Senhor Presidente,
Senhores Senadores,
Senhoras Senadoras,
Está em discussão nesta Casa o Projeto de Lei de Conversão nº 9 de 2009, oriundo da Câmara e relacionado à Medida Provisória 458, assinada pelo Presidente da República em 11 de fevereiro do presente ano e que trata da regularização de terras públicas na Amazônia Legal.
Nas últimas décadas, mais de 300 mil pessoas ocuparam informalmente e ilegalmente milhões de hectares na Amazônia. Considerando, por exemplo, apenas terras federais, cerca de 67 milhões de hectares foram ocupados, o que equivale aos territórios da Alemanha e Itália.
Logo que foi editada a MP 458 a Associação Brasileira de Reforma Agrária, entidade não governamental, sem fins lucrativos, que há 35 se dedica à causa da Reforma Agrária, logo expressou suas preocupações.Registro que comungo integralmente com o posicionamento desta importante entidade.
Esta Medida inscreve-se numa seqüência de normas relativas à situação fundiária da região amazônica. Primeiro foi a alteração do artigo 118 da Lei nº 11.196/05, conhecida como a MP do Bem, que elevou para 500 hectares a área máxima para alienação das terras griladas. Em seguida tivemos a MP 422, emitida em março e aprovada em julho de 2008, que permitiu ao INCRA titular diretamente, sem licitação, propriedades na Amazônia Legal com até 15 módulos rurais ou 1.500 hectares. Depois foi a Instrução Normativa nº 49 do INCRA, de 28 de setembro de 2008, que dificultou em muito o processo de reconhecimento dos territórios quilombolas.
No mesmo sentido veio a MP 454, que transferiu ao governo do Estado de Roraima Terras Públicas da União, antes destinadas a programas federais de Reforma Agrária, como uma compensação pela demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.
A MP 458 legaliza a grilagem e entrega a maior parte dos 67,4 milhões de hectares de terras públicas a grileiros, autodenominados empresários rurais, que ocupam ilegalmente terras que, pela Constituição Federal, não podem ser objeto de usucapião.
A MP 458 nada mais é do que um enorme empreendimento imobiliário a favor de grileiros contraventores (e outros interesses do capital) que se apropriaram do patrimônio público e contra as populações com legítimo direito às terras públicas arrecadadas pela União: posseiros, quilombolas, povos indígenas e outros sem terra. Dizer o contrário é desprezar as evidências de mais de trinta anos de pesquisas, encomendadas e pagas pelo próprio governo, para a avaliação de intervenções públicas supostamente voltadas às populações pobres e/ou vítimas do processo da expansão do capital no campo.
A justificativa governamental é singela: a edição da medida visa auxiliar pequenos posseiros estabelecidos na Amazônia Legal. Isso não é verdade. A real motivação está relacionada à opção feita pelo governo Lula a favor do desenvolvimento agrícola caracterizado pela implantação de enormes fazendas de gado, de soja, de cana-de-açúcar e de outros plantios — com óbvios impactos negativos sobre o meio ambiente.
A presente MP une governo, oposição conservadora e o agronegócio aqui neste plenário. Deixa evidente que o governo abandonou definitivamente a reforma agrária e adotou o modelo de desenvolvimento onde prevalecem os interesses dos capitais nacionais e internacionais consorciados no agronegócio.
Infelizmente, ações como esta já aconteceram várias vezes na história do nosso país. Nos governos da ditadura militar, a Reforma Agrária não ocorreu e foi transformada em ações de colonização e nos dois governos de FHC o mesmo aconteceu e criou-se a reforma agrária de mercado. O governo Lula ficará conhecido como aquele que no lugar da Reforma Agrária prometida, instituiu a política agrária imobiliária — a reforma agrária imobiliária.
O renomado geógrafo Ariosvaldo Umbelino recentemente resumiu bem o que está por trás desta medida:
“(…) essas terras são públicas, foram ocupadas ilegalmente pelos grileiros e agora o governo busca a alternativa de premiar o crime, já que o ato de apropriação do patrimônio público é um crime. No entanto, agora é tratado como mera irregularidade, e esse me parece o ponto central”.
É necessário que esta Casa impeça esta farsa e some esforços aos lutadores e lutadoras por uma verdadeira reforma agrária em nosso país. Por tudo isso declaro publicamente o meu voto contrário a integralidade desta Medida Provisória. Esta farsa não contará com o meu voto.
Senado Federal, 3 de junho de 2009.