O horror, o verdadeiro horror, ia me dar seu bote de tigre no meio da floresta, no vilarejo montanhês de Thinh Lang.Eu acabava de ter uma alegre entrevista com o chefe do Comitê Administrativo local, um camarada dinâmico, animado. Bebemos chá e comemos grapefruit com a mão, em gomos. Ele abriu a mão, cheia de caroços da fruta:
– A semente dá um óleo muito importante para a indústria. Os meninos da escola secundária estão estudando as sementes o tempo todo, ao microscópio, para melhorar o aproveitamento. Os americanos têm atrapalhado a gente um bocado, mas também ajudam. No dia 12 de outubro de 1967, por exemplo, nos bombardearam 12 vezes. Acabaram com tudo. Nunca entendi por quê. A estrada de Hanói passa a mais de um quilômetro daqui e a única indústria que tínhamos era uma máquina de descaroçar arroz. Por outro lado, como nossas casas são de palha, foi fácil construir outras, mais bonitas.
Ele apontou o teto da cabana sobre estacas, em que estávamos. As vigas de sustentação do teto eram trabalhadas: o dragão do Vietnã, cara pintada de vermelho e de ouro.
– Só foi pena, mesmo, que os americano jogassem bombas de fósforo, que causam queimaduras horríveis, quando não matam.
Saímos em direção ao rio Da, o S. Francisco, que eu devia atravessar de volta. E passamos pela cabana de Nguyen Thai Van, uma mulher semidestruída por bomba de fósforo. Quase sem cabelo, as sobrancelhas reduzidas a dois tufos em frincha de pelos crespada, os ossos da mão direita visíveis debaixo da pele como se tivessem posto uma luva transparente em mão de esqueleto. A mão esquerda não era nada. Um punho com protuberâncias. E vermelho, vermelho como se fosse sangrar. Ao que me dizem o napalm queima e queima. Mesmo que quem esteja em fogo mergulhe num lago o napalm continua a arder. O fósforo apaga. Mas a mulher estava só em casa, sem o marido, e tinha nove filhos a carregar para o abrigo quando a bomba ateou fogo à sua palhoça e a ela própria.
-Consegui salvar sete dos meninos – disse ela – mas o fogo continuou me queimando o temo todo. Acabo de passar oito meses no hospital de Hanói. Lá tem gente muito pior que eu.
O que me veio à lembrança foi In Cold Blood, de Truman Capote. Dicks e Perrys, não mais atravessando os Estados Unidos de automóvel para assassinara família Clutter, mas atravessando o Pacífico de avião para queimar viva a família Van. A sangue frio.
(Antônio Callado, Vietnã do Norte, advertência aos agressores, Civilização Brasileira, 1969)
Foto: Nick Ut
A pequena Kim Phuc grita de dor em meio à destruição do Napalm (Vietnã, 1972)
Blog Luzes da Floresta