para acelerar a escolarização. Entretanto, destaca-se que 43% não concluem o curso, nem mesmo no formato aligeirado e flexível, imposto pela velocidade do capitalismo.
Mesmo entendendo a situação precária de nossa educação formal, o acesso do jovem a escola contribui na elaboração da identidade, da socialização, influi nas perspectivas de vida, de encontro de modelos. É claro que as relações entre juventude e educação são complexas e não se restringem a obtenção de um canudo para a ocupação profissional. A educação deve abrir para o jovem um leque de possibilidades de vida. Entretanto, são poucas escolhas, sobretudo porque não tem nem investimento na educação antes nem emprego depois. Em alguns casos, o abandono da educação pode mesmo chegar a ser visto pelo jovem e família como uma decisão economicamente razoável.
No caso da opção de emprego ser o futebol, paixão nacional, o jovem é apenas o “pé”-de-obra barato que precisa ser formado em grande escala para satisfazer a demanda por exportação. O jovem, reduzido a mercadoria, acaba refém da ilusão que é a expectativa de jogar por um grande time. Entretanto, isto quase sempre vira a triste realidade de jogar em times bem modestos em países desconhecidos, sem falar em salários muito baixos, alojamentos inapropriados, longos períodos fora de casa e pedofilia.
Em determinado momento, sobram jovens nos Centros de Treinamento e muitos são dispensados. Uma pesquisa sobre a formação de atletas no Sul do país mostrou que a cada nova temporada sobem para o futebol profissional cerca de 3 ou 4. Um cálculo feito mostra que a competição é de 39/vaga. Mesmo que possamos esperar valores maiores para o estado de São Paulo, afinal é onde se concentram olheiros e campeonatos, essa disputa por vaga é maior que muitos vestibulares em boas universidades. Sendo que poucos jovens chegam a completar o ensino médio, e quando completam é via supletivo, ou seja, a maioria que não se torna profissional fica com uma grande lacuna escolar.
É necessário notar que em parte considerável das projetos para a juventude desenvolvidos pelo setor privado a culpa e o risco são transferidos para aos jovens. A possibilidade da fonte de financiamento cessar ou simplesmente dos meninos atingirem o teto de idade e serem sumariamente descartados é o mais provável. A necessidade de cumprimento das metas para eventuais renovações das fontes de financiamento faz com que tais iniciativas estejam lacradas a avaliação e ao planejamento do próprio jovem participante. No caso específico dos Centros de Treinamento ou garimpos de atletas a lógica é cruel: formar e vender, movimento altamente lucrativo.
Por fim, considerando que não existe qualquer constrangimento legal que responsabilize os clubes pela educação dos jovens atletas e que não raro esses abandonam definitivamente a escola. A pergunta principal é: o que aqueles que não se tornarem atletas profissionais vão fazer com os anos de investimento no futebol? O que eles vão fazer com o que aprenderam em campo? Como vão transformar essas aprendizagens em outras profissões? O que vão fazer quando forem descartados?
Responsabilizar os clubes pela educação formal do atleta é uma das possibilidades de obrigá-los a terem compromisso com os jovens.
Heitor Martins Pasquim é professor de Educação Física e membro do Diretório Municipal do PSOL São Paulo. Paulo Spina é militante do núcleo Pinheiros do PSOL.