Por Pedro Ekman
Antes da eleição
Ainda em 2008 em plena campanha eleitoral Gilberto Kassab assume publicamente o compromisso de implementar, se eleito, as 10 propostas do Movimento Nossa São Paulo para uma cidade justa e sustentável. Com isso o futuro prefeito Kassab se comprometia a:
1 – Cumprir integralmente a Lei Orgânica do Município, com efetiva utilização de todos os instrumentos de participação cidadã na administração pública como a institucionalização do Conselhos de Representantes, consultas populares em plebiscitos e referendos, bem como garantir mecanismos de transparência e os de descentralização complementados pela Lei 13.399.
2 – Cumprir a Lei nº 13.430, de 13/09/2002, que instituiu o Plano Diretor Estratégico e os Planos Regionais até então não implementados.
3 – Cumprir a emenda nº 30 à Lei Orgânica do Município, de 19/02/2008, elaborando um programa de metas condizente com o programa de governo apresentado durante a campanha eleitoral.
4- Cumprir a Lei nº 14.173, de 26/06/2006, que estabelece indicadores de desempenho relativos à qualidade dos serviços públicos no município de São Paulo.
5- Cumprir a Lei nº 13.949, de 21/01/2005, que dispõe sobre a apresentação pública de relatórios de execução orçamentária nas subprefeituras, Tribunal de Contas do Município e Câmara Municipal de São Paulo.
6- Instituir a subdivisão distrital (96 distritos) para a execução orçamentária em cada área da administração municipal.
7- Suprimir a inexistência de equipamentos e serviços públicos nas subprefeituras e nos distritos da cidade e se comprometer com a qualidade do serviço e o respeito à legislação ambiental.
8- Usar os melhores indicadores regionais por subprefeitura da cidade como referência para estabelecer metas para todas as subprefeituras e distritos de São Paulo.
9- Reduzir a desigualdade entre as subprefeituras e distritos da cidade.
10- Implementar uma efetiva política de produção e atualização anual de todos os indicadores de cada área da administração municipal, georeferenciados em distritos e subprefeituras. Melhorar significativamente o portal da Prefeitura para a divulgação de dados, informações e serviços, visando atingir ampla navegabilidade e interatividade no atendimento aos interesses da população.
Sendo que a maioria das propostas diziam respeito meramente ao cumprimento de leis existentes, o que por natureza é obrigação de qualquer gestor público, Gilberto Kassab apresentou aos paulistanos também um conjunto de outras ações que comporiam seu mandato. A redução do número de crianças por sala de aula e até mesmo a tarifa zero para o transporte público foram apresentadas em cadeia de rádio e TV pela candidatura.
Até mesmo os paulistanos mais esquerdistas poderiam dormir em paz após a vitória de uma candidatura que assumiu compromissos tão progressistas para quem esta na linha de frente do campo reacionário da política brasileira. A campanha de 2008 se desenhou na realidade, como uma campanha de muita proposta e pouca política. Mesmo no segundo turno, onde teoricamente a polarização política seria maior, os candidatos da situação e da oposição incorporavam as mesmas propostas de amplos setores da sociedade pasteurizando qualquer eventual diferença de fundo político que pudesse existir entre as duas candidaturas e fizeram uma disputa de números de gestão para tentar consolidar a imagem de quem se apresentava como o melhor gerente da mesma política.
O propositivismo que despolitizou o debate em torno da cidade foi fortemente incentivado pela cobertura jornalística da grande imprensa e até mesmo, em parte, pelo próprio movimento Nossa São Paulo que com a campanha “Proposta sim blá blá blá não” cobrava o compromisso das candidaturas com determinadas propostas sem discutir os vínculos concretos daquelas candidaturas com setores da sociedade que automaticamente inviabilizam a produção de uma cidade justa e sustentável.
Com os milhões de reais investidos legal e ilegalmente pelo setor da especulação imobiliária nas campanhas das candidaturas de Gilberto Kassab (DEM), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marta Suplicy (PT), bem como nas de 47 candidatos do DEMOCRATAS, PSDB, PT, PV, PSB, PDT e PR a vereança do município, os vínculos materiais entre estas candidaturas e a manutenção de uma cidade injusta e insustentável sobrepujavam as propostas incorporadas na outra direção. Ao final prevaleceu a campanha do “Proposta e blá blá blá sim e política não”.
Depois da eleição
No dia 10 de abril o governo da coligação “São Paulo no rumo certo” completou 100 dias. De modo muito parecido ao realizado na gestão anterior que dividiu com o atual governador José Serra, Gilberto Kassab nesta centena de dias não se mostrou disposto a viabilizar a instalação do Conselho de Representantes ou realizar qualquer plebiscito ou referendo popular. A simples reedição pelas mãos do prefeito da lei elaborada pelo legislativo paulistano resolveria a pendência jurídica e daria vida ao compromisso assumido publicamente.
Logo no segundo mês de seu novo mandato vetou o projeto de lei que previa a disponibilização de dados sobre a execução do orçamento na internet o qual determinava que o Novoseo – sistema informatizado adotado em 2005 – estaria disponível no site da Prefeitura e com acesso irrestrito para que a população acompanhasse não só o relatório resumido da execução orçamentária, mas também os gastos efetuados por todos os órgãos da administração pública. A primeira proposta do Movimento Nossa São Paulo pela incorporado pela candidatura segue no “rumo certo” da meia transparência e nenhuma participação popular, e o que é mais incrível, os compromissos podem ser descumpridos sem que a lei orgânica seja descumprida.
A democracia participativa não é apenas colocada na geladeira, mas também algumas iniciativas de protagonismo da população no sentido de aumentar a circulação de diferentes pontos de vista na sociedade são punidos exemplarmente pela atual gestão em ações simbólicas. Gilberto Kassab fez questão de subir no rolo-compressor e posar para os flashes da grande imprensa comercial, que prestigiou em massa a destruição de 8 toneladas de equipamentos apreendidos de rádios comunitárias criminalizadas por tentar valer seu direito a comunicação garantido na constituição federal, “é fundamental que o material seja destruído, para mostrar que não teremos tolerância com quem faz isso. Nosso objetivo é fechar todas as rádios piratas e ilegais, que trazem riscos à vida das pessoas. Se é clandestina, tem que ser eliminada”, sentenciou o prefeito.
Ao afirmar que não era contra as rádios comunitárias, mas sim contra as rádios piratas ilegais, Kassab não soube explicar por que não preferiu doar a enorme quantidade de equipamento para rádios comunitárias legais em vez de criar 8 toneladas de lixo a ser reciclado.
Na elaboração do seu plano de metas, o prefeito deixou de fora várias das promessas realizadas em campanha, dentre elas, a que propunha tarifa zero para o transporte público e a meta de redução do número de alunos por sala de aula. Como a lei que estipula a necessidade do plano de metas não defini punição para quem não cumprir ou para quem “esquecer” promessas de campanha, novamente nenhuma lei é contrariada pela administração municipal ao se abandonar compromissos de campanha.
A falta de vagas nas creches, a piora dos índices de avaliação escolar e o escândalo da merenda não são as únicas características da educação municipal. Em vez de investir em ações que visem o cumprimento das propostas de campanha, Kassab segue os passos do governador e assina convênios milionários sem licitação com a fundação Victor Civita ligada a Editora Abril para ampliar a distribuição de revistas produzidas por essa organização. A revista “Nova Escola” que já chegava às escolas da rede pública passam a ser distribuídas na casa de cada professor da rede municipal e estadual multiplicando a tiragem da revista em uma ação que onera os cofres públicos e recheia o da família Civita. Coincidentemente pouca ou nenhuma crítica às administrações da cidade e do estado de São Paulo são encontradas nas publicações da editora.
Se a parceria grande mídia/poder de plantão é uma fórmula muito comum nas administrações públicas, outra relação igualmente promiscua é a dos financiadores de campanha/candidatos eleitos. Assim como atual prefeito, foram eleitos 27 dos 47 vereadores financiados pelos gigantes do mercado imobiliário. Os três maiores “investidores” das campanhas municipais vitoriosas fazem parte deste setor. A empresa que mais investiu em campanhas políticas foi a empresa OAS, coincidentemente responsável pelo recebimento do maior volume de recursos públicos destinados a construção da ponte Octavio Frias de Oliveira. Em segundo lugar está a Associação Imobiliária Brasileira (AIB) usada como fachada para o financiamento ilegal do Sindicato do setor imobiliária (Secovi) principal financiadora de 4 dos 7 integrantes da Comissão de Política Urbana assim como do relator do Plano diretor Estratégico das gestões Marta e Kassab. A terceira maior investidora foi foi a empreiteira Camargo Corrêa atualmente investigada pela polícia federal na operação Castelo de Areia que apura o financiamento ilegal de campanhas políticas.
Como nenhuma empresa capitalista aplica dinheiro sem retorno esperado, passado o pleito eleitoral os investidores das 22 principais empresas da construção civil do país já manifestaram publicamente interesse na flexibilização leis alavanquem, a médio prazo, R$ 35 bilhões em potencial construtivo – referentes ao “banco de terrenos” que possuem na capital. Diferentemente do tratamento dado a instalação do Conselho de Representantes que versava nas propostas do Movimento Nossa São Paulo (que não financiou qualquer campanha eleitoral) incorporada pela campanha de Gilberto Kassab, o pedido destes humildes investidores foi prontamente atendido com o Projeto de Lei 671/2007 (ainda na gestão anterior) que substitui o atual Plano Diretor Estratégico (PDE) por outro.
Neste novo PDE os pedidos são atendidos com a supressão completa de capítulos inteiros da lei que regulavam as macro-zonas urbanas definindo macro-áreas específicas, eliminando por completo todos os capítulos que diziam respeito as políticas setoriais relativas ao desenvolvimento humano. Nesta mesma direção os textos que procuravam garantir a função social da propriedade urbana e o atendimento habitacional das famílias a serem removidas, preferencialmente na mesma região ou, na impossibilidade, em outro local, com a participação das famílias no processo de decisão também foram eliminados do texto original.
No que se refere a desapropriação o governo paulistano leva as últimas conseqüências a utilização deste instrumento como viabilizador da dinâmica especulativa do solo urbano. Além de manter milhares de unidades vazias no centro da cidade e abrir regiões inteiras para empreendimentos de alo padrão a retirada de famílias das suas casas passa a se tornar também um negócio na metrópole gerida por Kassab.
O projeto de lei 87/09 propõe algo sem precedentes na história de São Paulo ao propor a privatização das ações de desapropriação. Como resultado de um processo hegemônico o qual define a cidade como um tabuleiro de terrenos a venda, assistimos até mesmo as ações do poder público que antes apenas atendiam aos interesses do mercado se transformarem elas mesmas em um negócio. Um exemplo desta prática pode ser visto no Parque Cocaia I onde centenas de famílias estão sendo expulsas pela iniciativa privada de suas casas construídas em área pública. O Consórcio Santa Bárbara está derrubando casas e entregando cheques assinados pelo próprio consórcio como única oportunidade de contrapartida a despropriação compulsória. A Operação Urbana “Nova Luz” comparada pelo prefeito à operação “Cidade Limpa” vai no mesmo sentido tendo como objetivo central gentrificar a área expulsando a pobreza e instalando negócios e público ditos mais nobres, em outras palavras: Cidade limpa de pobreza varrida para a periferia.
Organizar a oposição
O PSOL negou desde o princípio de suas campanhas à prefeito e vereadores esta lógica de se pensar a cidade como um negócio. Denunciou a promiscuidade gerada pelo financiamento privado das campanhas políticas já em seus primeiros programas de TV e debates públicos, o que curiosamente teve pronta reação na justiça eleitoral por parte do Partido dos Trabalhadores que se sentiu atingido pela denúncia uma vez que esta revelava a constrangedora mudança de postura do partido de esquerda que hoje aceita o investimento de grandes bancos e empreiteiras em suas campanhas eleitorais.
Em um momento de mesmice política onde as diferenças entre esquerda e direita são escondidas pelos marqueteiros pagos a preço de ouro o PSOL se apresenta como uma importante alternativa de contraponto ao cenário onde tanto os partidos tradicionais da situação como os da oposição estão atrelados a mesma lógica condicionante de suas ações.
A transparência na administração pública deve ser entendida como um obrigação e não como uma qualidade de quem exerce. A participação popular é fundamental em um governo que pretenda contrariar a raiz da lógica dos grandes interesse que governam a cidade. Os paulistanos não podem mais seguir na condição de espectadores das ações oficialistas devem se mobilizar e cobrar nas ruas o que lhes esta sendo negado pelos gabinetes. Somente através dos movimento sociais organizados em uma campanha unitária podemos reunir forças equivalentes a pressão exercida pelos grandes grupos que pagaram em campanha para exercer o comando político da cidade e que hoje cobram a fatura de seus investimentos.
A segunda proposta do Movimento Nossa São Paulo incorporada por Kassab dizia respeito a implementação do Plano Diretor Estratégico no cumprimento da Lei nº 13.430, e pelo que se pode ver o prefeito não terá nenhum problema em implementá-lo na sua revisão. Pois bem, hoje é possível se reafirmarmos com ainda mais propriedade que não basta apresentar propostas para a cidade, mas que é necessário que responda com clareza a pergunta feito por Chico Science: “De que lado você samba?”
Pedro Ekman é arquiteto e Secretário Geral do PSOL da cidade de São Paulo