Este texto que ora apresentamos é parte de um estudo mais amplo que estamos desenvolvendo sobre o trabalho jornalístico de Leon Trotsky. O objetivo central não é propriamente resgatar essa ou aquela tática política que ele defendeu neste ou naquele artigo. Nosso foco recai sobre o texto jornalístico, a linguagem, a maneira como Trotsky escrevia e retratava os fatos e as idéias nos seus jornais. Seu talento para escrever matérias que prendiam a atenção do leitor e causavam impacto já é suficientemente reconhecido, até mesmo por seus detratores e adversários políticos. O que buscamos então é algumas pistas de onde reside a força e a beleza de seus textos, quais eram as suas “táticas” para escrever, para dirigir-se às grandes massas, para convencê-las de suas idéias e também, logicamente, para emocioná-las. Este estudo está centrado na produção jornalística da primeira fase de Trotsky como militante, desde que ele fez o seu primeiro jornal, o Nasche Delo (Nossa Causa), em 1897, até a revolução de outubro de 1917. Um panorama da atribulada e vigorosa relação entre Trotsky e os jornais operários nessa fase, sobretudo no ano de 1905, nos dá uma idéia de como o jornalismo se transformou em instrumento revolucionário nas mãos de um dos mais brilhantes dirigentes socialistas do mundo. Algo que Marx já havia feito e que Trotsky tão bem levou adiante.
Na primeira parte deste texto fazemos um breve levantamento dos jornais feitos por Trotsky e um ou outro dado que conseguimos reunir sobre eles. Na segunda parte damos início a uma análise desse aspecto do trabalho de Trotsky no sentido de resgatar algumas de suas estratégias no momento de escrever as matérias.
“A luta contra a grosseria faz parte da luta pela pureza, a clareza e a beleza da linguagem”.
(LT Por uma linguagem culta, 1923, Questões do Modo de Vida)
A imprensa revolucionária sempre teve um papel de suma importância para os marxistas e para o dia-a-dia da militância e da construção do partido revolucionário. A concepção de Lenin do jornal como um organizador coletivo, em todos os seus sentidos, foi sendo por nós marxistas revolucionários atualizada cotidiana e permanentemente. Como fazer com que o partido mantenha uma boa imprensa, um bom jornal, uma boa revista, como ampliar o espaço e a influência da imprensa revolucionária entre os trabalhadores, como escrever artigos claros e ao mesmo tempo atraentes, que prendam a atenção de nosso leitor, como ampliar nosso espectro de leitores entre a juventude, como disputar o espaço na consciência da classe trabalhadora com a imprensa burguesa? Essas e outras questões sempre fizeram parte das nossas preocupações, porque sempre vimos o braço do partido estendido até os lugares mais distantes, aonde a militância cotidiana não conseguia chegar. Sempre procuramos descobrir o segredo de fazer um jornal que fosse uma ferramenta de aglutinação dos militantes, de enlace entre aqueles que estivessem dispostos a lutar pela revolução socialista.
Em toda a história do Partido Bolchevique, essa preocupação com a imprensa revolucionária esteve presente. No entanto, uma das melhores evidências do papel essencial, vital, imprescindível de uma boa imprensa revolucionária encontramos em Leon Trotsky. Para ele, a imprensa revolucionária era tão fundamental que acabou se confundindo com a sua própria vida militante. A cada passo de Trotsky em sua intensa trajetória de intelectual marxista e militante revolucionário existiu um jornal, às vezes dois, até mesmo três. Fosse na prisão, fosse no exílio, fosse na guerra ou dentro do trem blindado correndo em alta velocidade pelas estepes russas para combater a contra-revolução, Trotsky nunca perdeu a chance de escrever para um jornal. E mesmo nas épocas de maior confronto político com Lenin, este soube reconhecer em Trotsky aquele que conseguia fazer os melhores jornais revolucionários, que batiam em tiragem até mesmo os jornais mencheviques, considerados muito superiores aos bolcheviques.
Tanto assim que Lenin, que considerava essa uma das tarefas mais difíceis do partido – criar um jornal popular – viu na entrada de Trotsky no Partido Bolchevique a solução para esse problema. Em um discurso, em 30 de maio de 1917, dizia que a necessidade de criar um jornal popular estaria resolvida em breve porque estavam em marcha as negociações com o grupo Interdistrital para que Trotsky participasse na edição de um órgão popular. Lenin enfatizava o fato de que a criação de um órgão popular para esclarecer a política do partido para as massas era uma tarefa que exigia uma grande experiência. “Por isso o CC quer conseguir a colaboração do camarada Trotsky, que teve êxito na criação de seu órgão popular Rússkaya Gazeta”, dizia Lenin. (Obras Completas)
Como ele obteve esse êxito? Por que essa obsessão de Trotsky pela palavra? Ao contrário de Lenin, Trotsky deixou poucos escritos sobre a questão do jornal. Um dos poucos é O jornal e seu leitor (em Questões do Modo de Vida) onde ele insiste no cuidado que devemos ter na apresentação de nossos jornais. Mas se vamos investigando os seus passos, podemos encontrar boas pistas sobre seu trabalho nos jornais, suficientes para acreditar que não havia nenhum grande segredo nele, apenas uma boa dose de sensibilidade e uma confiança absoluta na classe trabalhadora e na força das idéias revolucionárias.
Obviamente que do tempo em que Trotsky viveu e militou até hoje, a forma de fazer e distribuir um jornal operário mudou muito. Mas o objetivo desse jornal continua praticamente o mesmo. Daí o interesse que desperta a relação atribulada, intensa e sobretudo apaixonada que um militante revolucionário como Leon Trotsky sempre manteve com a atividade jornalística para os dias de hoje.
Os primeiros jornais
O primeiro jornal feito por Trotsky chamava-se Nashe Delo (Nossa Causa). Era um jornal clandestino e circulava pelas fábricas da cidade de Nikolaiev, na Rússia, onde funcionava a União de Operários do Sul da Rússia. Essa organização foi fundada por Trotsky em 1897, junto com seus amigos estudantes e um grupo de operários. Tinha cerca de 250 membros, a maioria trabalhadores manuais. A principal tarefa da organização e do Nashe Delo era divulgar e explicar aos trabalhadores as idéias contidas no Manifesto Comunista, de Marx e Engels. Trotsky assinava seus artigos com o pseudônimo Lvov.
Em sua autobiografia, Trotsky dá uma idéia de como era difícil o trabalho de propaganda revolucionária naquela época, em Nikolaiev, diante da falta de dirigentes e livros. Os chefes do grupo disputavam entre si o único exemplar manuscrito que tinham do Manifesto Comunista de Marx e Engels, copiado em Odessa, com não sei quantos tipos de letra e inúmeras erratas e rabiscos.
“Diante disso, começamos nós mesmos a escrever. Aqui começa, de verdade, minha carreira de escritor, coincidindo com meus primeiros passos de propagandista revolucionário”, diz.
É bom enfatizar a importância que Trotsky atribuía à qualidade e à apresentação gráfica dos panfletos e jornais que faziam, e o extremo cuidado com que escrevia os textos. Ele conta: “Eu me sentava para escrever os panfletos ou os artigos, que depois eu mesmo me encarregava de copiar em letra de fôrma para o gráfico. Ainda não sabíamos que existiam as máquinas de escrever. Me preocupava em traçar as letras com a maior meticulosidade, pois tinha o prurido de que nenhum operário, ainda que só soubesse soletrar, deixasse de entender os panfletos e manifestos saídos de nossa ‘imprensa’. Cada página me custava duas horas pelo menos. Às vezes passava semanas inteiras com as costas dobradas e só me levantava da mesa para assistir a al
guma reunião ou dar um curso para os operários. Ficava feliz quando chegavam os informes das fábricas e oficinas contando a ansiedade com que os operários devoravam aquelas folhinhas misteriosas com letras em cor violeta, passando-as de mão em mão e discutindo acaloradamente seu conteúdo. Para eles, o autor desses panfletos devia ser um personagem importante e misterioso, que sabia penetrar em todas as indústrias, que averiguava tudo o que ocorria entre os operários e se adiantava aos acontecimentos por meio de uma folhinha nova ao cabo de vinte e quatro horas”. (Mi Vida, Ed. Pluma, p. 91)
O Nashe Delo ia muito bem e tinha grande acolhida entre os operários de Nikolaiev. Mas no ano seguinte, em janeiro de 1898, Trotsky foi preso e deportado para a Sibéria. Logo que chegou, o primeiro que fez foi encontrar um jornal para escrever. E passou a colaborar no jornal progressista da cidade de Irkutsk, onde vivia, chamado Vostochnoie Obozrenie (Revista Oriental). Escrevia crônicas sobre a vida na aldeia e ensaios de crítica literária. Publicou artigos sobre teatro e literatura, escrevendo a respeito das obras de Ibsen, Nietzsche, Hauptmann, Zola, Maupassant, Gogol, Gorki e outros escritores. Assinava com o pseudônimo de Antid Oto. Foi nessa época que ele conheceu algumas das mais importantes obras de Lenin, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia e Que Fazer?..
Em 1902, Trotsky fugiu da Sibéria e foi para Londres, onde filiou-se ao grupo de social-democratas russos, dirigido por Lenin. Aí, colaborou na redação da Iskra (Chispa), jornal encabeçado por Lenin, Martov e Vera Zasulich. Escreveu sobre as manifestações eslavófilas contra a Turquia, promovidas pelo zar, e sobre o Partido Social Revolucionário. Os artigos que escreveu nesse período se caracterizavam por seu estilo atraente e pulsante, e por sua linguagem rebuscada.
Um jornal atrás do outro
No processo revolucionário de 1905, ele teve uma participação tanto teórica quanto prática. Fez trabalho de agitação e uma intensa atividade propagandística. Escreveu em três jornais ao mesmo tempo: a pequena Russkaia Gazeta (Gazeta Russa), que publicava junto com Parvus, e que transformaram em um órgão de luta das massas. Em poucos dias de lançado o primeiro número, o jornal passou de 30 mil para 100 mil exemplares vendidos, tendo atingido a tiragem de meio milhão de exemplares nos primeiros dias de dezembro de 1905; era feito em condições bem precárias em relação aos recursos gráficos. Em 13 de novembro de 1905, apareceu o Natchalo (Início), órgão político que fundou com os mencheviques. A tiragem subia de hora em hora. Segundo conta em Minha Vida, “o Novaia Skkisn (Nova Vida), jornal feito pelos bolcheviques, era bastante insosso, pois faltava a ele a pluma de Lenin. Quanto ao nosso, atingia um êxito fabuloso. Era seguramente o que mais se parecia, de todos os publicados nos últimos cinqüenta anos, à Nova Gaxeta Renana, dirigida por Marx em 1848, que considerava seu modelo clássico”.
Essa vida atribulada de Trotsky no calor da revolução de 1905 é descrita por Isaac Deutscher:
“Das assembléias, Trotsky corria a seus escritórios nas oficinas de redação, pois dirigia e codirigia três jornais. O Izvestia do Soviet aparecia em intervalos irregulares e era produzido com ingênua valentia. Cada número era composto na gráfica de outro jornal, de extrema direita, requisitada para isso por um grupo de choque do Soviet. Além disso, Trotsky conseguiu, com a ajuda de Parvus, que vivia em Petersburgo, obter o controle do jornal liberal Russkaya Gazeta, que transformou em um órgão popular do socialismo militante. Pouco depois fundou com Parvus e Martov um jornal de grande circulação: Nachalo (Início), visto como porta-voz do menchevismo. Na verdade, Nachalo era sobretudo o jornal de Trotsky, pois ele impunha as condições aos mencheviques: o jornal defenderia a ‘revolução permanente’ (…) Na lista de colaboradores do jornal figuravam os grandes nomes do socialismo europeu: Victor Adler, August Bebel, Karl Kautsky, Rosa Luxemburgo, Franz Mehring e Clara Zetkin; e Trotsky pôde gozar a doce vingança de abrir as colunas de Nachalo para Plekanov que, apenas um ano antes, havia considerado ‘moralmente repugnante’ colaborar junto com Trotsky no Iskra”.
Trotsky descreve em suas memórias uma passagem muito interessante sobre a preferência dos trabalhadores pelo jornal que ele fazia, em detrimento do jornal dos bolcheviques. O fato foi presenciado por Kamenev: “Kamenev, que fazia parte da redação do órgão bolchevique, me contava algum tempo depois como, em suas viagens por trem, gostava de ver nas estações a venda de jornais. Quando chegava o trem de Petrogrado se formavam filas intermináveis esperando a imprensa. Ali só eram vendidos os jornais revolucionários. Natchalo! Natchalo! Natchalo!, gritavam as pessoas. Dê-me o Natchalo! De vez em quando, se ouvia uma voz pedindo o Novaia Skkisn, e de novo Natchalo! Natchalo! Não tive outro jeito que reconhecer, infelizmente, que a turma do Natchalo era melhor que a nossa”, confessou Kamenev. ( p.140)
Preso na repressão à insurreição de 1905, Trotsky é novamente deportado para a Sibéria, em 1907, e novamente consegue fugir de lá. Passa a viver em Viena, na Áustria, onde trabalha como jornalista, como correspondente do jornal liberal Kievskaia Mysl (O Pensamento de Kiev). Colaborou também com outros jornais socialistas, como Borba (A Luta), Die Neue Zeit (Os Novos Tempos), Vorwärts (Adiante) e Kampf (Luta). Nessa época ele ainda mantinha uma posição de independência em relação aos mencheviques e bolcheviques.
Em Viena, a partir de outubro de 1908, Trotsky começou a publicar em russo o jornal Pravda (A Verdade). O jornal aparecia duas vezes ao mês e estava destinado aos operários, entre os quais teve muito sucesso. Ele entrava na Rússia de contrabando, parte pela fronteira da Galizia e parte pelo Mar Negro. A publicação durou três anos e meio, e apesar de ser apenas bimestral, exigia um trabalho enorme e cansativo, porque a correspondência secreta com a Rússia levava muito tempo. Além disso, Trotsky mantinha um contato estreito com a organização clandestina dos Marinheiros do Mar Negro, e os ajudava a fazer seu jornal. O principal colaborador de Trotsky na redação do Pravda foi o revolucionário Adolf Joffe, que depois se tornaria célebre como diplomático soviético.
Quatro anos depois, os bolcheviques começaram a publicar em São Petersburgo um jornal com o mesmo nome. Trotsky responsabilizou o bolchevismo pelo plágio, e deixou de publicar o Pravda em Viena. Mas depois passou a colaborar no Pravda publicado sob a direção de Lenin.
A partir de 1912, com a iminência da Primeira Guerra Mundial, Trotsky começa a trabalhar como jornalista no Kievskaia Mysl (O Pensamento de Kiev), que lhe ofereceu um cargo de correspondente de guerra nos Bálcãs. “A oferta me convinha”, conta ele em suas memórias, “porque chegou no momento em que a conferência de Viena havia abortado. Sentia a necessidade de viver algum tempo afastado do mundo dos emigrados russos. Os poucos meses que passei na península dos Bálcãs foram meses de guerra, e neles aprendi muitas coisas. Em setembro de 1912 fui em direção ao sudeste. Considerava que a guerra não era apenas provável, mas inevitável, iminente. Mas quando me vi nas ruas de Belgrado e assisti àqueles longos desfiles de reservistas, quando me convenci por meus próprios olhos de que não tinha escapatória, de que a guerra estava próxima e explodiria de um dia para o outro; quando soube que alguns amigos meus já estavam na fronteira com a arma pendurada no ombro, forçados a matar e morrer nas fileiras da frente; então, a guerra, com que tão claramente havia contado em minhas idéias e em meus artigos, me pareceu impossível, inverossímil. (…) Dois ou três dias depois, a guerra era declarada. “Os que estão na Rússia e vêm as coisas de longe – escrevia, comentando-a -, s
abem disso e acreditam nisso; mas eu, que a tenho aqui na minha frente, resisto em acreditar em meus olhos. Não acho lugar no meu espírito para conciliar o espetáculo do vulgar e o cotidianamente humano – galinhas, cigarros, moleques descalços com o nariz cheio de meleca – e o fato incrivelmente trágico da guerra. Sei que a guerra foi declarada, que já começou; mas ainda não me acostumo à idéia”. Nos anos de 1912 e 1913, Trotsky se dedicou a estudar a situação política e social na Sérvia, Bulgária e Romênia. Aí ele aprendeu muito sobre a guerra, cujas lições lhe seriam úteis não só em 1914, mas também em 1917. E o jornalismo foi a forma que ele encontrou para melhor expressar suas idéias, colocando suas matérias a serviço da luta contra a guerra.
“Em meus artigos comecei a fazer uma campanha contra as mentiras da eslavofilia e do patrioteirismo em geral, contra a ilusão da guerra, contra todo aquele sistema cientificamente montado e destinado a enganar a opinião pública. A direção do jornal teve a valentia suficiente para publicar aqueles artigos, em que descrevia as bestialidades dos búlgaros com os turcos feridos e prisioneiros e desmascarava as falcatruas da imprensa russa, conjurada para escondê-las. Essa campanha desatou uma tempestade de indignação nos jornais liberais. No dia 30 de janeiro de 1913 dirigi a Miliukov, a partir do jornal, uma “interpelação extra-parlamentar” sobre as selvagerias “eslavas” cometidas contra os turcos. Miliukov, representante juramentado da Bulgária oficial, sentindo-se pressionado, defendeu-se balbuciando não sei quantas desculpas. A polêmica durou umas quantas semanas, sem que nela faltassem discretas alusões dos jornais governamentais, dando a entender que por trás daquele pseudônimo, Antid Oto, se ocultava, não apenas um emigrado russo, mas um agente a serviço da Áustria-Hungria”.
Sobre o trabalho nesse jornal, diz Trotsky em suas memórias:
“ O Kievskaia Mysl era o jornal com verniz marxista que mais se lia no sul. Um jornal como aquele só podia ser feito em Kiev, com sua indústria pobre, seus antagonismos de classe pouco desenvolvidos e sua forte tradição de radicalismo intelectual. Mutatis mutandis, pode afirmar-se que aquele jornal radical de Kiev devia seu nascimento às mesmas origens que haviam trazido ao mundo o Simplicissimus de Munique. Eu enviava ao jornal artigos sobre os temas mais diversos, e às vezes os mais arriscados, do ponto de vista da censura. Muitos deles requeriam um considerável trabalho prévio. Em um jornal imparcial e legal como aquele não podia dizer, naturalmente, tudo o que bem entendesse. Mas nunca escrevi tampouco o que não queria dizer. As Edições do estado reuniram em vários volumes todos aqueles trabalhos que fiz. Não tenho por que retirar nada do que disse neles. Não é demais advertir que para colaborar na imprensa burguesa fui autorizado formalmente pelo Comitê Central, em que Lenin tinha maioria”.
Nesse jornal ele escreveu vários artigos sobre os acontecimentos militares e denunciou como principal perigo para os Bálcãs uma intervenção das grandes potências, especialmente a Rússia, que invocava o paneslavismo. Na época, Trotsky afirmou que a única solução para alcançar a paz na região era a criação de um Estado único, uma federação das nações balcânicas. Sobre os artigos de Trotsky no Kievskaia Mysl, Isaac Deutscher escreve: “Cada artigo era um ensaio considerável, notável pela solidez de sua informação de fundo, pela riqueza de impressões e de cor local, pela excelência das descrições e das análises e, por último, mas não menos importante, pela linguagem imaginativa e viva. Reunidos em suas Obras, esses ensaios são ainda uma crônica inestimável sobre os Bálcãs antes de 1914” (O Profeta Armado).
Trotsky trabalhou no Kievskaia Mysl até 1915. O jornal era favorável à guerra, mas era o meio que lhe proporcionava sustento material. Parte de seu trabalho jornalístico consistiu em reportagens e análises sobre temas militares. Para isso, leu revistas e livros sobre o assunto. Esses materiais e sua experiência como correspondente de guerra foram para ele uma valiosa aprendizagem teórica e prática para sua tarefa como Comissário de Guerra do Estado soviético, três anos mais tarde.
Enquanto a guerra assolava a Europa, Trotsky escreveu em Zurich o folheto A Guerra e a Internacional, um dos primeiros documentos marxistas de caráter antibelicista. Nesse texto, dirigido em primeiro lugar contra os social-democratas alemães, ele explica que o dever dos socialistas era defender uma paz democrática, sem anexações ou indenizações, pela autodeterminação da nações oprimidas. A publicação do folheto em alemão, em novembro de 1914, fez com que Trotsky fosse condenado por um tribunal militar na Alemanha. Ele então foge para Paris, e ali cooperou, com Martov, no jornal russo Golos (A Voz), contrário à guerra.
Em fevereiro de 1915, Golos foi proibido pela polícia e Trotsky lança em Paris, junto com Martov, o Nashe Slovo (Nossa Palavra), jornal de cunho marcadamente internacionalista, oposto à guerra e ao social-patriotismo. Entre seus colaboradores figuravam Lunacharsky, Riazanov, Angelina Balabanova, Alessandra Kolontai, Karl Radek e Cristian Rakovsky. O jornal teve grande influência e alcançou um ritmo diário de circulação. Em abril de 1916, Martov sai do jornal e Trotsky assume a direção. Mas a agitação contra a guerra feita nas páginas do jornal provocou a sua interdição e ele foi expulso do território francês em setembro de 1916.
Trotsky usava os jornais em que trabalhou para propagandizar as posições dos internacionalistas revolucionários sobre a guerra. E pelos seus artigos pode-se comprovar como seus pontos de vista estavam corretos sobre o desenrolar da guerra. Contra todas as previsões mais correntes, ele mostrou em seus artigos que a guerra duraria muito tempo e seria uma enorme carnificina, e chegou a prever a ditadura mundial dos Estados Unidos já em 1916.
No dia 4 de agosto de 1915, aniversário de um ano do início da guerra, Trotsky escreveu no Nasche Slovo:
“E, no entanto, chegamos ao sangrento aniversário sem a menor depressão de espírito nem o menos ceticismo político. Nós, os internacionalistas revolucionários, soubemos nos manter firmes em nossa análise, de crítica e de previsão política, frente à maior catástrofe da história mundial. Nos recusamos a ver as coisas através dessas lentes “nacionais” que hoje são distribuídas em todos os países não apenas gratuitamente como dando dinheiro ainda por cima. Olhamos as coisas de frente, chamando-as por seu nome e prevendo a lógica de seu desenvolvimento posterior”.
Em Minha Vida, Trotsky comenta esse artigo: “Hoje, treze anos depois, posso repetir essas palavras exatamente como foram escritas. A sensação, que não nos abandonou um único dia, de estar bem acima da idéia política nacional, incluindo nela o socialismo patriótico, não era fruto de nossa empáfia. Não era um sentimento pessoal, mas conseqüência da posição de princípio que havíamos assumido e que estava acima de tudo. O ponto de vista crítico nos permitia, sobretudo, abarcar com grande clareza as perspectivas da guerra. Ambas as partes contavam, como todo mundo sabe, com uma vitória rápida. Seria fácil trazer aqui inúmeros testemunhos que compartem esse otimismo ingênuo.” “Meu colega francês, escreve Buchanan em suas Memórias, sentia-se tão otimista que apostou comigo cinco libras esterlinas de que a guerra terminaria antes do Natal”. Buchanan guardava em seu interior a crença de que chegaria até a Páscoa. Nós não nos cansávamos de repetir em nosso jornal, desde o outono de 1914, contra todas as profecias, dia a dia, que a guerra teria uma duração desesperante e que dela sairiam esgotados todos os povos da Europa. No Nasche Slovo dissemos, dezenas de vezes, que mesmo no caso de que os aliados vencessem, depois de di
ssipados o vapor e a neve, a França ficaria no cenário internacional como uma Bélgica grande, nem mais nem menos; e previmos a ditadura mundial dos Estados Unidos. “O imperialismo, escrevemos pela centésima vez no dia 5 de setembro de 1916, aposta nesta guerra pelo mais forte, e este será o dono do mundo”.
Em 5 de setembro de 1915 se reúne em Zimmerwald, pequena cidade nas montanhas suíças, a Conferência de Zimmerwald, a primeira depois do início da guerra, com os socialistas internacionalistas. Conta Trotsky, em suas memórias, que “Os delegados franceses enfatizaram em seus informes a importância que tinha para eles o fato de continuar sendo publicado o Nasche Slovo, que mantinha de pé as relações com o movimento internacional de outros países. Rakovski lembrou que nosso jornal contribuía enormemente para formar uma posição internacionalista na social-democracia balcânica”. A conferência de Zimmerwald deu grande impulso ao movimento contra a guerra nos diversos países. Na Alemanha, contribuiu para intensificar a ação dos espartaquistas. Na França foi criado o “Comitê para o fomento das relações internacionais”. E o jornal dirigido por Trotsky, o Nasche Slovo, feito com a participação ativa dos operários da colônia russa de Paris, que também o sustentavam financeiramente, foi cada vez mais se aproximando das posições leninistas, levando Martov a separar-se da redação.
A censura era implacável, e cortava tudo o que saísse na imprensa sobre Zimmerwald. “De todas as formas, escreveu Trotsky no Nasche Slovo, a conferência ocorreu e este é um fato transcendental, senhor censor. (…) Com toda a sua carga de ironia, Trotsky escreveu um artigo que causou impacto: “A conferência de Zimmerwald salvou a honra da Europa. Um professor obtuso escreveu no Journal des Debats que a conferência não teve importância e favoreceu a Alemanha; outro professor igualmente obtuso do outro lado do Rin escreveu que não teve importância e favoreceu a Entente. Se a conferência foi tão impotente e insignificante, por que seus superiores proibiram toda menção a ela? E por que, apesar de toda proibição, vocês mesmos começaram a analisá-la? E não vão parar de analisá-la, cavalheiros… Nenhuma força vai apagá-la da vida política da Europa. (Nashe Slovo, 218, 19/10/1915).
Em janeiro de 1917, Trotsky vai para os Estados Unidos. Vive em Nova York, e colabora com a redação do Novy Mir (O Novo Mundo), que tinha como redatores Nikolai Bukarin, Alessandra Kolontai e V. Volodarsky. Escreve uma série de artigos analisando a revolução russa. Comparando esses artigos de Novy Mir com as cartas que Lenin escreveu na mesma época (as Cartas de Longe), que enviava de Zurique a Petrogrado, percebe-se a concordância com a análise e as perspectivas da revolução russa. Os artigos de Trotsky publicados em Novy Mir foram traduzidos para o inglês e editados por Ian D.Thatcher e James D. White sob o título “Trotsky´s reflections on the Russian revolution from New York”, in Journal of Trosky Studies, Glasgow, 1993.
Em março de 1917 Trotsky volta para a Rússia e publica artigos no semanário que fundou: Vperiod (Adiante), órgão dos meirayontsi, membros da Organização Interdistrital. O jornal apareceu até que a organização dos internacionalistas ingressou no Partido Bolchevique, tendo atingido os 16 números.
Vitoriosa a Revolução de Outubro, Trotsky é nomeado Ministro da Guerra e passa grande parte do tempo viajando por todo país num trem blindado. No trem, além das atividades militares, ele escreveu muito e publicou um jornal chamado V Puti (No Caminho), onde diariamente se noticiava as ações e as batalhas ocorridas, e se reproduzia e comentava despachos informativos internacionais.
Eu tenho a força!
Os jornais de Trotsky sempre faziam muito sucesso. Até o famoso Novaya Zhizn bolchevique, dirigido por feras como Lenin, Gorki, Lunacharsky e Bogdanov, não tinha tanto carisma. “Isso não surpreende a ninguém que revise as coleções dos jornais e os compare: os jornais de Trotsky tinham muito mais brilho e força de expressão”, diz Isaac Deutscher em O Profeta Armado (p.137). Por que seus jornais atraíam tanto os leitores? Qual era o segredo dessa força?
Logicamente, são inúmeros os fatores que podem nos levar a fazer um jornal atraente e escrever belos textos. No entanto, um deles é imprescindível: a sensibilidade para com os problemas humanos. Trotsky gostava de dizer que seus jornais não serviam para explicar nada ao leitor, mas sim, serviam ao leitor. Essa afirmação pode parecer um pouco exagerada, mas é correta. O jornal que pretende explicar coisas ao leitor em geral assume um tom proselitista, messiânico, didático e, não raro, pedante, porque coloca-se numa posição superior em relação ao leitor. Se o jornal serve ao leitor, como queria Trotsky, ele está no mesmo patamar deste, como se entabulasse uma conversa com ele sobre determinado assunto. O leitor não mais é tratado como objeto, alguém que recebe uma lição, mas passa a ser tratado como um sujeito, alguém com quem se troca idéias. Nesse sentido demonstra a sensibilidade e o respeito pelo ser humano, necessários sobretudo quando se sabe que os leitores do jornal são homens e mulheres da classe trabalhadora. Acostumados a serem tratados pela imprensa burguesa como ignorantes, objetos descartáveis, imbecis que precisam ser educados, os trabalhadores, homens e mulheres, sobretudo os mais jovens, quando encontram um jornal que os trata como o que realmente são – sujeitos -, tendem a ouvir melhor as suas idéias e a sentir que ali está alguém que se interessa por eles.
“Caros colegas jornalistas: o leitor lhes suplica que evitem dar-lhes lições, fazer sermões ou serem agressivos, mas sim, que descrevam clara e inteligivelmente o que se passou, onde e como. As lições e as exortações ressaltarão por si mesmas”, aconselha Trotsky (O jornal e seu leitor). No seu entender, o jornalista não deve partir do seu ponto de vista, mas do ponto de vista do leitor. “É uma distinção muito importante, que se reflete na estrutura de cada artigo em particular e na do jornal em conjunto. No primeiro caso, o jornalista (inábil e pouco consciente do seu trabalho) apresenta simplesmente ao leitor a sua própria pessoa, os seus próprios pontos de vista, os seus pensamentos e até, com freqüência, as suas frases. No outro caso, o jornalista que encara a sua tarefa com rigor, leva o leitor a tirar por si mesmo as conclusões necessárias, utilizando para isso a experiência cotidiana das massas”. Ele cita o exemplo de uma epidemia de malária que devastou a Rússia. Os leitores liam avidamente tudo o que a imprensa escrevia sobre o assunto, de tão grave que era. Trotsky defendeu que o jornal do partido fizesse uma ampla cobertura, descrevendo o início e o desenvolvimento da epidemia, as fábricas e regiões mais atingidas, as condições de vida que favoreceram o aparecimento da doença, casos de pessoas atingidas, de famílias inteiras enfermas, a denúncia do governo etc. “Nesse terreno podemos também fazer propaganda contra os preconceitos religiosos. Se as epidemias são um castigo pelos pecados cometidos, por que elas se propagam mais nos lugares úmidos do que nos lugares secos? Um mapa do alastramento da malária é um notável instrumento de propaganda anti-religiosa.”. (O jornal e seu leitor)
Em todos os fatos da vida e da luta de classes, Trotsky procurava ressaltar o lado humano; o seu ponto de vista era o do sujeito, para perceber como aquele fato afetava as pessoas, o seu dia-a-dia, como sua vida seria transformada por este ou aquele acontecimento. Os fatos serviam a ele basicamente para falar dos homens. Isaac Deutscher lembra por exemplo que, para falar da guerra, Trotsky narra as aventuras de um único soldado, revelando por meio delas todo o horror dos campos de batalha. No texto intitulado O Sétimo Regimento de Infantaria da Epopéia Belga, e
scrito em 1915, Trotsky, então trabalhando no jornal Kievskaia Mysl, descreve as experiências de De Baer, um estudante de direito da Universidade de Lovaina que concentra em si mesmo todo o drama da Bélgica invadida e ocupada. Trotsky acompanha sua saga desde o início da guerra, as batalhas, os cercos, as escapatórias, o nascimento do patriotismo entre o povo invadido, os absurdos da guerra. O estudante sofre espantosos tormentos nas trincheiras e, enviado a um hospital na França, se descobre que é muito míope para ser soldado e é dispensado. Abandonado pelas forças militares em um país estranho, não consegue emprego; e quando Trotsky o conhece, ele está passando fome e vestindo trapos. Com o foco centrado em De Baer, Trotsky reproduziu o drama vivido por milhões de jovens soldados como ele, e, com isso, não fez demagogia, apenas mostrou o absurdo da guerra.
De certa maneira, esse enfoque denota a atenção para os detalhes – mostrar que o geral está no particular – que Trotsky sempre demonstrou ter. Mesmo nos momentos mais atribulados dos processos revolucionários que viveu, não descuidava de alguns detalhes que para ele não eram nada secundários. Como, por exemplo, a necessidade de vestir e calçar os soldados russos, que ele levanta no texto intitulado A atenção deve incidir sobre os detalhes, escrito em 1921, período de consolidação da revolução, e publicado no Pravda. Dizia Trotsky: “O plano mais grandioso que não leve em conta os detalhes não passa de pura frivolidade. Para que servirá, por exemplo, o melhor decreto, se por negligência ele não chega a tempo ao seu destino, se é recopiado com erros ou se é lido sem atenção?”
Outro recurso jornalístico muito usado por Trotsky era criar imagens que ficavam gravadas na memória do leitor. Um exemplo é a descrição que ele faz, na História da Revolução Russa, de uma cena que no seu entender marcou o início da revolução. Uma marcha de operários é cercada pelos cossacos, a cavalo. Quando a marcha se aproxima dos animais, ela se detém e, depois de alguns momentos de expectativa, os manifestantes começam a furar o cerco, passando por entre as pernas dos cavalos, sem que os cossacos fizessem nada para impedi-los. Essa cena, que marca em nossa cabeça o início dos dias decisivos da revolução, mostra que os operários haviam perdido o medo dos cossacos, e os cossacos já viam que nada podiam fazer para deter a marcha do processo.
Saber reconstruir as imagens, dar importância aos detalhes aparentemente secundários, respeitar a inteligência do leitor e sempre ter em mente que escrevemos para seres humanos, com sensibilidade, com crenças e valores, tudo isso é fundamental e Trotsky sabia usar como ninguém.
A preocupação em escrever de forma clara, saber relacionar os fatos entre si e baixar tudo à terra, com exemplos concretos, eram outros atributos do jornalismo de Trotsky. Ele não usava o jornal apenas como agitador, no sentido de abrir suas páginas para noticiar fatos ou agitar bandeiras. Seus jornais eram fundamentalmente órgãos de propaganda. Ele escrevia artigos que tinham uma carga explicativa muito grande. Os fatos, como a guerra, por exemplo, serviam para ele quase que tão-somente como pretexto para tirar conclusões, para debater idéias e apontar caminhos. Tanto que o primeiro jornal que ele fez serviu basicamente a um propósito: introduzir os trabalhadores nas idéias marxistas, contidas no Manifesto do Partido Comunista.
Apesar dessa carga explicativa, os artigos não eram pesados ou excessivamente longos. “Trotsky falava a todas as classes sociais, da mais alta à mais humilde, no idioma de cada uma mas sempre com sua própria voz,” escreve Isaac Deutscher. “A Revolução Russa nunca teve, nem voltaria a ter, outro porta-voz com tamanha variedade de tons”. (O Profeta Armado) Deutscher faz essa afirmação sobre Trotsky depois de reproduzir o que ele chama de “uma pequena obra mestra do jornalismo revolucionário”, um artigo curto de Trotsky, publicado no Russkaya Gazeta, no dia 15 de novembro de 1905, intitulado Bom dia, porteiro de Petersburgo. Foi escrito depois que o zar, pressionado pelo ascenso das massas, prometeu promulgar uma Constituição e dar liberdades democráticas. Os porteiros dos edifícios sempre haviam servido fielmente à polícia como delatores, mas agora tinham simpatia pela revolução. E Trotsky escreveu no jornal: “O porteiro de Petersburgo desperta do pesadelo policial. 2.500 porteiros se reuniram para discutir suas reivindicações. Os porteiros não querem continuar sendo instrumentos da violência policial. Muitos pecados e crimes pesam sobre a consciência dos porteiros de Petersburgo. Mais de uma vez eles maltrataram, por ordem da polícia, os operários e estudantes honrados… A polícia os amedrontou e o povo chegou a odiá-los. Mas chegou a hora do despertar geral. O porteiro de Petersburgo está abrindo os olhos. Bom dia, porteiro de Petersburgo.”
Essa matéria é um exemplo da atenção para os detalhes e para o enfoque humano das questões. Ao invés de falar de toda a virada revolucionária que estava ocorrendo na Rússia, ele fala de apenas um aspecto dela – a virada dos porteiros – mostrando que era tão forte essa virada que atingiu até mesmo um dos setores mais reacionários da população (os porteiros) naquela época. Mil análises sobre a virada não teriam causado o impacto que essa breve matéria causou.
Além do brilhantismo, da busca por imagens familiares a todas as pessoas, à preferência pelo discurso direto, que dá vigor ao texto, Trotsky dedicava atenção ao trabalho. Já mencionamos aqui o extremo cuidado com que escrevia seus textos, sobretudo quando eles eram destinados aos jornais operários. Isso porque Trotsky, mesmo trabalhando na correria dos períodos conturbados em que viveu, dava grande valor à linguagem, à forma de expressar-se, de comunicar as idéias revolucionárias. Para ele, as idéias marxistas eram as mais importantes, e por isso, exigiam o máximo cuidado e dedicação ao serem transmitidas, não só no que respeita à clareza, para que todos as entendam, e elas não sejam exclusivas da camadas ilustradas, mas também no que respeita à beleza, ao aspecto estético da linguagem, para que ela se torne interessante, viva e atraente aos olhos do leitor, prendendo sua atenção.
No ensaio Por uma linguagem culta, escrito em 1923, Trotsky insistia nesse aspecto. Ele conta que havia lido em um dos jornais bolcheviques que em uma assembléia geral de trabalhadores de uma fábrica de calçados, foi aprovada uma resolução que proibia a blasfêmia e impunha multas a quem usasse expressões ofensivas. “Esse é um pequeno incidente em meio à grande confusão do momento presente. Um pequeno incidente de grande peso. Sua importância, contudo, depende da resposta que encontre na classe trabalhadora essa iniciativa da fábrica de calçados”, disse Trotsky.
Para ele, a linguagem insultante e os juramentos são uma herança da escravidão, da humilhação e da falta de respeito pela dignidade humana, tanto a própria como a dos outros. ”A linguagem insultante em nossas classes socialmente inferiores era o resultado do desespero, da amargura e, sobretudo, da escravidão sem esperança e sem saída. A de nossas classes altas, a linguagem que saía das gargantas da aristocracia e dos funcionários, era o resultado do regime classista, do orgulho dos proprietários de escravos e do poder absoluto. Supõe-se que os provérbios contêm a sabedoria das massas; os provérbios russos, além disso, revelam sua ignorância e sua tendência à superstição, assim como sua condição de escravos.”
Mas Trotsky confiava na revolução, como o despertar da personalidade humana no seio das massas, nessas massas que supostamente não possuíam nenhuma personalidade.
No ensaio O jornal e seu leitor, que já citamos, Trotsky diz que o que dá alma a um jornal é informação atual, abundante e interessante. Mas para isso, os fatos d
evem estar interligados; é preciso mostrar ao leitor os fatos em sua seqüência, e não como se fossem independentes entre si, sem continuidade de uma semana a outra. Ele sugere que periodicamente o jornal faça um balanço dos fatos mais significativos, uma espécie de resenha, mostrando a ligação entre os diversos acontecimentos. Isso não seria vantajoso apenas para o leitor, mas sobretudo para o próprio responsável por cada editoria do jornal, que manteria sempre atualizado na sua cabeça o desenrolar dos acontecimentos e em melhores condições para prever seu rumo e seu desfecho.
Algo fundamental para um bom jornal, para que seja interessante e atrativo é o uso de mapas quando se fala de regiões ou de outros países. Para Trotsky, o uso dos mapas, mostrando as fronteiras entre os Estados e alguns dados sobre o desenvolvimento político e econômico desses Estados, é imprescindível em vista do papel do imperialismo e das necessidades da revolução mundial. As frases feitas, os chavões e os jargões internos que só alguns poucos entendem devem ser abolidos do jornal, sem pena nem glória.
Em síntese: é preciso fazer um jornal para um leitor vivo, desperto para a luta diária pela vida e para os problemas políticos, e que continua sendo “um homem para quem nada de humano é estranho”, nas palavras de Trotsky. O leitor tem necessidade de que se manifeste interesse por ele, ainda que nem sempre ele saiba exprimir esse desejo. Foi movido por essa idéia e com esse leitor em mente que ele conseguiu fazer jornais socialistas que se esgotavam no ato, disputados avidamente por operários, soldados e camponeses, estivessem onde estivessem.
Obras consultadas
Para este artigo consultamos as obras de Trotsky Literatura e Revolução, Questões do Modo de Vida e suas memórias, intituladas Mi Vida. Da trilogia de Isaac Deutscher sobre Trotsky consultamos o volume intitulado O Profeta Armado. A citações sobre Lenin foram extraídas do tomo 32 de suas Obras Completas (textos referentes a 1917) e também extraímos alguns dados da obra do historiador peruano Gabriel García Higueras intitulada Trotsky en el Espejo de la Historia, editada no Peru em junho de 2005.
Artigo originalmente publicado no site do PSTU – www.pstu.org.br
[ Publicado em 14/4/2006 12:53:00 ] –