O ato solene em homenagem aos 25 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realizado neste dia 12 na Assembleia Legislativa mostrou a força deste que é um dos principais movimentos sociais brasileiros. O auditório Franco Montoro, com 260 lugares, foi pequeno para acomodar todos os participantes do evento. O hall externo ao plenário ficou o tempo todo lotado. Movimentos sociais, militantes de pastorais sociais e entidades sindicais de diversas regiões do Estado fizeram questão de participar da atividade promovida pela Frente Parlamentar pela Reforma Agrária, coordenada pelo deputado Raul Marcelo.
O auge do evento foi a declamação de poesias feitas por seu Luiz Beltrame, militante que já participou de dez marchas e, às vésperas de completar 101 anos, mostrou lucidez emocionante ao declamar poesias em defesa da reforma agrária.
O deputado Raul Marcelo fez questão de destacar que “o mais importante da ideia e do surgimento do MST é trazer dignidade ao povo brasileiro, em especial esses 20 milhões de brasileiros que estão na linha da miséria. Dizer que com um projeto coletivo é possível mudar não apenas as vidas individuais, mas também a coletiva, transformar o país. É por isso que a Veja, a Rede Globo e a burguesia nacional articulada com a burguesia internacional atacam tanto o Movimento Sem Terra. Porque despertar essa consciência no povo brasileiro é muito perigoso para os seus interesses”.
Raul Marcelo homenageou a militante Maria Cícera Neves, atropelada e morta por um caminhão no primeiro dia da marcha que partiu de Campinas em 6 de agosto para chegar à capital no último dia 10. O deputado também lembrou o projeto de lei 578/07, por meio do qual o governo Serra quer legalizar a grilagem no Pontal do Paranapanema, seguindo o que o governo Lula fez na Amazônia por meio da MP 458.
Por um Brasil sem latifúndio
“A terra do Brasil, a terra latino-americana está empapada de sangue indígena, de sangue camponês, de sangue operário, de sangue pastoral”, lembrou Paulo Pedrini, integrante da coordenação da Pastoral Operária Metropolitana de São Paulo. Paulo lembrou que as mortes de Carlos Marighella, do operário Santo Dias, de Padre Josino, frei Tito e tantas outras perpetradas pela ditadura militar ou em decorrência das torturas promovidas pelo regime dos quartéis, assim como o assassinato das centenas de militantes do MST nos últimos 25 anos, na luta pela reforma agrária, não foram em vão. “Deixaram a semente da luta por justiça e por uma sociedade igualitária”, disse.
Aparecido Bispo, dirigente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo, ressaltou a importância do fortalecimento do MST no último quarto de século para a luta contra as desigualdades sociais no Brasil. “Precisamos fortalecer cada vez mais a luta pela reforma agrária, porque é a única forma da gente consolidar um projeto de democracia, liberdade e autonomia da sociedade brasileira”, disse.
O professor Paulo Kageyama, do deptº de Ciências Florestais da ESALQ/USP lembrou que o MST também tem cumprido um importante papel na luta contra os transgênicos. Também prestigiaram o evento o cônsul geral de Cuba em São Paulo, embaixador Carlos Trejo, o representante do Consulado venezuelano Luís Delgado, e vários parlamentares.
O movimento que luta sem se deixar cooptar
A socióloga e professora da USP Heloísa Fernandes, filha do saudoso professor Florestan Fernandes (cujo nome batiza a Escola Nacional do MST, no município de Cajamar) emocionou os presentes ao falar. “São 25 anos de luta contra 25 anos de vergonha”, afirmou. Retomando a famosa frase de seu pai, Heloísa encerrou sua saudação lembrando que os trabalhadores precisam se organizar para lutar por seus direitos “sem se deixar cooptar, sem se deixar abater, exatamente como faz o MST”
O professor Ariovaldo Umbelino, geógrafo da USP falou da sua “alegria de ve-los novamente marchando, novamente em luta. Porque se há uma coisa que aprendi com vocês é que só há um caminho para a vitória: a luta. Felizmente vocês estão de novo nas ruas mostrando que há oposição sim neste país, que há pessoas que lutam para construir uma pátria livre. Mais que isso, vocês estão aí a contestar esses números, que continuam sendo divulgados, da realização da reforma agrária no nosso país. Números que não correspondem à realidade”.
Ricardo Antunes, sociólogo e professor da Unicamp, lembrou que “o MST incomoda porque estamos no país em que os bandidos são tratados como heróis e os heróis, como vocês, são chamados de bandidos. Entram governos e saem governos e essa história se repete”. Antunes destacou também que o Movimento Sem Terra “talvez seja o único movimento social no país que não se vergou à pressão das Monsantos”.
Na última fala do ato, a dirigente nacional do MST Kelli Mafort, realçou que “as transformações feitas no campo foram na verdade uma contra-reforma agrária” e que “o governo federal também não tem priorizado a reforma agrária, mas, ao contrário, tem priorizado o agronegócio”. E disse que o MST continuará sua luta pela terra, pela reforma agrária e pela transformação radical da sociedade porque estas são lutas imbricadas.
Quase às onze da noite, ainda com o plenário lotado, foi exibido o vídeo produzido pelo Movimento com imagens da trajetória do MST, depoimentos de apoiadores como Plinio de Arruda Sampaio, Paulo Arantes e Iná Camargo Costa. O título do vídeo, extraído do poema “Transgressões”, do uruguaio Mário Benedetti (morto em 17 de maio deste ano), é uma síntese da proposta colocada para o Brasil pelo MST: “Só crescemos na ousadia!”.