Exposição sobre campanha pela anistia fica em cartaz no Memorial da Resistência, antiga sede do Dops, até 18 de outubro
Por Lúcia Rodrigues
A Lei de Anistia que indultou ativistas de esquerda e torturadores, em agosto de 1979, pode sofrer um revés para aqueles que praticaram torturas durante o período de exceção. Está em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) questionando a extensão do benefício aos torturadores. A ação não considera que os crimes de tortura se enquadrem nos crimes conexos, que a legislação se refere.
A juíza Kenarik Boujikian Felippe também acredita que os crimes de tortura não podem ser classificados como crimes conexos, como determina a Lei de Anistia, aprovada há 30 anos. Ela argumenta que os agentes da repressão militar seviciaram nos porões do regime, violaram direitos humanos: “Tortura e estupro não podem ser caracterizados como crimes conexos, mas sim de lesa humanidade”, frisa.
Para Kenarik, um parecer favorável do STF à ação impetrada pela OAB representará uma vitória da democracia. “Essa ação é um marco para a democracia. Sua aprovação permitirá que todos os torturadores sejam processados”, destaca.
A juíza, que também é dirigente da Associação de Juízes para a Democracia, conversou com a reportagem da Caros Amigos durante a abertura da exposição A Luta pela Anistia 1964 – ?, no último sábado, 08, no Memorial da Resistência, antiga sede do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um dos centros de tortura mais temidos da ditadura militar.
Resgate da história
O resgate da luta e resistência ao arbítrio militar pelos ativistas de esquerda é um dos principais objetivos da mostra. Segundo o jornalista e escritor Alípio Freire, curador da exposição, não se pode falar em democracia sem se resolver questões essenciais como a punição aos torturadores.
A abertura dos arquivos, para esclarecer, inclusive, a participação de empresários que financiaram a repressão, a identificação dos corpos dos desaparecidos políticos e o indiciamento e julgamento dos responsáveis por esses crimes também são destacados pelo jornalista, como elementos essenciais para que se conquiste efetivamente a democracia.
Freire foi um dos inúmeros ativistas que passaram pelos porões do Dops, no final da década de 60. Militante da Ala Vermelha, ficou preso de 06 de setembro a 28 de novembro de 1969, vindo da Oban (Operação Bandeirante), embrião do famigerado DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), onde já se encontrava detido desde 31 de agosto do mesmo ano.
No total, Freire permaneceu preso por cinco anos, um mês, um dia e 18 horas. “Há divergências sobre os minutos”, brinca. Ele conta que a exposição foi pensada para atingir os jovens estudantes que freqüentam o local. “Queremos mostrar que a luta valeu a pena. Passei por tudo isso e estou, aqui, inteiro. Tenho orgulho dessa história”, ressalta o curador da exposição.
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também aproveitou o sábado para visitar a exposição sobre a campanha pela a anistia. Valente foi ativista do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), organização clandestina de combate à ditadura militar. Assim como Freire passou pelos cárceres da repressão. Sua prisão aconteceu no Rio de Janeiro, onde militava politicamente.
Valente ficou 10 dias incomunicável na sede do DOI-Codi carioca, localizado na rua Barão de Mesquita, 425, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. De lá seguiu para o Dops, na rua da Relação, na Lapa, zona central.
Ele também ficou preso no presídio de segurança máxima de Bangu, na zona oeste da cidade, onde permaneceu por quatro meses, e no presídio Frei Caneca, localizado no bairro do Estácio de Sá, onde esteve encarcerado mais três meses. Foi libertado seis meses antes da promulgação da Lei de Anistia, em fevereiro de 1979.
“É inaceitável que um governo dito popular mantenha os arquivos da ditadura cerrados”, critica ao se referir ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O deputado do PSOL paulista também contesta o fato de o governo federal ter excluído os familiares dos combatentes mortos na Guerrilha do Araguaia pelo Exército, no início da década de 70, das buscas por seus restos mortais.
“Os interessados na apuração dos fatos foram simplesmente excluídos das buscas. Não vamos deixar que passem uma borracha na história. Exigimos a punição dos envolvidos no caso do Araguaia e dos torturadores”, ressalta Valente.
A exposição A Luta pela Anistia 1964 – ? permanece em cartaz até 18 de outubro. A mostra traz fotos e cartazes sobre a campanha pela anistia, além de capas de jornais alternativos da época, como Companheiro, Movimento, Em Tempo, Ex 16.
Também é possível encontrar na exposição, relatórios e telegramas de agentes secretos da repressão sobre as atividades realizadas pela esquerda, endereçados ao então Delegado Geral de Polícia do Dops, Romeu Tuma, hoje senador do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) por São Paulo.
Como pensava o brasileiro
Além da iconografia e dos materiais sobre a repressão exercida pelo Dops é possível encontrar na mostra relíquias como uma pesquisa de opinião do Ibope, realizada em março de 1964, em várias capitais do país.
Nela, os brasileiros são consultados sobre temas como reforma agrária e grau de simpatia partidária. Os entrevistados também são arguidos a se manifestar como votariam caso fosse possível o então presidente João Goulart, o Jango, se candidatar à reeleição.
O Nordeste brasileiro é o que apresenta o maior percentual de apoio à reeleição de Jango. O Recife encabeça a lista com a adesão de 60% dos entrevistados, seguido de perto por Salvador, com 59% e de Fortaleza, com 57%.
Belo Horizonte e São Paulo aparecem na outra ponta da tabela. As duas cidades, respectivamente com 39% e 40%, têm o menor índice de apoio a Jango, caso este pudesse concorrer novamente ao cargo.
Quando o assunto é reforma agrária, o apoio da população brasileira à tese aumenta exponencialmente. O Rio de Janeiro lidera a lista das cidades favoráveis à repartição da terra, uma das principais bandeiras das reformas de base propostas pelo governo Jango.
Oitenta e dois porcento dos cariocas aprovavam a efetivação da reforma agrária no país. Salvador aparece na sequência com 74% de adesão. Recife e Porto Alegre vêm em seguida, empatados com 70%. Seguidos de perto por Fortaleza, com 68%, Belo Horizonte, com 67% e São Paulo, com 66%. A capital com o menor índice de aprovação à reforma agrária é Curitiba, com 61%.
O resultado para a enquete sobre o grau de simpatia partidária da população, revela o alto índice de rejeição dos nordestinos pelos partidos políticos. Sessenta e nove porcento dos moradores do Recife afirmam não simpatizar com nenhuma sigla. A cidade de Fortaleza vem na seqüência, com 55%, seguida de perto por Salvador, com 54% de rejeição.
O grau de rejeição partidária cai nos Estados do sul e sudeste Quarenta e sete por cento dos moradores de São Paulo e Curitiba declararam não ter simpatia por nenhuma legenda partidária. Dos 53% dos paulistanos que afirmaram simpatizar com algum partido, 16% citaram o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), sigla do então presidente João Goulart. O PSP (Partido Social Progressista) foi lembrado por 11% dos entrevistados. A legenda tinha como principal liderança na época o então governador paulista Ademar de Barros.
Outros partidos são lembrados por 12% da população paulistana. Mesmo não havendo referência a quais seriam esses partidos a que os eleitores se referem, provavelmente deve tratar-se do PC do B (Partido Comunista do Brasil) e PCB (Partido Comunista Brasileiro), pois é na capital paulista onde está concentrado o maior número de trabalhadores da indústria, base de atuação dos dois partidos.
O Rio de Janeiro é a capital brasileira com o maior grau de adesão partidária: 81% declararam simpatizar com algum partido. Destes, o PTB, lidera com a aprovação de 44% dos moradores do município. A UDN (União Democrática Nacional), legenda do então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, principal adversário de Jango, aparece em 24% das respostas.
Porto Alegre segue de perto o Rio, com 80% de simpatia partidária. Destes, 62% declararam simpatizar com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Sessenta e seis por cento dos moradores de Belo Horizonte afirmavam simpatizar com algum partido político.
A capital mineira é onde se registra o maior grau de equilíbrio entre as forças partidárias. O PTB é apontado por 23% dos entrevistados, seguido de perto pelo PSD (Partido Social Democrático), legenda de Juscelino Kubitschek, antecessor de Jango na presidência da República, com 22%. A UDN é citada por 17% dos entrevistados.
O Memorial da Resistência está localizado no Largo General Osório, 66, próximo às estações Luz (metrô e trem) e Julio Prestes (trem). O Memorial funciona de terça a domingo, das 10h às 17h30. A entrada para visitar a exposição é gratuita.
Publicado originalmente no Site da Revista Caros Amigos