Por Maíra Kubik
Cinco anos após a proibição da burca – e de qualquer outro símbolo religioso – nas escolas do Estado, a França discute agora a legitimidade de seu uso em lugares públicos. O tema, claro, é espinhoso e tem provocado debates acalorados entre organizações feministas e líderes muçulmanos.
As francesas afirmam que o traje, que deixa apenas os olhos à mostra e ainda assim cobertos por uma espécie de redinha, é um instrumento de opressão das mulheres, que não podem vivenciar seu corpo da forma como bem entendem. Para mim, ocidental, de fato é muito difícil discordar desse ponto de vista. Quando estive na Jordânia, fui obrigada a colocar uma roupa preta dos pés à cabeça para visitar a maior mesquita de Amã e não gostei da sensação de subjugação que experimentei.
Mas nem por isso concordo com a forma como a questão está sendo conduzida. O argumento francês para tal medida é a laicidade do Estado, “um princípio jurídico aplicado com empirismo”, como eles gostam de dizer. E é aí que reside a chave desse problema.
Nas últimas décadas a França tem recebido ondas freqüentes de imigração e cada vez mais os subúrbios de Paris estão lotados de senegaleses, marroquinos, bolivianos, mexicanos, tailandeses etc. Ao longo dos anos, isso alterou a identidade do país, misturando a cultura francesa com outras referências. Contudo, para quem ainda acredita ser detentora de valores universais inquestionáveis, este não é um processo fácil de aceitar: até hoje, a França busca uma unidade nacional que pressupõe a aceitação generalizada da sua visão de mundo e confunde as crenças do indivíduo com o coletivo e o Estado.
E é esse comportamento que se reflete no caso analisado. Ao impor a proibição da veste muçulmana, o país joga para o âmbito do privado a suposta opressão das mulheres islâmicas. Afinal, se elas não são mais vistas com as burcas nas ruas, isso não quer dizer que a questão está resolvida. Não duvido que essas mulheres acabem ficando em casa porque não podem mais caminhar livremente com sua vestimenta, seja ela uma opção ou não. Pior: e se a comunidade muçulmana decide rechaçar aquelas que seguirem a nova lei, o Estado francês irá intervir aí também? Provavelmente não.
Aproveitando que a proposta ainda está sob análise do Parlamento, este seria um bom momento para discutir a inclusão, pela positiva, e não com um discurso que aponta os desvios da cultura ocidental, das mulheres muçulmanas na França. Afinal, como debater igualdade se não as tratarem como iguais, aceitando o que as diferencia dos franceses? Ao menos para mim, só conseguiremos questionar, junto com elas, se o véu é uma forma de opressão quando admitirmos que ele é também uma marca de diferenciação e uma identidade – assim como os punks, os Hare Krishna etc. Caso contrário, o Ocidente causará o mesmo efeito que, acreditamos, a burca cause: simplesmente forçará um hábito.