Por Maykon Santos
A imagem ao lado, dois atletas negros fazendo a saudação Black Power, do grupo político radical Panteras Negras, é mundialmente conhecida. O que poucas pessoas conhecem é a história dos homens que fizeram tão corajoso gesto e as conseqüências que eles sofreram durante toda a vida por terem ousado desafiar seu país para dizer ao mundo que os EUA não eram um país democrático e justo.
É justamente essa história que o documentário “Salute” quer resgatar. A película foi lançado em 2008 e ganhou prêmios de melhor filme no festivais de cinema em Sydney e Rhodes. O documentário ainda não estreou no Brasil, mas o trailer do mesmo pode ser visto na página oficial do filme www.salutethemovie.com.
O fato retratado pela imagem foi protagonizado em 16 de outubro de 1968, quando Tommy Smith e John Carlos, respectivamente 1º e 3º colocado na corrida dos 200 metros, resolveram protestar contra o racismo nos EUA no pódio das Olimpíadas da Cidade do México.
Um primeiro detalhe a ser ressaltado é o de que os três atletas que estão no pódio usam no peito, do seu lado direito, um símbolo branco. Era o símbolo do OPHR (sigla em inglês de Projeto Olímpico para os Direitos Humanos). O segundo colocado, o atleta australiano Peter Norman, apesar de branco, resolveu também aderir ao protesto, pois em seu país também havia discriminação étnico-racial contra as populações aborígenes. Norman também arcou com as conseqüências de seu gesto por toda a vida, sofrendo repreensões em seu país.
Uma forma de medirmos a importância dos gestos desses atletas é demonstrarmos como seus países tentaram durante décadas fazê-los cair no esquecimento. Em 2000, durante a Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney, os maiores ex-atletas daquele país foram homenageados, Peter Norman não era um deles. Até hoje o atleta é o recordista australiano dos 200 metros com o tempo de 20.06 s, que fez para obter a medalha de prata nos Jogos de 1968. Em 1992 durante os Jogos Olímpicos de Barcelona também os maiores ex-atletas deste país foram homenageados. Nem Smith e nem Carlos foram congratulados com tal honra. O fato se torna ainda mais absurdo quando sabemos que Smith era um verdadeiro super atleta. Para obter o ouro nos jogos de 1968, ele foi o primeiro homem a correr os 200 metros em menos de 20 segundos, quebrando o recorde mundial com o tempo de 19.83 s.
Além disso, Smith chegou a ostentar 11 recordes mundiais simultaneamente, sendo 7 individuais e 4 em equipe. Em 1968 ele era o recordista americano dos 100 metros, dos 200 metros e dos 400 metros. Alguns de seus recordes dos tempos colegiais no Lemoore High School permanecem até hoje. Não participarem das Cerimônias dos Jogos em seus países foi um ato político, em um evento em que os países juram ser apolítico.
Rememorado um pouco da perseguição que os atletas sofreram é necessário contar um pouco do contexto que envolveu o ato de Smith e Carlos. Podemos começar pela história OPHR. O Projeto Olímpico para os Direitos Humanos foi fundado no começo de 1967, por vários atletas negros. No seu início o objetivo era organizar um boicote dos Jogos Olímpicos da Cidade do México. O OPHR foi idealizado pelo sociólogo universitário Dr. Harry Edwards. Para os membros do OPHR era necessário expor o modo como os atletas negros dos E.U.A. seriam usados para projetar uma mentira, tanto a nível doméstico e internacional. O Dr. Edwards declarou na época “Não podemos permitir que este país utilize um número reduzido de atletas negros para chamar a atenção do mundo de como ele tem feito grandes progressos na resolução de problemas, quando a opressão racial de afro-americanos é maior do que nunca era. Qualquer pessoa negra, que permite-se a ser utilizado no acima assunto é um traidor. Então, nós perguntamos porque é que devemos correr no México?”
O OPHR tinha três exigências centrais: restaurar a Muhammad Ali o título mundial, despojado no início de 1967, pois o atleta se negou a ir para à Guerra do Vietnã; remover Avery Brundage de chefe do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, o dirigente foi um famoso branco nazista e tinha apoiado a realização dos Jogos de Berlim, em 1936 na Alemanha Nazista; apoiar a luta dos negros na África do Sul e Rodésia pelo fim do apartheid.
Os ideais do OPHR estavam sendo discutidos em um ambiente turbulento e contestador. A década de 60 foi um dos mais elevados e, ao mesmo tempo, contestadores período da história moderna dos Estados Unidos. Uma série de lutas ocorriam como o Movimento dos Direitos Civis dos afro-descendentes, uma crescente preocupação durante a Guerra do Vietnã e os trágicos assassinatos de Malcolm X e Martin Luther King; a militância dos Panteras Negras e da Nação do Islã. Foi também um período inigualável de luta pela libertação dos países Africano do jugo do colonialismo e de uma grande luta para terminar com o apartheid na África do Sul.
Com o passar do ano de 1967 e o início do ano de 1968 a idéia do boicote aos Jogos perdeu força. Um dos poucos atletas negros que boicotaram as olimpíadas foi o lendário o Kareem Abdul-Jabbar, na época apenas um atleta universitário. Entretanto, permanecia forte na cabeça de Tommy Smith e Jonh Carlos fazer algo pelo seu povo.
A oportunidade chegou quando os atletas conseguiram chegar ao pódio no México. Antes sairem da Vila para os jogos, Smith e Carlos já combinavam algo, marcaram de ambos levar luvas pretas para o estádio. Após o sucesso na prova, nos vestiários, John Carlos informou ter esquecido suas luvas. Foi aí que entrou em cena o australiano Peter Norman, que deu a idéia de que cada um usasse uma das luvas de Smith. Além disso, decidiu também participar do protesto, usando o símbolo do OPHR.
Smith e Carlos chegam para a cerimônia de premiação. Havia algo de diferente, os atletas vinham usando meias pretas, sem sapatos. Quando o hino dos E.U.A. começou a ser tocado e as bandeiras deste país e da Australia eram erguidas, Smith e Carlos fecham os olhos, abaixam a cabeça e começam o protesto. Depois, Smith e Carlos levantaram a mão direita, com as luvas pretas e de punhos fechado para representar o poder dos negros na América. Os dois com as mãos levantadas representavam a unidade dos negros na América. Juntos eles formam um arco de unidade e de poder. O lenço preto em torno do pescoço de Smith simbolizava o orgulho negro e as meias pretas (sem sapatos) representavam a pobreza negra na América racista.
Sem ter a dimensão exata na hora, os atletas faziam o que é provavelmente uma das imagens esportivas mais vistas e importantes da história. O gesto foi pouco entendido no momento, mas logo o mundo inteiro comentava o que os atletas tinham feito.
O vídeo com a corrida e a saudação pode ser visto no seguinte endereço http://www.youtube.com/watch?v=ocullaGEnY&eurl=http://felipetaves.blogspot.com/2009/03/salute.html.
A ousadia do gesto significou o fim da carreira de ambos. Logo depois que retornaram da prova para o alojamento foram expulsos da Vila Olímpica. Depois, ao retornarem aos EUA receberam ameaças de morte, não conseguiram voltar ao atletismo, tendo que de uma hora para outra conseguir outra forma de ganhar a vida. A pressão sobre eles foi tanta que a mulher de John Carlos se suicídio em 1973.
Devido a esta perseguição durante anos ambos pouco falaram em público sobre o episódio. Tocaram a vida como puderam e Tommy Smith se tornou um doutor em sociologia e hoje vive de dar aulas e palestras. John Carlos virou técnico de atletismo e faleceu em 2006.
Recentemente, em 2007, Smith resolveu romper o silêncio e publicou uma autobiografia intitulada Silent Gesture: The Autobiography of Tommie Smith (sem tradução para o português). O livro é uma verdadeira lição de vida. Um homem que tem a total dimensão do que representou seu ato e o narra pela melhor forma de vê-lo em profundidade, como um gesto que mesmo feito por um homem representou a luta de um povo.
Maykon Santos e militante do PSOL do núcleo Santos/São Vicente e membro do Círculo Palmarino.