Por Mariana Almeida
O período de bonança econômica vivido pelo continente latinoamericano coincide, na Venezuela, com o início da implementação do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2001 – 2007; um conjunto de medidas que alteraram significativamente as principais diretrizes políticas e econômicas daquela país.
Entre os principais objetivos do plano, estava a aplicação de um pacote que viabilizasse um maior crescimento e diversificação do sistema produtivo nacional, no sentido de iniciar um processo de deslocamento do centro dinâmico da economia do petróleo para outras atividades, com especial ênfase aos setores de consumo nacional. Em certa medida, a lógica econômica por trás do plano lembra os processos de substituição de importação vividos por outros países da região entre 1930 e 1970, preconizando altas taxas de investimento – a meta inicial era atingir 20% do PIB –, taxa de juros baixas – foi observada uma queda paulatina de um nível aproximado de 40% em 2002 até alcançar 17% em 2007 –, restrição de importações – realizada a partir da implementação de licenças previamente estipuladas pelos órgãos ministeriais, tomando como referência a garantia de mercado prioritário à toda produção nacional – e controle cambial e de capitais – a administração de todas as divisas em circulação no país é centralizada em um órgão governamental criado em fevereiro de 2003, a CADIVI (Comisión de Administració n de Divisas). Como resultado, o país obteve taxas de crescimento do PIB acima de 8% no final do período, atingindo 10,3% em 2006.
Uma particularidade fundamental do processo venezuelano é que o motor escolhido para os investimentos nessa política industrializante não foi a captação de crédito externo. Ao contrário, a partir de 2002, o país observa uma redução significativa nas taxas de investimento externo direto, que ficam negativos durante quase a metade do período em questão, nos anos de 2002, 2006 e 2007. Assim, os recursos provém fundamentalmente de uma política de redistribuição da renda resultante do petróleo, que passa a ser administrado cada vez mais como uma “indústria industrializante” (termo utilizado no Plano). Essa política se consolida a partir de 2005, quando é determinado um teto de US$26,00/barril para o rendimento que deve ficar sob controle da empresa petroleira (PDVSA), sendo o restante destinado a um Fundo de Desenvolvimento Nacional (FONDEN) e posteriormente aplicado em políticas de subsídio agrícola e industrial, programas sociais e de redistribuição de renda e investimento produtivo direto.
É nessa conjuntura peculiar de uso indireto da bonança econômica – através da exportação de petróleo e não do investimento externo direto – em uma tentativa de transição para um modelo econômico mais independente do cenário internacional que a Venezuela receberá a crise econômica mundial de 2008.
A crise como aprofundamento e não como desvio
A redução da disponibilidade de crédito externo, talvez o impacto mais imediato e direto da crise sobre os países da América Latina, não foi sentida na Venezuela, uma vez que o país já não era um destino dos captais internacionais desde antes da crise. Outros fatores que provocaram a desaceleração das economias da região em 2008 também apresentavam pouca incidência na realidade venezuelana, como a redução das remessas externas e do turismo. Para esse país, a novidade relevante da crise foi quase que exclusivamente a queda no preço e na demanda por petróleo, afetando diretamente a capacidade de financiamento da política econômica venezuelana.
A profundidade desse impacto, entretanto, é difícil de medir. Existe, efetivamente, uma desaceleração da economia. Em 2008, a taxa de crescimento já foi bastante inferior aos anos anteriores, ficando em 4,8%. Para 2009, a CEPAL estima um crescimento de 3%, enquanto as previsões oficiais do governo trabalham com a taxa de 6%. Em ambos os casos, trata-se de um cenário mais ameno do que o vislumbrado para os demais países da América Latina. De fato, como um dos sentidos da política em curso era reduzir a vulnerabilidade externa da economia, era de se esperar que o país sofresse menos com a crise externa. Mas, como se trata de um modelo econômico ainda inconcluso, fica a questão de se as novas restrições ao investimento serão um fator de inviabilização do processo ou se representarão apenas uma desaceleração deste.
Para responder a essa pergunta é necessário um olhar mais cauteloso de como tem sido o comportamento dos preços do petróleo e sua relação com as demais áreas da economia.
O ano de 2008 foi cenário de dois extremos para o preço do dólar. No terceiro trimestre, ele atingiu a média de US$110/barril e terminou o ano na média de US$47/barril, uma variação de quase 60% em apenas três meses. Olhando historicamente para o preço do barril, vamos que o valor do final de 2008 é muito próximo do preço médio observado em 2005, e que chega a ser significativamente mais alto do que os preços observados nos anos anteriores (US$33,00 em 2004 e US$26,00 em 2003), quando teve início o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social na Venezuela. Assim, ainda que necessariamente represente uma redução nos gastos públicos com relação aos anos de 2007 e 2008, não há indicativos de que o fluxo de rendimentos com o petróleo alcance níveis inéditos para a política atual do país ao ponto de gerar, com isso, um desvio de suas diretrizes atuais.
A relação entre a situação da economia do petróleo e o restante da economia também não é direta. Em 2008, por exemplo, quando a economia petroleira se recuperou – em virtude dos altos preços verificados ao longo dos três primeiros trimestres – atingindo um crescimento de 4,15%, a economia não-petroleira apresentou um crescimento menor que em anos anteriores, atingindo uma taxa de 5,8%, bastante inferior aos 12% de 2006 e aos 9,5% de 2007. Assim, é difícil determinar ao certo se uma desaceleração da indústria petroleira chegaria a limitar definitivamente o crescimento dos demais setores.
Por fim, é importante salientar que ao longo do período os setores internos do país foram ganhando maior força na sustentação do crescimento. Foi a economia não-petroleira a grande responsável pelas altas observadas nas taxas de crescimento do PIB, sendo que o PIB petroleiro chegou a decrescer entre 2005 e 2007. Com isso, a participação do petróleo no PIB caiu de 18% no início do período para 12% em 2007. Simultaneamente, o setor manufatureiro cresceu 33%, o de construção 51% e as comunicações atingiram a impressionante taxa de 119%.
Em resumo, a relevância dos impactos da crise na Venezuela serão um teste para o desenvolvimento de suas políticas atuais, indicando se os mecanismos adotados até o momento tem ou não gerado um processo consistente de deslocamento do centro dinâmico da economia, com uma profundidade suficiente para seguir se consolidando mesmo num cenário de incerteza e desaceleraçãoe externa.
Medidas de médio prazo: aprofundando as variáveis para maior independência externa
Desde o estopim da crise internacional em setembro de 2008, poucos foram os anúncios oficiais do governo venezuelano que se relacionavam diretamente com medidas de contenção do impacto da crise. Como boa parte das políticas de controle que se vislumbraram – e que são temidas – para outros países já estavam em curso na Venezuela – baixas taxas de juros, controle de capital, restrição de importação, etc –, as mudanças realizadas trataram muito mais de aprofundar a política econômica vigente do que de alterar o seu rumo.
O governo anunciou que não vai reduzir investimentos em seus programas sociais. O Plano Operativo Nacional Anual de 2009, como é chamado o orçamento, não faz nenhuma menção à crise e mantém as proporções de investimento dos anos anteriores.
As medidas mais contundentes de aprofundamento do controle aos fluxos externos foram a redução dos valores máximos de acesso à câmbio permitidos pela CADIVI, anunciada em outubro de 2008, e a aceleração de processos de integração monetária regional, focados na construção da Alternativa Bolivariana para a América (ALBA). Em janeiro foram instalados comitês de estudo para a implementação de uma câmara de compensação monetária que estabelecesse uma moeda virtual entre os países signatários do acordo. O Sucre, nome indicativo para a moeda em questão, deveria funcionar de maneira muito semelhante ao Bancor proposto por Keynes em Bretton Woods, dando origem a fundo mixto de estabilização e desenvolvimento e à formação de um conselho monetário regional.
Tais medidas indicam a opção pela construção de soluções para a crise financeira à médio prazo, de maneira a criar alternativas de financiamento e fluxo mais independentes do cenário internacional, valorizando a regionalização comercial e financeira e criando alternativas locais ao dólar.
Mariana Almeida é militante do PSOL, núcleo Projeto Popular.