Pronunciamento do deputado federal Ivan Valente – PSOL/SP
Sr. Presidente, sras e srs. Deputados,
Desde a semana passada, os telespectadores brasileiros têm sido bombardeados em suas casas pela guerra particular promovida entre as duas maiores emissoras de TV do país. De um lado, a Globo, divulgando a exaustão a denúncia do Ministério Público de São Paulo acerca do desvio de recursos das doações dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD para empresas particulares de Edir Macedo – entre elas a Rede Record. De outro, a mesma Record contra-atacando, produzindo longas reportagens sobre as raízes do monopólio da Globo no Brasil, com direito à divulgação de provas de favorecimento político à emissora durante a ditadura militar e empréstimos ilegais por parte do BNDES. Até cenas do histórico documentário do Channel 4 “Muito Além do Cidadão Kane”, da fraude da ProConsult e do direito de resposta de Leonel Brizola no Jornal Nacional foram colocadas no ar.
Na verdade, nada é novidade nesta disputa. As denúncias de apropriação indevida de recursos da Igreja Universal, que levou a um enriquecimento absurdo da cúpula da IURD, são conhecidas há pelo menos 10 anos. A Globo aproveita de uma nova ação na Justiça para bater de forma escancarada naquela que vem, constantemente, ameaçando de tomar seu lugar na preferência da audiência brasileira. Ou seja, não quer perder anunciantes nem o poder político que detém por ser, historicamente, a mais influente força na formação da opinião pública brasileira.
A Record, por outro lado, em vez de informar os telespectadores sobre a ação em tramitação na Justiça de São Paulo, coloca seu jornalismo a serviço do contra-ataque político à Globo, veiculando fatos e relatos que há muito tempo são de conhecimento daqueles que lutam pela democratização da mídia no país – embora permanentemente abafados pela grande imprensa.
Neste sentido, a guerra midiática tem um aspecto curioso. Dos dois lados da disputa, informações de interesse público, que sempre foram omitidas dos cidadãos e cidadãs brasileiras, finalmente vêm à tona. É fundamental que o grande público tenha a chance de ouvir, na televisão, que o crescimento da Record contou com a “ajuda” involuntária e ilegal dos recursos da Igreja Universal. É essencial que o mesmo público conheça os bastidores da história que transformou a Rede Globo num poder intocável no país, capaz de eleger e derrubar presidentes.
A questão é que, nesta briga, o melhor lado para se apoiar é aquele que, mais uma vez, está sendo ignorado. Na disputa política e econômica por audiência e poder, Globo e Record transformaram o espaço público da radiodifusão em palco para defesa de interesses privados. É o sujo falando do mal lavado. É o princípio da objetividade jornalística jogado no lixo. É a fotografia mais nítida da privatização das concessões públicas de televisão.
Enquanto houver munição disponível – e a história das duas grandes redes revela que o arsenal ainda é grande –, o telespectador brasileiro seguirá assistindo, no horário nobre da TV, aquilo que os donos de Globo e Record desejam. Tudo em nome da defesa do destino dos recursos dos fiéis, de um lado, e da liberdade de informação e quebra do monopólio, do outro. Ora, Sr. Presidente, a multiplicidade de fontes de informação é fundamental em qualquer democracia. Esta é uma bandeira histórica do movimento pela democratização da mídia. Mas os objetivos desta briga estão longe de ser nobres como aparentam. Basta ver que, quando se trata de transformar efetivamente o sistema de comunicações no Brasil, as duas emissoras estão do mesmo lado para dizer não a qualquer mudança estrutural que passe pelo cumprimento de princípios e critérios públicos para exploração da radiodifusão. Não à toa, Globo e Record – ao lado de outras organizações empresariais – se retiraram da organização da I Conferência Nacional de Comunicação, por entenderem que seus interesses não estariam protegidos no processo.
Mas o povo não é bobo, sras e srs. Deputados. Desta briga televisiva, saberemos filtrar as informações essenciais e verdadeiras para acumular forças no sentido de exigir, nesta Conferência de Comunicação que se aproxima, que o Estado brasileiro atue no sentido de garantir que suas concessões de rádio e TV sejam utilizadas com base no interesse público. Esta é a principal briga que os brasileiros e brasileiras precisam ver.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado federal – PSOL/SP