Entrevista concedida pela Professora Lighia B. Horodynski-Matsushigue
Em entrevista concedida a liderança do PSOL na Câmara Federal, a professora Lighia B. Horodynski-Matsushigue, 2º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN, levanta preocupação com os projetos sobre a reforma universitária que retornam a pauta na câmara dos deputados, através de comissão especial. E alerta para a necessidade dos estudantes e os deputados comprometidos com a educação de combaterem esses projetos que na sua opinião possuem um forte teor de privatização da educação superior.
1. Por que, na opinião do ANDES, está se resgatando os projetos sobre a Reforma Universitária?
LM: A assim chamada, “Reforma Universitária” está em tramitação na Câmara dos Deputados desde outubro de 2004, quando foram depositados os PL 4.212 e 4.221, respectivamente dos deputados Átila Lira (PSB/PI) e João Matos (PMDB/SC). Atualmente é constituída por 14 projetos de lei (PL), depositados em épocas diversas (entre 2004 e 2009), de escopo mais amplo ou mais restrito e de teor também diversificado, que estão sendo analisados conjuntamente.
O ANDES-SN, com base em análises do seu Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE), consolidou a opinião de que se trata, na verdade, de uma contra-reforma, já que caminha no sentido inverso às aspirações históricas da sociedade brasileira e das necessidades do país. Tal opinião fundamentou-se no estudo dos conteúdos dos projetos, mas, também, na perspectiva descortinada pelo processo de tramitação, desencadeado em 2004, e pelos interesses defendidos por parte dos deputados envolvidos. Tudo indica que a “reforma” está sendo balizada pelos objetivos do poderoso setor mercantil da educação superior, brasileira e transnacional, que se organizou e se antecipou, quando do anúncio do executivo federal de que encaminharia um projeto de “reforma universitária” ao Congresso. Este envio acabou acontecendo apenas em junho de 2006, quando do depósito, pelo governo, do PL 7.200, que foi contemplado, na Câmara, por 368 emendas, de teor diversificado, mas que, majoritariamente, tentam rebaixar as exigências lá contidas e trazer a propositura governamental para mais perto do teor do imenso projeto de João Matos.
Todos os projetos acima citados nunca foram arquivados. O que aconteceu faz parte da estratégia desenvolvida pelos interesses mercantis: deixar caminhar seus projetos na surdina a maior parte do tempo possível. Assim, os dois projetos de 2004 não receberam emendas e nem foi sobre eles elaborado qualquer relatório, apesar de terem relatores nomeados: respectivamente, os deputados (ambos PT/RS…) Tarcísio Zimmermann (PL 4.212) e Maria do Rosário (PL 4.221), sendo, esta última, a atual presidente da Comissão de Educação da Câmara. Pedida a urgência pelo governo, em 2006, foi rapidamente constituída Comissão Especial; tendo sido cumpridos já alguns dos trâmites necessários, a urgência foi transformada em prioridade e, frente à mobilização da sociedade, em particular de parcela importante dos estudantes, contra os erros contidos no PL do governo, a contra-reforma ficou temporariamente congelada, até abril do presente ano.
Enquanto isto o executivo federal foi implantando parte de suas reformas, com nova estratégia: cooptação dos estratos dirigentes, utilizando-se, até, de chantagens, por meio do aceno a novos recursos para a instituição e aparente ampliação de poder de decisão.
Mais recentemente, sentindo a sociedade anestesiada pela crise e os estudantes do sistema federal ocupados, tentando diminuir os estragos da intempestiva implantação de UAB, REUNI e IFET, o setor mercantil achou boa a hora para reativar a Comissão Especial. Esta está trabalhando a todo vapor, desde o dia 7 de abril do corrente ano, agora ostensivamente com viés privatista. Antes de mais nada, para os interesses mercantis, é essencial que a contra-reforma esteja bem encaminhada, ou, preferencialmente, votada, até a convocação da Conferência Nacional de Educação (CONAE), em abril de 2010…
Pelas biografias, tanto do presidente quanto do relator da Comissão, ambos sem ligação histórica alguma com a área da educação, considerando, ainda, o baixíssimo comparecimento de deputados às “audiências públicas”, podem surgir suspeitas de que alguns deputados aceitaram o papel de “bodes expiatórios”, pois pouco terão a expiar nas próximas eleições, já que não dependem dos votos da comunidade preocupada com a educação superior…
2. Que avaliação o sindicato faz desses projetos?
LM: O conjunto constituído pelos 14 PL’s contém de tudo, até mesmo uma proposta, elaborada nas vésperas da posse do primeiro governo Lula, pelo ANDES-SN e aprovada pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, que visava democratizar a composição e adequar as atribuições do Conselho Nacional de Educação (CNE); este PL foi submetido à Câmara por Luciana Genro, atualmente no PSOL. Contém, ainda, o projeto de “Universidade Cidadã” da FASUBRA, além do recente PL da UNE, este com diversas falhas estruturais.
Entretanto, como anunciado, há tempos, pelas análises do GTPE e, segundo todos os indícios presentes no relatório preliminar de 29 de abril de 2009, do, então demissionário, Waldir Maranhão, será construído um substitutivo, baseado essencialmente no PL 7.200/06, do governo, com todas as suas emendas, e no PL 4.221/04, de João Matos, este composto de 5 Títulos, cada qual com vários capítulos e, ao todo, 109 artigos.
Este substitutivo, se não houver FORTE INTERVENÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL e PRESSÃO, TAMBÉM, DE DEPUTADOS COMPROMETIDOS COM A EDUCAÇÃO, sairá bem ao gosto da ABMES (Associação das Mantenedoras), que vem se empenhando neste sentido com “sugestões ao governo”, a cada véspera da posse de nova gestão, atuando, também, fortemente junto a muitos deputados. Isto significa que, na parte referente ao ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases pode ser totalmente desconstruída, a começar pelo significado original do artigo 209 da Constituição Federal (CF), repetido na LDB com mais um inciso, além dos dois presentes na CF; nestes incisos está explicitada a regulação a que o empresariado deveria se submeter, quando se ocupasse do “negócio” da educação. O que a contra-reforma pretende é que o ensino seja, simplesmente, ”livre à iniciativa privada”, conforme o caput do artigo 209, tornando inócuos os 3 incisos que acompanham o artigo 7° da LDB. Assim, as empresas se auto-regulariam; os diplomas seriam registrados por qualquer IES, mesmo pelas próprias faculdades etc…etc..
Todo o Título inicial do PL 4.221/04, com 9 Capítulos, é dirigido a TODAS AS IES, públicas ou privadas, e pode trazer o rebaixamento de qualidade também do ensino público. São diminuídas, violentamente, as exigências quanto ao Tempo Integral ou à Dedicação Exclusiva (DE) na atuação de docentes em universidades, quanto à titulação destes docentes, quanto à existência de pesquisa e extensão em universidades, quanto a cargas horárias de cursos, a partir do nível, já baixo, determinado pela lei atual para estes quesitos etc.. É afrontada a dignidade do trabalho docente, ao ser trazida para a legalidade a figura do professor “horista” (sic!). Outro dos 5 Títulos, presentes no PL 4.221/04, se ocupa da Avaliação, dando nova configuração ao SINA
ES, à CONAES e ao ENADE, mantendo os nomes, mas exigindo, entre outros, que sejam, efetivamente, instrumentos de ranqueamento entre as instituições. Vale registrar que outro dos PL vai além e tornaria o exame obrigatório para todos, com registro no diploma do aluno. Ainda, outro Título do PL de João Matos reorganiza o CNE, sempre ao gosto dos interesses mercantis. Concluindo: máxima atenção para a atuação da Comissão Especial é dever de todo deputado, ligado ao setor da Educação Pública.
- Entre as propostas encontra-se o PL 7200/06 do executivo. Com base nos projetos do executivo para o ensino superior como o ANDES avalia a política do governo Lula para esse setor?
LM: O PL 7.200, do executivo federal, mereceu extensa análise, em agosto/setembro de 2006, por parte dos movimentos docente e discente, que pode ser recuperada no ANDES-SN. Este projeto contém muitas armadilhas, que podem ser exploradas durante a tramitação, em especial se forem levadas em consideração as muitas emendas que o projeto sofreu. Tenta ancorar juridicamente algumas exigências para as IFES, como definir lista tríplice para eleição (direta…) de reitor, demandar “pleno aproveitamento da capacidade de atendimento institucional”, o que remete ao REUNI, um plano de reestruturação e forte expansão, implantado nas universidades federais, que vem associado a diminuto e altamente insuficiente aporte de verbas adicionais. O projeto do governo também já dá indícios de que se pretender trabalhar com “planos de gestão“, com tempo definido para cumprir metas determinadas, – o que, novamente, encontrou confirmação no REUNI. O financiamento das IFES é proposto em bases absolutamente insuficientes no PL 7.200. Adiantando parte dos dispositivos contidos no PL 7.200/06 com respeito ao Ensino a Distância, já houve a implantação da dita Universidade Aberta do Brasil UAB (que é apenas um consórcio de instituições e não é aberta, pois promove vestibulares), que já pretendeu, em especial, formar os professores do ensino médio que estão faltando… Então, o executivo não ficou parado e já deu mostras dos malefícios que podem advir de uma expansão sem planejamento e sem o financiamento adequado.
Ao se pretender imparcial, o PL 7.200 tem toda uma parte de um de seus Títulos, que trata da “Regulação”, atingindo, indistintamente, IFES e IES privadas. Esta parte, ao lado daquela que caracteriza os diversos tipos de IES (no primeiro Título) é a mais afetada por emendas no sentido da desregulamentação total da educação mercantil, obviamente.
As IES estaduais merecem apenas 3 artigos e poderiam ficar totalmente desguarnecidas, inclusive quanto à gratuidade da educação oferecida.
- Que papel devem cumprir os movimentos sociais, entidades sindicais e estudantis frente a esses projetos.
LM: Claramente, o de resistência e luta. Estamos construindo instrumentos para este enfrentamento a partir de resoluções em nossas instâncias de deliberação. Temos a convicção de que os deputados, conscientes do relevante papel da educação superior de qualidade, não se colocarão à margem deste processo. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, desarticulado durante os primeiros anos do governo Lula, encontra-se com boa perspectiva de rearticulação, em especial para enfrentar esta luta, e o movimento estudantil deverá, como aconteceu 3 anos atrás, dar sua importante contribuição para o enfrentamento a esta contra-reforma, uma vez desmascarado o caráter efetivamente privatizante das propostas em pauta.
Do Site da Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados