PSOL: entre a disputa política moralista e a programática
ESCRITO POR MAX GIMENES
19-AGO-2009
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acaba de passar por um processo de congressos estaduais e chega agora ao seu II Congresso Nacional, a ser realizado na cidade de São Paulo nos dias 21, 22 e 23 de agosto. O que se pôde observar como divergência interna relevante até o momento foi uma diferença de análise da conjuntura e, conseqüentemente, das prioridades táticas e da estratégia do partido para intervir nas lutas cotidianas da população e nas eleições de 2010.
Há, por parte daqueles que defendem a preponderância da luta contra a corrupção, uma tendência a negar que exista essa polarização, colocando formalmente como eixo central a luta contra a crise econômica, mas agindo, na prática, de modo diferente. Alegam que a corrupção seria o elo frágil da cadeia, é um tema que “pega” junto ao povo, sendo capaz de ser ele o canal entre a insatisfação popular e o PSOL. Pode ser um dos canais, sem dúvida, mas há que se ter clareza sobre alguns aspectos, a começar pela ciência de que o socialismo não é uma condecoração de distinção moral ou uma criação metafísica a congregar os seres iluminados e de alguma forma superiores em seu entorno. Definitivamente, não.
É preciso entender também que o tema “pega” facilmente porque faz parte de um senso comum forjado em uma década de hegemonia neoliberal, em que o chamado “pensamento único” se impôs com força e que a única diferenciação política aparentemente possível, já que se proclamava o fim das ideologias, seria por meio da bandeira da ética na política. Bandeira esta que tem sido utilizada diligentemente pela mídia desde então para colocar todos no mesmo saco e semear o ceticismo em relação à participação político-partidária.
O Partido dos Trabalhadores (PT) assistiu ainda jovem à queda do Muro de Berlim e ao desnorteamento político que provocou o colapso do chamado “socialismo real”. O partido não resistiu à pressão e abandonou a disputa por um projeto alternativo para em seu lugar disputar a gerência do projeto dado. Passou, aos poucos, a abandonar seu plano estratégico, que atingiu a melhor formulação com o programa democrático-popular, para contentar-se com a disputa moral. Afinal, muitos foram convencidos de que o pensamento único era de fato único e que caberia aos petistas a luta pela gerência do sistema, a fim de torná-lo mais humano, o que é estruturalmente inviável.
A corrupção, entendida como apropriação de bens públicos ou de uma coletividade para uso privado ou corporativo, é inerente ao sistema capitalista, pois este tem como fundamento a busca pelo lucro. Como não há capitalismo sem lucro, e este é em última instância uma forma de corrupção aceita legalmente, não é possível criticá-la isoladamente. A corrupção é estrutural não só no Estado brasileiro, mas em todo Estado capitalista. A luta contra a corrupção é tática para a denúncia do sistema vigente e gancho para proposições programáticas, que devem ser o eixo, ainda mais em um momento de crise. Um paralelo pode ser feito com a questão ambiental, que caso não esteja vinculada à crítica ao capitalismo predatório tende a ser uma pauta vazia ou possível de ser cooptada e ainda acabar servindo como marketing para as corporações.
A crise econômica que atravessamos, a maior desde a de 1929, é profunda e já ultrapassou os muros do cassino financeiro e chegou à economia real, causando desemprego e forçando o governo a reduzir verbas de políticas sociais para drená-las ao grande capital. É a socialização dos prejuízos em tempos de crise que se segue à privatização dos lucros em tempos de bonança. É certo que ela abre perspectivas de questionamento do regime vigente, mas é um engano crer que a crise é positiva para a esquerda e os socialistas. Não o é necessariamente, pois as mesmas chances que abre à radicalização da esquerda o faz também à direita. E, tendo em vista o atual despreparo e fragmentação da esquerda, é possível dizer que vivemos tempos perigosos. A ofensiva conservadora em defesa do capital está mais presente agora do que em tempos de estabilidade, embora cada vez mais sofisticada.
As oportunidades criadas tendem a ser aproveitadas pelos próprios defensores do capital, com o uso emprestado do ideário keynesiano, de modo provisório. É preciso entender esse tipo de intervenção como cooptação de uma doutrina econômica esgotada, como a outra face de uma mesma moeda neoliberal. Ela faz parte do ciclo dialético por meio do qual a economia capitalista se recicla. O keynesianismo como alternativa morreu, e os economistas que o defendem não são senão massa de manobra nas mãos daqueles que sairão da moita tão logo o Estado apague o incêndio provocado pela ganância capitalista – no caso, os neoliberais, ou qualquer outro nome que se venha a dar aos partidários da supremacia do mercado e da liberdade do capital.
É preciso travar a disputa programática e para este programa de ruptura disputar a consciência do povo, com um partido de massas e não vanguardista, ultrapassando a barreira do simples propagandismo e da denúncia ética para se tornar alternativa real de governo e assim avançar em uma disputa propositiva. O único formato existente hoje para a construção efetiva e conseqüente do socialismo é o de democracia popular, observadas as peculiaridades de cada tempo e de cada povo, que lute pelo fortalecimento do Estado, pela organização e mobilização popular e pela abertura e democratização das instituições, o que vem logrando êxito em países da América Latina, a exemplo de Venezuela, Bolívia e Equador.
Um partido que se proponha a ir além do que foi a experiência do PT não pode cometer os mesmo erros, ainda mais em conjuntura diferente e tão mais promissora. Para isso, é preciso fazer uma leitura correta e entender que o erro petista não foi a defesa de um programa democrático-popular para, com a combinação da disputa institucional e da mobilização popular, revolucionar o Brasil e construir o socialismo. Foi justamente o abandono deste e a capitulação à disputa política moralista. O PT no governo nos marcos da gestão burguesa do Estado é a prova de que, por mais boa vontade que porventura se possa ter, a voracidade do capital não perdoa. Ela arrasta uns e atropela outros, mas não deixa de executar seus objetivos.
Max Gimenes é estudante de Ciências Sociais.
Por Max Gimenes
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acaba de passar por um processo de congressos estaduais e chega agora ao seu II Congresso Nacional, a ser realizado na cidade de São Paulo nos dias 21, 22 e 23 de agosto. O que se pôde observar como divergência interna relevante até o momento foi uma diferença de análise da conjuntura e, conseqüentemente, das prioridades táticas e da estratégia do partido para intervir nas lutas cotidianas da população e nas eleições de 2010.
Há, por parte daqueles que defendem a preponderância da luta contra a corrupção, uma tendência a negar que exista essa polarização, colocando formalmente como eixo central a luta contra a crise econômica, mas agindo, na prática, de modo diferente. Alegam que a corrupção seria o elo frágil da cadeia, é um tema que “pega” junto ao povo, sendo capaz de ser ele o canal entre a insatisfação popular e o PSOL. Pode ser um dos canais, sem dúvida, mas há que se ter clareza sobre alguns aspectos, a começar pela ciência de que o socialismo não é uma condecoração de distinção moral ou uma criação metafísica a congregar os seres iluminados e de alguma forma superiores em seu entorno. Definitivamente, não.
É preciso entender também que o tema “pega” facilmente porque faz parte de um senso comum forjado em uma década de hegemonia neoliberal, em que o chamado “pensamento único” se impôs com força e que a única diferenciação política aparentemente possível, já que se proclamava o fim das ideologias, seria por meio da bandeira da ética na política. Bandeira esta que tem sido utilizada diligentemente pela mídia desde então para colocar todos no mesmo saco e semear o ceticismo em relação à participação político-partidária.
O Partido dos Trabalhadores (PT) assistiu ainda jovem à queda do Muro de Berlim e ao desnorteamento político que provocou o colapso do chamado “socialismo real”. O partido não resistiu à pressão e abandonou a disputa por um projeto alternativo para em seu lugar disputar a gerência do projeto dado. Passou, aos poucos, a abandonar seu plano estratégico, que atingiu a melhor formulação com o programa democrático-popular, para contentar-se com a disputa moral. Afinal, muitos foram convencidos de que o pensamento único era de fato único e que caberia aos petistas a luta pela gerência do sistema, a fim de torná-lo mais humano, o que é estruturalmente inviável.
A corrupção, entendida como apropriação de bens públicos ou de uma coletividade para uso privado ou corporativo, é inerente ao sistema capitalista, pois este tem como fundamento a busca pelo lucro. Como não há capitalismo sem lucro, e este é em última instância uma forma de corrupção aceita legalmente, não é possível criticá-la isoladamente. A corrupção é estrutural não só no Estado brasileiro, mas em todo Estado capitalista. A luta contra a corrupção é tática para a denúncia do sistema vigente e gancho para proposições programáticas, que devem ser o eixo, ainda mais em um momento de crise. Um paralelo pode ser feito com a questão ambiental, que caso não esteja vinculada à crítica ao capitalismo predatório tende a ser uma pauta vazia ou possível de ser cooptada e ainda acabar servindo como marketing para as corporações.
A crise econômica que atravessamos, a maior desde a de 1929, é profunda e já ultrapassou os muros do cassino financeiro e chegou à economia real, causando desemprego e forçando o governo a reduzir verbas de políticas sociais para drená-las ao grande capital. É a socialização dos prejuízos em tempos de crise que se segue à privatização dos lucros em tempos de bonança. É certo que ela abre perspectivas de questionamento do regime vigente, mas é um engano crer que a crise é positiva para a esquerda e os socialistas. Não o é necessariamente, pois as mesmas chances que abre à radicalização da esquerda o faz também à direita. E, tendo em vista o atual despreparo e fragmentação da esquerda, é possível dizer que vivemos tempos perigosos. A ofensiva conservadora em defesa do capital está mais presente agora do que em tempos de estabilidade, embora cada vez mais sofisticada.
As oportunidades criadas tendem a ser aproveitadas pelos próprios defensores do capital, com o uso emprestado do ideário keynesiano, de modo provisório. É preciso entender esse tipo de intervenção como cooptação de uma doutrina econômica esgotada, como a outra face de uma mesma moeda neoliberal. Ela faz parte do ciclo dialético por meio do qual a economia capitalista se recicla. O keynesianismo como alternativa morreu, e os economistas que o defendem não são senão massa de manobra nas mãos daqueles que sairão da moita tão logo o Estado apague o incêndio provocado pela ganância capitalista – no caso, os neoliberais, ou qualquer outro nome que se venha a dar aos partidários da supremacia do mercado e da liberdade do capital.
É preciso travar a disputa programática e para este programa de ruptura disputar a consciência do povo, com um partido de massas e não vanguardista, ultrapassando a barreira do simples propagandismo e da denúncia ética para se tornar alternativa real de governo e assim avançar em uma disputa propositiva. O único formato existente hoje para a construção efetiva e conseqüente do socialismo é o de democracia popular, observadas as peculiaridades de cada tempo e de cada povo, que lute pelo fortalecimento do Estado, pela organização e mobilização popular e pela abertura e democratização das instituições, o que vem logrando êxito em países da América Latina, a exemplo de Venezuela, Bolívia e Equador.
Um partido que se proponha a ir além do que foi a experiência do PT não pode cometer os mesmo erros, ainda mais em conjuntura diferente e tão mais promissora. Para isso, é preciso fazer uma leitura correta e entender que o erro petista não foi a defesa de um programa democrático-popular para, com a combinação da disputa institucional e da mobilização popular, revolucionar o Brasil e construir o socialismo. Foi justamente o abandono deste e a capitulação à disputa política moralista. O PT no governo nos marcos da gestão burguesa do Estado é a prova de que, por mais boa vontade que porventura se possa ter, a voracidade do capital não perdoa. Ela arrasta uns e atropela outros, mas não deixa de executar seus objetivos.
Max Gimenes é estudante de Ciências Sociais e militante do núcleo Belém/Móoca/Tauapé do PSOL.