Um grupo de entidades, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizará na manhã da próxima terça-feira (28), em Belém (PA), uma manifestação para denunciar a tentativa de execução de trabalhadores rurais no estado.
No último dia 18, sete integrantes do MST ficaram feridos após um tiroteio na Fazenda Espírito Santo, localizada no município de Xinguara, no sul do Pará.
De acordo com o Movimento, não houve confronto, e sim uma tentativa de emboscada armada pelos seguranças da Agropecuária Santa Bárbara, que pertence ao grupo Opportunity, cujo principal acionista é o banqueiro Daniel Dantas.
Há dois meses acampados na Fazenda Espírito Santo, os sem terra denunciam que a área, comprada irregularmente, é usada para lavagem de dinheiro, e exigem, por isso, que ela seja usada para projetos da Reforma Agrária.
Na entrevista a seguir, o integrante da coordenação nacional do MST, Ulisses Manaças, relata a tentativa de emboscada armada pelos seguranças da fazenda e a violência que quase resultou em mais um massacre de camponeses.
Poderia nos relatar o que aconteceu na Fazenda Espírito Santo no último final de semana?
Ulisses Manaças – No sábado [dia 18], na Fazenda Espírito Santo, às quatro horas da tarde, um grupo de trabalhadores saiu do acampamento para buscar lenha e palha para cobrir os barracos e foram abordados, no meio do caminho, por uma milícia armada do grupo Agropecuária Santa Bárbara. Esse grupo espancou os trabalhadores e segurou um trabalhador chamado Djalma. Os trabalhadores então retornaram para o acampamento e foram até a sede da fazenda para resgatar esse trabalhador. Lá eles foram recebidos a tiros pela milícia armada, que é contratada pelo grupo Opportunity, que tem a Agropecuária Santa Bárbara. Sete trabalhadores ficaram feridos, um inclusive foi transferido a Belém para receber atendimento médico.
Esses trabalhadores foram penalizados pela ação armada desse grupo ligado ao sistema financeiro. E nós achamos então que foi uma emboscada armada por eles. Os trabalhadores só se dirigiram até a sede da fazenda, que fica a 32 quilômetros do acampamento onde nós estamos, para resgatar o dirigente do MST, e lá foram recebidos a tiros, e não eram tiros a esmo. Eram na verdade tiros seletivos, de arma de grosso calibre, e as imagens da televisão demonstram isso. Tanto é que as balas atingiram o abdome e o pulmão das pessoas, inclusive a cabeça de um dos nossos trabalhadores.
Os jornalistas da TV Liberal, afiliada da Rede Globo no Pará, afirmaram que foram feitos reféns pelo Movimento. O que realmente ocorreu?
Ulisses Manaças – Para nós essa é mais uma armação da Rede Globo. Esses funcionários do grupo Maiorana, que é a Liberal e que é afiliada da Globo aqui, chegaram logo cedo na propriedade. Eles vieram de avião junto com os funcionários da fazenda, já prevendo o acontecido. Lá, quando os trabalhadores estavam em marcha para a sede da fazenda, eles foram para a frente da marcha para poder filmar. Eles só ficaram lá porque quiseram. Tanto é que as imagens que eles fazem da hora da tentativa de massacre são imagens do lado dos capangas, o que dá indício de que houve uma grande armação. Para nós, a presença da imprensa ali era garantia de que não haveria massacre. Pelo contrário, foi uma tentativa de execução, de eliminação física das pessoas seletivamente. Nas imagens você pode ver todos os capangas e seguranças da fazenda, a milícia está muito bem protegida ou atrás de árvores ou atrás dos carros da propriedade atirando, mirando e descarregando as armas para matar os camponeses. E a televisão está filmando sempre atrás dos seguranças da fazenda.
Qual é a situação das famílias nesse momento?
Ulisses Manaças – As pessoas, logo em um primeiro momento, foram atendidas nos hospitais de Xinguara, Marabá e Redenção, com exceção do Valdecir [Valdecir Nunes Castro, o Índio], que foi para Belém. Os trabalhadores prestaram alguns depoimentos na polícia e alguns ainda estão fazendo tratamento médico. As famílias estão em um clima de apreensão muito grande porque essa milícia armada continua na sede da fazenda, não houve ainda uma incursão policial no sentido de desarmar esse grupo que ainda está na sede da propriedade. Na sexta-feira [dia 24], um grupo de policiais militares do Estado do Pará, segundo eles, estaria fazendo uma operação de desarmamento para manter a ordem na região. O que o MST exige: o nosso acampamento está aberto para qualquer tipo de incursão policial, do estado, do sistema de segurança pública para averiguar essa acusação de que nós temos armas. Mas nós exigimos que eles vão à sede da propriedade para desarmar e prender o que, para nós, é uma milícia armada, e fazer uma investigação radical para saber se essa empresa tem registro. Um pistoleiro conhecido na região, chamado Diva, que já assassinou várias pessoas, foi identificado pela nossa militância tentando matar vários trabalhadores no último sábado. Nós queremos que seja apurada profundamente essa situação, que seja desarmada essa milícia no campo e que seja responsabilizado o grupo Agropecuária Santa Bárbara por essa tentativa de massacre, de assassinato em massa.
Como é a atuação dessas empresas de segurança no Sul do Pará, como elas agem?
Ulisses Manaças – É o que nós temos caracterizado como mudança da natureza do enfrentamento do latifúndio aqui no Pará. Hoje o latifúndio que domina, na Amazônia em especial, já não é aquele latifúndio atrasado. São empresas transnacionais que têm comprado terras na Amazônia para fazer com que essas terras tenham valor de mercado suficiente para exploração posterior e para derrubada da floresta. A Agropecuária Santa Bárbara é um caso exemplar de um conjunto de transnacionais, empresas e grupos do sistema financeiro que têm comprado terras na região e têm contratado grupos de segurança armados. Na maioria dos casos esses grupos não tem registros e o armamento pesado que eles utilizam não tem registro. Então são milícias clandestinas que atuam no sentido de combater os movimentos sociais do campo e perseguir seletivamente nossas lideranças.
Quais as denúncias do MST em relação a essas áreas ocupadas?
Ulisses Manaças – Essa propriedade faz parte de um conjunto que tem outras 48 propriedades. São 49 fazendas compradas somente aqui no estado do Pará pelo grupo Agropecuária Santa Bárbara, que é o nome fantasia criado pelo grupo Opportunity, cujo maior acionista é o banqueiro acusado de corrupção Daniel Dantas. O Ministério Público Federal está denunciando esse grupo por prática de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e formação de quadrilha. Para nós, essas propriedades estão envolvidas nesse sistema de lavagem e de corrupção do sistema financeiro nacional. Por isso o MST decidiu fazer a ocupação de três propriedades para tentar fazer com que essas terras sejam devolvidas à União.
Antes a [Fazenda] Espírito Santo, tal como a [Fazenda] Maria Bonita, em Eldorado dos Carajás, e a [Fazenda] Cedro, que fica em Marabá, são áreas que pertenciam, teoricamente, à família Mutran. Mas a família Mutran recebeu do estado essas áreas a título de aforamento, que teriam que devolver ao estado posteriormente. E essas áreas tiveram toda a vegetação nativa destruída para a criação de gado e para a plantação de pasto, foi destruída uma região riquíssima chamada Polígano dos Castanhais e essas terras foram comercializadas de forma ilegal. Inclusive há um bloqueio na Justiça do título de comercialização dessa propriedade. Até agora, foi negado o pedido de reintegração de posse, pedido pelo grupo Agropecuário Santa Bárbara por conta dessas irregularidades. Então o MST exige que essas terras sejam devolvidas à União a título de criação de projetos de assentamentos de reforma agrária.
O que o MST pretende fazer, agora, em relação a esse crime?
Ulisses Manaças – O MST, em conjunto com outras entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, a Comissão Pastoral da Terra e a Via Campesina está acompanhando passo a passo o processo criminal envolvendo aquela tentativa de massacre. Exigimos do estado a apuração rigorosa dos fatos e a punição dos responsáveis. Agora estamos exigindo, também do Incra, a vistoria da propriedade e, por parte do Instituto de Terras do Pará, o levantamento cartorial para comprovar a irregularidade na transação comercial envolvendo a Agropecuária Santa Bárbara, o grupo Opportunity e a família Mutran.
E mais, estamos construindo um dossiê para denunciar a ação dessas milícias no campo e a ação do sistema financeiro na compra de terras na Amazônia. Em Belém, nós já fizemos várias reuniões com movimentos sociais, e estaremos na terça-feira [dia 28] pela manhã fazendo um grande ato público pela punição dos responsáveis pela tentativa de massacre e também exigindo que o Judiciário puna, com o rigor da lei, esses criminosos. Exigimos, ainda, o fim da criminalização dos movimentos sociais no estado do Pará e em todo o Brasil.
Fonte: Brasil de Fato