Artigo de Ivan Valente publicado no Jornal do Brasil – 20/08/2009
RIO – Depois de muita luta e pressão social, nesta quarta-feira, 19 de agosto, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados finalmente instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a dívida pública da União, estados e municípios – este que é o principal gargalo do desenvolvimento brasileiro. Aprovada desde dezembro, após pedido apresentado pelo nosso mandato, a CPI esperou muito tempo até que os líderes partidários indicassem nomes para seu funcionamento. Não sabemos se por desconhecimento da importância da iniciativa ou se por vontade de boicotá-la.
A questão é que a CPI finalmente saiu do papel e é hora, agora, de o país investigar a sério este mecanismo que causa uma hemorragia brutal nas finanças públicas do Brasil, através do pagamento de juros, amortizações e rolagem da dívida com recursos orçamentários e a emissão de títulos públicos. Trata-se de um sistema que se retroalimenta e impede qualquer desenvolvimento soberano, sustentável e com justiça social.
Olhando apenas para os governos dos dois últimos presidentes – FHC e Lula – a dívida interna brasileira aumentou 17 vezes. No começo de governo FHC (janeiro de 1995), ela era de R$ 62 bilhões. Em janeiro deste ano, já no governo Lula, ela ultrapassou R$ 1,68 trilhão. No mesmo período, o governo federal gastou R$ 906 bilhões com juros e outros R$ 879 bilhões com amortizações das dívidas interna e externa. É importante lembrar, inclusive, que, ao contrário do que fizeram crer a população, a dívida externa brasileira ainda existe. Somente no ano passado, o que o governo federal desembolsou com juros e amortizações da dívida pública corresponde a mais de 30% do orçamento da União.
Fica claro então que, para pagar as obrigações da dívida, os governos cortam investimentos na área social, sucateando os serviços públicos e enxugando a máquina pública. Isto aumenta a miséria, as péssimas condições de educação, saúde, e ainda mais a desigualdade social. Não é à toa que seguem válidos os vetos ao Plano Nacional da Educação, que permitiria ampliar os gastos no setor para 7% do PIB; ou que os investimentos na saúde seguem estacionados mesmo em tempos de epidemia.
Mas, mesmo com todos esses gastos, a dívida continua crescendo, e ninguém questiona seu pagamento. Basta olhar para o que aconteceu no auge da crise econômica no país. Para fazer caixa, em vez de parar o pagamento dos juros e amortizações da dívida, o governo editou medidas provisórias liberando a emissão de títulos públicos a qualquer hora e lugar.
A CPI da Dívida Pública será um poderoso instrumento de levantamento de informações, denúncia e construção de propostas para superar esse modelo perverso. Vamos analisar, por exemplo, os trabalhos de comissões parlamentares anteriores que já estudaram essa questão, como a Comissão Especial do Senado para a Dívida Externa, de 1987, cujo relator foi o então senador Fernando Henrique Cardoso, e a Comissão Mista de 1989, cujo relatório não foi sequer votado pelo Parlamento.
Queremos ainda conhecer quem possui títulos da dívida interna pública federal e sua participação no total da dívida: bancos, fundos de investimentos, fundos de pensão, instituições financeiras, pessoas físicas, pessoas jurídicas não residentes no Brasil etc. Tudo isso permitirá saber quem realmente seria afetado por uma mudança no pagamento da dívida. No ano 2000, mais de 36% da dívida interna estavam em poder dos bancos.
Enfim, é urgente investigar a nossa dívida pública, identificar suas parcelas que foram contraídas de forma ilegal e levantar informações que possam ajudar na realização de uma auditoria da dívida – que está, inclusive, prevista em nossa Constituição Federal, mas que nunca saiu do papel. A CPI será, portanto, um instrumento poderoso de esclarecimento da população para superar esse modelo perverso de acúmulo de riquezas, de favorecimento do capital financeiro e que impede o verdadeiro desenvolvimento do país.
*Deputado federal pelo PSOL-SP