O Observatório da Educação entrevistou Eduardo Amaral, professor de filosofia da rede estadual de São Paulo. Ele avalia o plano de combate à violência nas escolas da rede estadual, anunciado pelo Governo de São Paulo.
OE – Como avalia a instalação de câmeras nas escolas da rede estadual de São Paulo, como forma de combate à violência?
Eduardo – A impressão geral é ruim, porque traz outro tipo de cultura para a escola, deixando de lado o caráter pedagógico que poderia ter a questão da disciplina escolar. Transforma num caso de polícia. Acho isso grave. Por outro lado, considero que vai ser um enorme gasto de dinheiro e que não terá os resultados esperados. Burlar a câmera ou fazê-la sumir vai virar uma espécie de regra. Acho um equívoco grave do estado, de manter uma política de vigiar e punir, que é absolutamente estranha à educação.
OE – Que impactos a presença das câmeras pode trazer ao cotidiano escolar?
Eduardo – Medidas de vigilância policial tem uma certa dimensão. Se é patrimonial, funciona de um jeito. Se é para incidir sobre disciplina ou violência que se comete contra o professor, há outras alternativas, por mais grave que seja a situação. Passa por uma reestruturação da escola sobre como resolver seus conflitos. A violência explode onde não se tem meios de resolução do conflito, porque não se tem uma gestão democrática na escola, a relação dos professores e direção da escola em relação aos alunos é pautada pelo autoritarismo. Seria uma medida mais eficaz, mas também de médio e longo prazos, trabalhar para que as escolas resolvam seus conflitos, e estabelecer formas de convívio democrático nas escolas.
OE – E como avalia a idéia de destacar um oficial da policia militar para atuar na secretaria de educação e fazer esse monitoramento?
Eduardo – Considero que a polícia não está preparada para lidar com assuntos da escola, educacionais. Mesmo a ronda escolar que, em tese, deveria ter formação específica para lidar com as pessoas numa ação educativa, não faz isso. Se há violência na escola também há violência da ronda policial em relação aos alunos. Senão agressão física propriamente, violência verbal. Isso, do ponto de vista pedagógico, é uma lástima, porque ensina que é assim que se resolvem os problemas, na base dos berros, na coerção física, fugindo de qualquer formação para cidadania. Ou seja, o que estará se ensinando vai na oposição do que deveríamos esperar de uma escola pública.
OE – Há situações de violência na escola onde você trabalha? Como lida com elas?
Eduardo – Não temos casos. É raro, e de tal modo abafado, que não tem espaço de discussão. A regra nas escolas é a expulsão do aluno, que é uma medida de recusa de qualquer pedagogia, tira-se o problema para não precisar resolver, ou encaminha para outras instâncias, como o boletim de ocorrência, etc. A violência física é quando estoura, e medidas precisam ser tomadas até para proteger a integridade física das pessoas. A questão é como a escola se organiza para resolver seus conflitos mais cotidianos, como estabelece relação mais dialogada e participativa dos alunos. Hoje se fala em protagonismo juvenil, mas isso é mais retórico do que, de fato, ter instâncias dentro da escola em que o jovem do ensino médio possa discutir o que faz na escola, o que espera da escola, quais suas expectativas de vida. São essas questões que aparecem no dia-a-dia da escola, que não consegue responder a esses anseios, angústias de qualquer jovem nessa idade.
OE – Que tipo de política pública deveria ser desenvolvida pelo Estado para lidar com esse tema?
Eduardo – O primeiro é encaminhar como pauta na escola um processo de efetiva democratização de sua gestão. Ter uma escola democrática, em que as coisas têm espaço para serem discutidas, é algo que ainda precisamos conquistar e estabelecer como cultura escolar. Além disso, ter mecanismos de resolução de conflitos, dialogados; há algumas experiências isoladas, mas não vemos ecoar para a rede. Mas não é algo de curto prazo, não há panacéia para resolver o problema. A violência não é apenas de dentro da escola, mas está na sociedade, pelos problemas que ela carrega de desigualdade, e não será uma política pública isolada que conseguirá dar resposta para esse volume de questões.
Fonte: Observatório da Educação