Por Pedro Ekman
Recentemente El Salvador decidiu mudar os rumos da política institucional que vinha praticando desde os acordos de paz de 1989. Um país que após 12 anos de guerra civil foi submetido a 20 anos ininterruptos de um mesmo governo de direita, que por coincidências da vida tem o mesmo nome do partido da ditadura militar brasileira: ARENA.
No último final de semana os salvadorenhos escolheram seu novo presidente, nas urnas foi vitorioso o sentimento de mudança do povo daquele país. O futuro presidente, Maurício Funes, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional – FMLN recebeu 51,3% dos votos, derrotando o candidato da ARENA e ex Chefe de Polícia e do exército paramilitar da época da guerra civil Rodrigo Ávila, que obteve 48,7%.
A campanha eleitoral promovida pela direita foi dura em ataques e, como não poderia deixar de ser, contou com o amplo apoio dos meios de comunicação. O centro da campanha midiática da ARENA foi a associação de Funes com o processo Venezuelano e com o socialismo Cubano. Dos 6.296 spots publicitários de TV do partido de direita que foram ao ar em um período de apenas 2 meses, 2.128 levam a imagem do candidato Rodrigo Ávila e 2.852 mostram Hugo Chávez de maneira pejorativa.
Não faltou também as tradicionais matérias como a do jornal “La Prensa Gráfica” que tem como slogan “Notícias de verdade” que anunciavam as manchetes: “Sem dúvida Ávila será o presidente” ou ainda “Esta é uma barreira contra o socialismo”. Não satisfeitos com aquela parcialidade caseira que já estamos acostumados nos processos eleitorais e que já até “aceitamos” como algo que não tem muito jeito, o mesmo jornal e alguns canais de rádio e TV não tiveram problemas em violar a Constituição realizando uma série de entrevistas com o atual presidente salvadorenho Elías Antonio Saca onde ele pedia votos para a ARENA e explicava por que não se podia votar na FMLN. Um dos principais argumentos da explicação está no argumento de que El Salvador se tornaria um satélite da Venezuela.
Outros jornais como “El Diario de Hoy” além da entrevista com o presidente decidiram estampar sua preferência nos sacos plásticos de cada unidade do periódico entregue em casa para que seus leitores não tivessem qualquer dúvida a respeito de que opção se deveria tomar naquelas eleições.
A direita salvadorenha apenas procedeu como há décadas se faz em toda a América latina: pintou a esquerda de autoritária e incutiu o medo pela mudança. Naturalmente a campanha da FMLN teve que responder aos ataques ideológicos afirmando sua viabilidade institucional e desconstruindo a campanha do medo, algo também muito comum para a tática eleitoral das esquerdas no continente.
Maior estrago que a possibilidade de derrota eleitoral da esquerda, a movimentação articulada dos meios de comunicação com os setores de direita pode desenhar uma vitória hegemônica para além de qualquer resultado eleitoral. Mesmo perdendo a batalha eleitoral os setores conservadores podem ter ganho a guerra de hegemonia e delineado as condições em que as mudanças tem que ser feitas, ou mesmo quais mudanças podem ser feitas e quais não podem.
Os setores da oligarquia ao perceber a possibilidade de derrota operou para disputar e definir que tipo de esquerda se desenharia em El Salvador: a de mudanças estruturais ou aquela necessária para que a estrutura central de poder permaneça sem grandes arranhões.
Sem mudanças estruturais Funes não terá condições de enfrentar a enorme desigualdade social que mantém 47% de sua população na pobreza. Sem redirecionar uma economia que se tornou absolutamente dependente e dolarizada. Dependência em grande parte gerada pela expulsão de quase 2,5 milhões de salvadorenhos – que foram em busca de trabalho nos Estados Unidos – responsáveis por 17% do PIB constituindo por remessas de dólares de um país que tem 7 milhões de habitantes.
É importante que a vitória popular expressa pela eleição de Maurício Funes venha se somar aos movimentos de mudança protagonizados na Venezuela, Bolívia e Equador, justamente o que os setores hegemônicos tentaram garantir que não aconteça. E que não se torne um governo de conciliação com os poderosos, como infelizmente aconteceu com algumas vitórias populares em nosso continente.
A opção do povo deste pequeno país da América Central é grande em expectativa de que o novo governo se oriente efetivamente pelo ponto de vista dos de baixo, erradicando, por exemplo, o analfabetismo, que naquele país atinge cerca de 20% da população. As únicas experiências da esquerda latinoamericanas que foram capazes de tamanho feito foram justamente as de Cuba, Venezuela e Bolívia diferentemente de Brasil, Chile e Uruguai que optaram pelo enfrentamento do possível e não do necessário.
Da mesma forma que os novos governos revolucionários enfrentaram questões estruturais aos direitos humanos como saúde, educação e moradia, estes também tiveram que enfrentar a estrutura hegemônica de comunicação de massas retomando o papel do Estado em um sistema gerido pelos interesses privados. A realização de auditoria das concessões públicas de TV ou da dívida externa como vem fazendo o governo Equatoriano, ou mesmo a não renovação da concessão do canal de TV golpista RCTV realizada pelo governo venezuelano são exemplos de mudanças que a oligarquia espera ter impedido com campanha eleitoral.
Que a história de luta travada naquele país, como a de Schafik Handal, seja a referência do governo que nasce das urnas para um novo período de mudanças e mobilização social.
Ganhar a batalha eleitoral foi o primeiro passo, agora é preciso vencer a guerra de hegemonia.
* dados retirados do relatório “Memória de uma campanha suja” elaborado pela FMLN.
Pedro Ekman é arquiteto, e Secretário-Geral do Diretório Municipal do PSOL São Paulo.