Por Fernando Silva “Tostão”
As recentes entrevistas do presidente Lula e da ministra Dilma Rousseff, respectivamente nos jornais Valor Econômico (17/09) e Folha de S. Paulo (20/09), mostram um otimismo quase incontrolável com um início de recuperação econômica do país, em meio à gravíssima crise e recessão da economia capitalista mundial.
É preciso desmistificar o que é parte dos malabarismos e ilusionismos políticos e quais as verdadeiras bombas de tempo que a política econômica do governo está preparando.
É inegável que a crise não explodiu no Brasil com a intensidade que entrou pelos países capitalistas centrais. Onde, diga-se, governos e corporações comemoram a não chegada, até agora, de um cenário de depressão aberta, mas às custas de montanhas de dinheiro público (estima-se que por volta de US$ 7,7 trilhões desde o colapso do Lemann Brothers) para salvar o sistema financeiro e restabelecer condições mínimas de crédi to na economia.
Continua o Estado a serviço do mercado e do sistema, sem qualquer mexida digna de nota nos fundamentos do capitalismo de “livre mercado” que levou à catástrofe da recessão atual.
No Brasil, as injeções de dinheiro dos bancos públicos, as isenções fiscais e a redução paulatina dos juros, com o objetivo de estimular o consumo e o crédito, estancaram a tendência recessiva que estava estabelecida já desde o último trimestre do ano passado.
Estado para o Capital
Mas é preciso procurar compreender por que a manutenção deste modelo não tem condições de estabelecer uma recuperação estrutural, menos ainda no que diz respeito a inibir as tendências concentradoras de capital e da renda.
Primeira questão a ser colocada: a maciça intervenção do Estado brasileiro e dos bancos públicos foi em socorro do sistema financeiro e do grande capital.
Muitos são os exemplos: a separação de mais de 36 bilhões de reais das reservas para pagar a dívida externa de curto prazo das empresas brasileiras; os empréstimos para restabelecer as linhas de crédito das grandes empresas e negócios; a manutenção da remuneração do capital financeiro pela via da dívida pública e seus juros.
Podemos citar também a injeção de R$ 100 bilhões no BNDES para turbinar as grandes “empreitadas” na infra-estrutura dessa grande “parceria” público-privada pró-capital chamada PAC e o “modelo” pró-agronegócio exportador, às custas da reforma agrária, da soberania da própria Amazônia e com devastadores danos ambientais.
A segunda questão é que essa montanha de dinheiro injetada para manter o consumo em alta não faz frente aos gargalos sociais do país, quais sejam: a pressão sobre os salários e os direitos trabalhistas, produto da precarização reinante em grande parte do mercado de trabalho; os números do desemprego no paí s; e o flagelo da violência e da desagregação social que atinge as camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora e da juventude.
A terceira questão é que as isenções fiscais e a manutenção da dívida pública vão agravar os gargalos relativos aos serviços, investimentos e direitos sociais e públicos. Está aí a Saúde Pública, em colapso já permanente.
A dívida pública é questão chave
Mas, dentro destes limites, é preciso identificar e retomar com relevância o tema da dívida pública, pois este é um fator estruturante, e não conjuntural, que define a natureza pró-mercado financeiro da política econômica do governo Lula.
Lembremos que em 2008, segundo o site da Auditoria Cidadã da Dívida, o país pagou R$ 282 bilhões entre juros e amortizações, dinheiro que sai diretamente do Orçamento da União.
Neste ano, do Orçamento Geral da União executado até o mês de abril, 3 4,13% foram para juros e amortizações da dívida pública. Sabem quanto no mesmo período foi executado para a habitação? Zero! Isso mesmo 0%. Para o saneamento, 0,01%; para a agricultura, 0,71%; para a educação, 2,20%; para a saúde, 4,98%. Mais claro impossível.
Segundo o site de notícias Adital, a dívida pública aumentou R$ 200 bilhões neste ano (ver entrevista com Gabriel Strautman, da rede Jubileu Sul, http://www.adital.org.br/).
O PSOL propôs e foi instalada na Câmara dos Deputados a CPI da Dívida Pública, que pretende investigar a legitimidade desta dívida, os seus principais beneficiários etc.
Este passo importante só pode ter desdobramentos positivos se uma intensa campanha dos sindicatos, movimentos sociais e partidos da esquerda combativa for levada às ruas.
Pois do que verdadeiramente se trata é de lutarmos para instalar uma auditoria desta dívida, partindo de suspender o pagamento dos juros e a mortizações e cancelar toda a dívida que for comprovadamente ilegítima.
Medidas deste calibre são realizáveis no cenário atual, basta ver a auditoria realizada pelo Equador, com cancelamento de grande parte da sua dívida pública.
É claro que para isso ajudaria não termos governos tão curvados aos interesses do mercado financeiro, como é o caso do nosso otimista presidente e sua candidata preferencial a ser a próxima gestora dos interesses da banca e do grande Capital.
25-Set-2009
Fernando Silva é jornalista, membro da Executiva Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da Revista Debate Socialista.
Fonte: Coreio da Cidadania