O PSOL vai questionar toda a tramitação do Projeto de Lei 5598/2009, conhecida como lei geral das religiões, aprovado na noite de quarta-feira 26, no plenário da Câmara. Para o líder Ivan Valente houve um acordão para compensar os evangélicos diante da votação do Projeto Decreto Legislativo 1736/2009, que trata do acordo entre a Santa Sé e o Brasil, de forma irregular que fere o regimento interno da Casa. “Nós vamos entrar com medidas judiciais para contestar o atropelo regimental e, posteriormente, a anulação da votação”. O PL 5598 é um espelho do PDL 1736, com algumas alterações de texto, mas não de interpretação.
No início da sessão extraordinária, às 19 horas, foi colocado em votação requerimento de urgência pra votação do PL 5598; segundo o deputado Inocêncio de Oliveira, que presidia a sessão naquele momento, um acordo havia sido firmado entre todos os líderes partidários para a votação de urgente – fato que foi desmentido pelo líder Ivan Valente já que não havia sido consultado. “Foi feito um acordo por debaixo dos panos. O que aconteceu aqui (no plenário) foi a aprovação de lei de compensações no mercado da fé”, afirmou.
Ivan Valente solicitou verificação da votação, com voto nominal dos deputados, o que foi indeferido por Inocêncio de Oliveira, que afirmou tratar-se de “matéria vencida”. Para Ivan Valente, o deputado Inocêncio agrediu o regimento interno, ao dizer que havia unanimidade para votação do requerimento de urgência e ao não autorizar a votação nominal. “Surpreendentemente o presidente Michel Temer não estava presente, se ausentou apenas no momento da votação desse requerimento”, comentou.
Além disso, o atropelo regimental sobre o PL 5598 teve início quando foi protocolado, em 8 de julho passado. A proposta deveria tramitar por 3 comissões (Educação e Cultura; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça). Entretanto, em uma manobra para levar o PL rapidamente ao plenário, determinou-se que também fosse analisado pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público – o que, de acordo com o regimento interno, configura na constituição de uma Comissão Especial, que pode encaminhá-lo com urgência ao plenário. A questão é que essa decisão foi tomada pela Mesa Diretora no dia de ontem, 26 de agosto. “Combinaram entre poucos parlamentares, mas não com a sociedade. E no silêncio da meia-noite, foi tudo aprovado”, disse Ivan Valente, referindo-se ao horário em que foi encerrada a sessão.
Ao longo da sessão, o deputado Ivan Valente argumentou sobre a importância do debate, destacando que tratava-se de um acordo internacional entre um Estado teocrático e um Estado republicano democrático e apresentou requerimentos para adiamento de votação e retirada de pauta.
As duas propostas – O PDL 1736 é resultado da Mensagem 134, assinada em novembro de 2008 entre a República Federativa do Brasil e o Vaticano, que trata do acordo entre Santa Sé e Brasil. Para o PSOL, o acordo fere a Constituição Federal, ao alterar a relação do Estado com as religiões, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que especifica que o “ensino religioso é de matrícula facultativa e parte integrante da formação do indivíduo”, e o texto do acordo diz que o “ensino religioso, católico e outras profissões religiosas…”.
O deputado Ivan Valente cita ainda outros aspectos de conflitos existentes no acordo, como os artigos que tratam dos direitos civis para homologação de sentenças estrangeiras, o divórcio e o casamento civil e religioso. Em vários pontos, o acordo representa um verdadeiro retrocesso nas relações entre Estado e Religião nos limites fixados pela vigente Constituição e que possui características jurídicas discutíveis se analisado à luz do ordenamento pátrio. “Não há dúvidas que o Acordo, independente do formato, tem natureza de acordo religioso”.
Já o PL 5598 é uma cópia modificada do PDL 1736, ao tratar dos mesmos artigos sem, no entanto, especificar a religião católica, citando cultos religiosos. Em ambas as propostas, por exemplo, o ensino religioso nas escolas é mencionado no artigo 11, com textos que se alteram apenas em seu início. O PDL 1736 afirma: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa …”. Já o PL 5598 determina: “O ensino religioso, de matrícula facultativa …”
Ambas propostas também tratam da “garantia de imunidade tributária” – o PDL em seu artigo 15, e o PL em seu artigo 14. Os textos são praticamente iguais, com pequenas alterações.
“Vamos questionar a tramitação e votação anti-regimental dos projetos, esse acórdão que nada tem a ver com a fé dos brasileiros, mas com interesses e negócios que violam a constituição e o Estado laico”, afirmou Ivan Valente.
Abaixo dois pronunciamentos do deputado Ivan Valente no plenário da Câmara durante o processo de votação do acordo:
“Sr. Presidente, nós viemos ao plenário, neste momento, para uma sessão extraordinária. Houve um acordo entre os Líderes, ontem, que hoje iria ser votado, na sessão extraordinária, como matéria item único da pauta, o Projeto de Decreto Legislativo nº 1.736, de 2009, que todos conhecem como uma concordata entre a Santa Sé e o Governo brasileiro. Esse era o tema da pauta, polêmico, inclusive houve grande polêmica na Comissão de Relações Exteriores, e viemos para esse debate, embora não concordemos em colocar em pauta a matéria. Inclusive há requerimento de retirada de pauta do PSOL.
Começa a sessão. Iríamos respeitar aquele acordo, mesmo não concordando — está aqui o painel, que foi transferido , e, de repente, somos surpreendidos com outro projeto de lei, além de uma urgência que não estava na pauta, não estava acordada, o Requerimento nº 5.387, do Deputado Eduardo Cunha, sobre a urgência da Lei nº 5.598, de 2009, do Deputado Jorge Hilton.
Na qualidade de Líder, quero dizer que me sinto desrespeitado quanto à leitura feita no sentido de que foi um acordo entre todos os Líderes. Não é verdade! Há 2 questões que não são verdadeiras: que era possível colocar essa matéria na pauta e que havia acordo entre todos os Líderes. Peço a manifestação de todos os Líderes sobre o assunto.
Por isso, eu entendo que esta votação da urgência tem de ser revogada. Não é possível. Nós vamos fazer a discussão correta do decreto legislativo em pauta, que é polêmico, se tivermos unidade para fazê-lo hoje, se não quisermos retirá-lo de pauta.
O Partido Socialismo e Liberdade quer fazer, desta tribuna, um debate sério. Vejam que a urgência e o decreto legislativo tratam de temas semelhantes. Ora, nós estamos travando uma batalha na Comissão de Relações Exteriores, para que este debate não extravase para interesses religiosos de qualquer tipo, nem para guerra religiosa, porque a Constituição brasileira garante a liberdade, a diversidade e a pluralidade do exercício de todas as confissões religiosas. É isso que nós queremos?
Este é o debate que precisa ser feito, até mesmo do ponto de vista da concordata, que é um acordo internacional entre o Estado teocrático e o Estado republicano democrático. Trata-se de um acordo de tipo religioso. Este é o grande debate. Isso atenta contra a laicidade do Estado brasileiro.
Em minha opinião, surge outro debate, que aparece de repente, cai aqui no plenário, de contrabando. Vota-se a urgência, e ninguém a discute — ninguém discutiu a urgência! Isso é inadmissível, Sr. Presidente.
Eu vou pedir a manifestação de todos os Líderes partidários sobre a introdução, na pauta, da urgência do projeto de lei, que não tinha sido combinada, foi feita de improviso. Aí, sim, concordo em debater o projeto do Deputado George Hilton.
Quero discuti-lo, como discuti
a concordata na Comissão de Relações Exteriores, aqui no plenário. Mas é preciso respeitar os ritmos, é preciso que particularmente o conjunto do Congresso Nacional se inteire sobre a complexidade do debate sobre a laicidade do Estadobrasileiro e a necessidade de haver uma discussão de fundo sobre esse problema.
Por isso o PSOL não aceita a votação da urgência do jeito como foi feita.
Obrigado.
Defesa do encaminhamento de retirada de pauta do PL 5598
Sr. Presidente, exatamente e particularmente por isso estamos apresentando um requerimento de retirada de pauta.
Nós passamos 3 meses debatendo na Comissão de Relações Exteriores, mas esse debate não se estendeu para o conjunto do Plenário. É preciso que o Plenário tome conhecimento da complexidade dessa questão e é por isso que, na vez passada, também fomos contra a urgência.
Está-se fazendo um acordo de caráter religioso, que incide sobre a vida dos cidadãos e que coloca em contradição a Constituição brasileira com o acordo internacional, por exemplo, com relação ao ensino religioso, em relação às mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que será mudada pelo acordo que está aqui.
Há também incidência sobre o regime tributário brasileiro, há incidência sobre o regime trabalhista brasileiro, sobre as questões ligadas à manutenção pelo Estado brasileiro do patrimônio histórico, cultural e artístico pertencente à igreja Católica. Tudo isso está em debate aqui.
Particularmente, Sr. Presidente, estamos aqui para defender a total liberdade e a pluralidade religiosa e achamos que o Estado está aí para garantir isso. A atividade religiosa é uma escolha pessoal, é privada. O Estado não pode ser sustentáculo de nenhuma religião. E é por isso que somos contra essa urgência que foi apresentada aqui e que, me parece, caminha na direção de um equilíbrio posterior, de uma compensação posterior para aquilo que não devia ser aprovado,
porque o Estado brasileiro, desde sua separação da Igreja, pós pproclamação da República, éum Estado republicano laico. Não existe meia laicidade. Nós temos que garantir que o povo brasileiro, tendo a sua opção religiosa, possa praticá-la da maneira como bem lhe convier. Mas não étarefa do Estado brasileiro financiar, por exemplo, o ensino religioso em escola pública, que é o que hoje já existe na Constituição e que é piorado agora, porque se muda a Lei de Diretrizes e Bases para se colocar o ensino religioso, católico e de outras profissões, em matrícula facultativa. Então nós estamos violando a lei, é inconstitucional.
Por isso, queremos adiar, para discutir melhor essa questão, para que a tomada de consciência dos Parlamentares sobre esse tipo assunto seja feita com calma e sem tensão.
A colocação dessa urgência na pauta hoje contaminou o debate. Eu sou daqueles que, como democrata republicano, que defendo o Estado laico, não quero contaminação desse debate. Eu quero que esse debate seja feito nos termos em que a Constituição brasileira — as garantias individuais, a liberdade religiosa — seja respeitada, e que façamos um debate não para compensações ou guerras religiosas, porque o nosso Brasil é um País de tolerância, é um País de liberdade religiosa e é um País que tem a maioria de crentes, mas é preciso sinceramente respeitar aqueles que crêem e aqueles que não crêem. Por isso o Estado brasileiro precisa ser laico. É por isso nós somos pela retirada.